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Escolhas & Percursos

...espaço de discussão, de formação, de cultura, de curiosidades, de interacção. Poderemos estar mais próximos. Deus seja a nossa Esperança e a nossa Alegria...

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08.02.22

Célia Correia Loureiro – DEMÊNCIA

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CÉLIA CORREIA LOUREIRO (2019). Demência. Porto: Coolbooks. 464 páginas.

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Surpreendente. Esta é uma obra que se lê de fio a pavio, para quem gosta de ler e para quem aprecia romances intensos. A escrita é criativa, com descrições vívidas, intensas, capazes de fazer suster a respiração, de querer avançar para a próxima página, para o capítulo seguinte para descobrir o que se segue.

A história passa-se no interior norte, entre duas aldeias, Ferreirós e Tonda, perto de Tondela. Pelo meio ainda uma referência, que é mais familiar, a vinda dos personagens a Lamego, o um concerto dos Xutos & Pontapés.

A história desemboca no ano de 2008, com os finais da mesma no ano seguinte, porém faz-nos recuar algumas décadas, sobretudo aos anos 70, 80 e 90 do século vinte, mas também ao tempo de Salazar e do Estado Novo.

A demência da D. Olímpia, que começa a esquecer partes da sua história pessoal, sobretudo os anos mais recentes, é a menor das demências; os preconceitos, o machismo, os juízos apressados, as conivências, a violência doméstica, são demências muito maiores e mais destrutivas. Esta é uma história de tirar a o fôlego, daquelas em que nos sentimos trama, capaz de resultar num excelente filme.

Um crime hediondo, uma mulher mata o marido. Sem conhecer as razões, o contexto, uma aldeia condena a esposa, antes de ouvir a sua história e depois de o tribunal a declarar inocente. Mas algo de mais grave está para acontecer, depois de Letícia ter voltado para Ferreirós, para casa da D. Olímpia, sua sogra.

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Célia Correia Loureiro nasceu em Almada, em 1989. É Guia-Intérprete Nacional e Técnica de Turismo. Fala Italiano, Inglês e Francês. Gosta de gatos e de crepes com Nutella. De todas as cidades que visitou, é por Siena que morre de amores. De todos os autores que leu, destaca John Steinbeck por As Vinhas da Ira, e está sempre disposta a dispensar mais quatro horas da sua vida ao visionamento de E Tudo o Vento Levou. Demência foi o seu primeiro romance publicado, em 2011. É um livro que continua a ser-lhe muito próximo, por ser um grito de revolta contra as circunstâncias da mulher portuguesa no século XX, e da mulher ainda vulnerável, isolada e silenciada pelos bons-costumes, no mesmo contexto de ruralidade, em pleno século XXI.

 

Contracapa:

"Numa pequena aldeia beirã, duas mulheres de gerações diferentes leem o seu destino nas mãos de um mesmo homem: Letícia foi vítima de um marido ciumento e manipulador, e Olímpia é a mãe extremosa desse agressor.

Mas quando Letícia regressa para assistir Olímpia, aos primeiros sinais de demência, os traumas que traz na bagagem ameaçam estilhaçar o silêncio conivente dos aldeões. Ainda que ostracizada, Letícia esforça-se por esquecer os tumultos do seu casamento, enquanto Olímpia pede ajuda ao amigo de infância, Sebastião, para reconstruir as próprias memórias e entender o que se passou com o seu único filho.

Demência traz-nos, através das vivências destas duas mulheres, a dura realidade de um Portugal rural e ainda tendencioso, e faz-nos repensar o significado de família e de comunidade, de inocência e de culpa".

10.01.22

Miguel Sousa Tavares - ÚLTIMO OLHAR

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MIGUEL SOUSA TAVARES (2021). Último Olhar. Maia: Porto Editora. 312 páginas.

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Guerra civil espanhola, a luta entre franquistas e "vermelhos", exílio dos republicanos em França, alguns integrados nas forças de resistência francesa e outros encaminhados para campos de concentração, eis o cenário para mais este brilhante romance de Miguel Sousa Tavares, que desemboca na pandemia. Um dos seus portagonistas, Pablo sobrevive a tudo. Tem agora 93 anos! Será que sobrevive à Covid-19?

A pandemia do novo corona vírus veio de mansinho mas espalhou-se rapidamente e continua a fazer muitas vítimas. O autor deixa vários itens de reflexão sobre o melhor e o pior de nós, ou como muitos arregaçaram as mãos e se colocarem na primeira fila para ajudar e como muitos se afastaram, resguardaram e se justificaram para se salvaguardar. Um dos episódios, também narrado/ficcionado no livro, foi a colocação de idosos de um lar numa pequana. As ambulâncias que transportavam 28 idosos, infetados com Covid-19, e retirados de um Lar, Alcalá del Vale, foi recebido à pedrada em La Línea de la Concepción.

 

SINOPSE feita pela Editora:

"Pablo tem 93 anos, viveu a Guerra Civil Espanhola, viveu os campos de refugiados da guerra em França, viveu quatro anos no campo de extermínio nazi de Mauthausen. E depois viveu 75 anos tão feliz quanto possível, entre os campos de Landes, em França, e os da Andaluzia espanhola. Inez tem 37 anos, é médica e vive um casamento e uma carreira de sucesso com Martín, em Madrid, até ao dia em que conhece Paolo, um médico italiano que está mergulhado no olho do furacão do combate a uma doença provocada por um vírus novo e devastador, chegado da China: o SARS-CoV-2. Essa nova doença, transformada numa pandemia sem fim, vai mudar a vida de todos eles, aproximando-os ou afastando-os, e a cada um convocando para enfrentar dilemas éticos a que se julgavam imunes.

Último Olhar marca o aguardado regresso de Miguel Sousa Tavares ao romance. Uma história sem tréguas nem contemplações, onde o passado cruza o presente e o presente interroga o futuro que queremos ter. Da primeira à última página, até decifrarmos o que se esconde atrás do título".

 

Dados biográficos:

Miguel Sousa Tavares licenciou-se em Direito. Viria a abandonar a advocacia pelo jornalismo e, mais tarde, o jornalismo pela escrita literária e pelo comentário. Trabalhou em jornais, revistas e televisão, tendo conquistado diversos prémios como repórter, entre os quais o Grande Prémio de Jornalismo do Clube Português de Imprensa e o Tucano de Ouro, 1.º Prémio de reportagem televisiva no FestRio – Festival de Televisão e Cinema do Rio de Janeiro.
Seria um dos fundadores da revista Grande Reportagem, que dirigiu durante dez anos, tornando-a uma marca de referência no panorama jornalístico português. Como comentador político mantém uma presença constante na televisão e jornais portugueses – hoje na TVI e no Expresso –, em que a sua reconhecida independência arrasta fiéis e acumula inimigos.
Depois de incursões no domínio da literatura infantil e de viagens, estreou-se na ficção com Não te Deixarei Morrer, David Crockett, um conjunto de contos e textos dispersos. Em 2010, publicou o seu primeiro romance, Equador, que vendeu mais de 400 000 exemplares em Portugal, estando ainda traduzido em 12 línguas e editado em cerca de 30 países, com adaptação televisiva em Portugal e no Brasil. Destacam-se ainda os seus livros Rio das FloresNo Teu DesertoMadrugada Suja ou Cebola Crua com Sal e Broa.

24.03.17

GEORGES BERNANOS - DIÁRIO DE UM PÁROCO DE ALDEIA

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GEORGES BERNANOS (2016). Diário de um pároco de aldeia. Prior Velho: Paulinas Editora. 264 páginas.

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O título já deixa antever um conjunto de vivências num lugar em que as pessoas se conhecem, em que as novidades, os boatos, as insinuações se espalham rapidamente, onde a privacidade é muito relativa. O padre, numa pequena aldeia, rústica, vai escrevendo um diário com as suas impressões, encontros, dificuldades, tornando visível a intriga e o mau-estar entre o pároco, vindo de uma família simples, o senhor conde, benemérito da paróquia e que tem outros familiares mais bem colocados, com outros contacto, como um tio padre.

Padre jovem, por um lado, e acabado de chegar, as dificuldades cedo se fazem notar. No catecismo ou na celebração da Eucaristia, por vezes com poucas pessoas, outras vezes desinteressadas. Os jovens, em fase adolescente, provocam-no e gozam com ele. As condições sócio-económicas são mínimas. Alimenta-se mal. Por vezes a refeição é vinho aquecido com pão. Pouco mais. As dívidas são do conhecimento da povoação. Os sacerdotes amigos tentam alertá-lo, chamá-lo à razão. De algum modo, até pode ter razão e iniciativa, mas o melhor é não levantar ondas nem enfrentar os poderes instituídos.

O conde, a esposa e a filha são o rosto mais visível da oposição ao padre. Os pecados que escondem, e talvez para os esconder, voltam-se contra o padre. Ora o convidam ora o alertam para não se meter em determinados assuntos, que não lhe dizem respeito.

Querendo ser fiel ao ministério sacerdotal não deixa de ouvir, de exortar, de intervir. A saúde é que não ajuda. E os comentários sobre a sua conduta também não. É considerado um bêbado, ainda que não se considere tal. A fraqueza, a batina gasta, uma cor de meter dó, amarelo, sumido, faz pena vê-lo assim e assim se vê, ainda que a bebida (vinho aquecido com pão) seja o único que o seu frágil estômago vai aguentando. Adia a ida ao médico. Quando vai ao médico, a revelação de cancro deixa-o de rastos. Não há muito a fazer.

Mas não é a doença terminal que mais o afeta, mas o silêncio de Deus. Há muito que vive com dificuldades em falar com Deus, em rezar, em se colocar confiante nas mãos de Deus. Os que se aproximam dele, desabafam, falam e voltam a falar e, no entanto, há um silêncio e um vazio que o preenchem. Faz com que os outros se abram, mas fecha-se, discreto, como que desejando apagar-se. Até a morte quer que seja silenciosa. "A minha morte está ali. É uma morte igual a qualquer outra, e eu entrarei nela com os sentimentos de um homem muito comum, muito vulgar. É mesmo mais que certo que não saberei morrer melhor do que soube governar a minha pessoa. Vou ser na morte tão desastrado, tão acanhado como na vida... Meu Deus dou-te tudo, de boa vontade. Simplesmente, não sei dar, dou como quem deixa que lhe tirem as coisas. O melhor que tenho a fazer é estar sossegado. Pois se eu não sei dar, Tu, Tu sabes tirar... E no entanto teria gostado de ser, pelo menos uma vez, uma só vez, liberal para contigo... O heroísmo à minha medida está em não ter heroísmo, visto que me faltam as forças, agora o que eu queria é que a minha morte fosse pequena, o mais pequena possível, que se não distinguisse dos outros acontecimentos da minha vida. No fim de conta é a minha natural inépcia..."

 

Para leituras próximas outras sugestões:

Obviamente que são livros muito diferentes, Tomáš Halík e Timothy Radcliffe ajduam-nos a refletir em Deus e na Sua presença amoroso na nossa vida, também nos momentos difíceis e até obscuros, apontando para um Deus que em Jesus Cristo Se revela dócil, compreensivo, próximo, exigente.

Cormac McCarthy mostra que a fé pode ser ténue, mas a força do amor é inabalável, até ao fim. Shusaku Endo, no seu romance com fundo histórico e que deu origem ao filme com o mesmo nome, questiona até que ponto a fé é sustentável nas adversidades e nas monstruosidades. Todos os títulos nos falam da busca de Deus, do questionamento de Deus, da fé e do amor, da vida e da generosidade, da noite e da dúvida e da treva, mas com aquela réstia de esperança que tudo possa ser diferente.

 

Não deixe de ler o seguinte o comentário ao livro:

Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

14.02.17

Leituras: SHUSAKU ENDO - SILÊNCIO

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SHUSAKU ENDO (2017). Silêncio. (3.ª Edição) Alfragide: Publicações Dom Quixote. 272 páginas.

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Na Viagem à Polónia, o Papa Bento XVI, como já o tinha feito o Seu Predecessor, João Paulo II, deslocou-se ao campo de extermínio Auschwitz-Birkenau, no dia 28 de maio de 2006. As primeiras palavras do Papa Bento XVI: «Tomar a palavra neste lugar de horror, de acúmulo de crimes contra Deus e contra o homem sem igual na história, é quase impossível e é particularmente difícil e oprimente para um cristão, para um Papa que provém da Alemanha. Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante».

O Papa alemão sublinha o silêncio de Deus e o grito das vítimas, 6 milhões de polacos, um quinto da sua população, que perderam a vida. E o discurso continuava: «Quantas perguntas surgem neste lugar! Sobressai sempre de novo a pergunta: Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal? Vêm à nossa mente as palavras do Salmo 44, a lamentação de Israel que sofre: "... Tu nos esmagaste na região das feras e nos envolveste em profundas trevas... por causa de ti, estamos todos os dias expostos à morte; tratam-nos como ovelhas para o matadouro. Desperta, Senhor, por que dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre! Por que escondes a tua face e te esqueces da nossa miséria e tribulação? A nossa alma está prostrada no pó, e o nosso corpo colado à terra. Levanta-te! Vem em nosso auxílio; salva-nos, pela tua bondade!" (Sl 44, 20.23-27). Este grito de angústia que Israel sofredor eleva a Deus em períodos de extrema tribulação, é ao mesmo tempo um grito de ajuda de todos os que, ao longo da história ontem, hoje e amanhã sofrem por amor de Deus, por amor da verdade e do bem; e há muitos, também hoje. Nós não podemos perscrutar o segredo de Deus vemos apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos eleger-nos a juízes de Deus e da história».

Estas palavras de Bento XVI bem podem servir de mote à leitura e a um possível enquadramento.

Com a adaptação ao cinema, pela mão de Martin Scorsese, o romance de Shusaku Endo ganhou novo fôlego e por certo baterá alguns recordes de vendas. E será merecido. Boa literatura. Bom enredo. A história romanceada tem tudo para prender o leitor do início até ao fim.

Não sendo histórico, o romance parte da história de evangelização do Japão, onde os portugueses tiveram um papel importante, como por exemplo São Francisco Xavier. No Oriente outros desembarcaram para levar o Evangelho até o fim do mundo, como São João de Brito, missionário português que deu a vida na Índia, em tormentos, torturas e sofrimentos como os que são relatos neste romance.

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A história parte da apostasia de Cristóvão Ferreira, enviado pela Companhia de Jesus em Portugal para a evangelização do Japão. Submetido à tortura da fossa, de mãos e pés atados, de cabeça para baixo, sobre excrementos de pessoas e de animais... Era superior provincial, era um exemplo para clero e leigos. Mas apostatou.

Sebastião Rodrigues (a personagem principal do romance), com Francisco Garpe, também pertencentes à Companhia de Jesus, não querendo acreditar no que sucedeu a Cristóvão Ferreira - tinha sido professor deles e era uma referência intelectual, moral, espiritual - querem tirar a limpo o que sucedeu e vão para o Japão. Acolhidos numa aldeia, mas colocando em perigo os aldeões, separam-se e fogem. Sebastião Rodrigues é apanhado. Com ele, a reflexão sobre o silêncio de Deus e o grito de tantos cristãos que morrem em nome de Cristo, por serem cristãos. Para entrarem no Japão, fazem-no através de Macau. Para isso contam com Kichijiro, que tinha fugido, atraiçoado toda a família, atraiçoa Rodrigues, por duas vezes, vendendo-o como Judas a Cristo. Aqui entra a reflexão de Endo, japonês e católico. Rodrigues renuncia à fé ou publicamente nega a Cristo para defender os outros cristãos? Tal como Cristóvão Ferreira, abjurando permite que outros cristãos sejam libertados.

Vale a pena ver a leitura do provincial dos Jesuítas em Portugal, em entrevista à Agência Ecclesia, em que sublinha a grande oportunidade - o filme / romance - para confrontar as várias dimensões da fé. A obra recorda uma página histórica do encontro difícil entre o cristianismo (e o Ocidente) e as tradições japoneses que inicialmente acolheram com benevolência o cristianismo e depois moveram-lhe uma grande perseguição. Para o Padre José Frazão Correia é uma grande oportunidade para revisitar a questão dramática da fé. A dificuldade em permanecer firme num ambiente de extrema perseguição. Revisitar a experiência da fé a partir da sua dimensão dramática e equívoca, várias perspetivas possíveis para enquadrar a questão da adesão a Jesus e da sua visibilidade pública.

O filme/romance não nos permite fazer uma leitura a branco e preto, bem e mal, afirmação da fé pelo martírio ou negação da fé pela apostasia. Aqui percebemos que a aproximação à fé, a afirmação de fé em contextos de grande perseguição, de um grande sofrimento, põe em reserva um juízo demasiado fácil… Publicamente o personagem principal, o padre Sebastião Rodrigues, renuncia à fé, mas o realizador, tal como o autor, faz-nos perceber que no íntimo do padre jesuíta há um percurso de fé e estamos longe de concluir que a sua apostasia pública seja uma renúncia à fé no mais íntimo do seu coração.

O filme tem provocado diversos apontamentos e, claro, também a leitura do romance. Segundo Laurinda Alves - o que não gostei no Silêncio - falta sublinhar as razões da fé dos japoneses, o amor de Deus para connosco e de nós para com Deus. «No século XVII os missionários convertiam a partir do testemunho de Jesus e não de uma ideia de Deus distante, castigador, do Antigo Testamento. Por isso, esperava ver no filme este amor novo dos filhos e amigos, dos irmãos e companheiros de Jesus que querem viver para amar e servir, também ele traduzido em imagens e diálogos. Isto para que o amor de Deus ficasse a fazer eco a par do Seu silêncio e dos dramas da negação sob tortura».

 

Alguns comentários-entrevistas: 

22.11.13

LEITURAS: Daniel Silva - o Anjo Caído

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DANIEL SILVA. O Anjo caído. Bertrand Editora. Lisboa 2013, 400 páginas.

       Gabriel Allon é um ativo dos serviços secretos israelita. Este é já o 12.º livro de Daniel Silva que tem como protagonista Gabriel Allon. É um extraordinário romance sobre os bastidores da segurança, da vigilância, na procura por salvar vidas inocentes. É o primeiro romance deste autor que me veio parar às mãos, oferta da família, e que em boa hora tive oportunidade de ler e descobrir. É daqueles livros em que se procura rapidamente avançar, página a página, com o trama a desenrolar-se diante dos nossos olhos como se estivesse dentro da história.

       A primeira reação, a partir do título, foi de suspeita preconceituosa. Depois de Dan Brown, com o Código Da Vinci, surgiram muitos títulos muito parecidos, procurando mostrar, ainda que romanceado, que o cristianismo seria uma farsa, com demasiados segredos e encobrimentos, com muitos crimes à mistura, violência, abusos de poder. Livros procurando desmontar que Jesus não existiu, ou teve uma amante... ou A virgem Maria, mãe carnal de muitos filhos... em Saramago, e José Rodrigues dos Santos, quase jurando que os dados revelados seriam mesmo documentos fidedignos. Embora no final se arranje uma forma ardilosa de justificar que afinal não existem tais documentos porque alguém os destruir. Tive oportunidade de ler vários romances de José Saramago, de ler Dan Brown, e excertos do polémico livro de José Rodrigues dos Santos, e entrevistas concedidas (além de ter lidos outros livros deste autor). A abundância de livros acentuando a teoria da conspiração a partir do Vaticano, cansou-me, até porque, tendo estudado História da Igreja e muitas disciplinas estritamente ligadas à teologia e ao cristianismo, nada do apresentado como descoberta é novidade, pois se estuda no tempo do Seminário, com as polémicas, a partir (sobretudo) do século XVIII, em que se colocam em causa muitas verdades de fé. Além, disso, desde os primeiros séculos houve milhentas discussões, síndodos, livros, missivas, concílios, a debater os conceitos mais importantes da fé: virgindade de Maria, Jesus como verdadeiro homem e verdadeiro Deus, papel e missão do Espírito Santo, Igreja de Jesus Cristo ou Igreja de São Paulo e muitas questões próximas.

       Quando vejo títulos que me apontem para o mesmo, sigo em frente. Também por esta razão, este é um livro fascinante, com intriga, com descrições que nos fazem situar ora nos EUA, na Holanda, em Israel, no interior do Vaticano, ou nas praças de Itália, em Viena de Áustria, em Paris. Cenários encantadores, onde a trama se desenrola e não falta o crime, o roubo de arte sacra, a congiminação para destruir o Estado de Israel e a sempre polémica negação, sobretudo por parte do mundo islâmico, do Holocausto e a edificação do primeiro e do segundo Templo de Salomão, em Jerusalém. A visita do papa Paulo VII (o Papa ficcionado), que evoca claramente as visitas de João Paulo II, mas também de Bento XVI, com reconhecimento, por parte da Igreja, dos pecados próprios contra os judeus, e a aproximação progressiva que se tem assistido desde Paulo VI, acentuada com João Paulo II, confirmada por Bento XVI e agora visualizada pelo Papa Francisco.

       O livro mostra-nos a beleza da arte e todos os interesses que se movem na obscuridade de roubos, de ganâncias, de poder. Obviamente que o autor não esquece algumas das polémicas que envolvem a Igreja, mas penso, que o faz com um sentido crítico equilibrado, acentuando a dimensão da fé, mas também a fragilidade daqueles que servem a Igreja.

       O livro ganha ainda mais a minha admiração, quando no final se deixa claro o que é romance e o que é história, o que é ficcionado e o que é real, fontes e inspiração. É visível, também no romance, o problema sempre atual da disputa de Israel e da Palestina pelos territórios de Abraão e de Jesus Cristo.

       Nota final para referir que, tendo em conta que sou sacerdote católico, sempre li com agrado as obras de Saramago, José Rodrigues dos Santos, Dan Brown, ou outras bastante polémicas. São enredos envolventes. O pecado, a meu ver, é que por vezes pretendem fazer história das polémicas, assumindo por vezes uma teoria de um ou outro historiador ou teórico em prejuízo de escolas de estudiosos, achando que todos os outros estão errados e só um pode estar certo, caindo em dogmatismos mais preservos do que aqueles que procuram combater. Ler um livro sabendo que é romance não é o mesmo que ler um romance que tem pretensões a ser um manual de história.

       Dito isto, se tiver oportunidade de ler algum livro de Daniel Silva, a ver pela amostra, não vai ficar desiludido/a, claro, se gostar de ler.

23.08.13

LEITURAS: Haruki Murakami - Kafka à Beira-mar

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HARUKI MURAKAMI. Kafka à Beira-mar. Casa das Letras. Alfragide 2012. 15.º edição. 602 páginas.

 

       Haruki Murakami é dos dos mais talentosos escritores/romancistas. Com uma criatividade fora de série, uma imaginação extraordinária. Cada livro publicado é a expressão de um verdadeiro artista das letras. Escreve com desenvoltura, cruzando diversas dimensões da vida, cultura popular, mitos e superstições, simbologia japonesa, na abertura ao Ocidente, música dos anos 70, 80, 90, grupos musicais, filmes, livros que fizeram sucesso, músicos clássicos. Abrange uma grande cultura geral, que passa para os leitores de forma integrada, espontânea, como se estivéssemos à mesa do café a falar deste e daquele tema, desta e daquela história, de determinado acontecimento, contando algo que nos aconteceu ou ao vizinho. Toda a linguagem se apresenta em Murakami com espontaneidade. Simples, acessível. Mesmo quando narra situações de outro mundo, surrealistas, parecem tão banais como abrir os olhos ao acordar, ou como respirar. Faz-nos entrar na história e às tantas parece banal o que propõe, como se todos soubéssemos do que se trata, ou fosse quase uma cusquice com o vizinho.

       "Kafka à beira-mar" é mais uma relíquia, uma obra prima do autor, com todos ingredientes para prender o leitor do princípio ao fim. Duas estranhas personagens que a história se encarrega de entrelaçar. O autor serve-se de recursos já habituais, lendas, crenças populares, expressões clássicas, história do Japão, na abertura ao Ocidente, e ao cristianismo, atores, filmes, cinema, músicas, carros, com descrições simples e acessíveis, ao correr da pena, tempo e história, destino, sons e ausência de sons, silêncio. Personagens estranhas e pessoas normalíssimas, comidas e pratos muito japoneses...

       Numa floresta um grupo de crianças, sem mais nem para o quê, desmaia. Não é um desmaio qualquer. Continuam a respirar normalmente, com os olhos fixos em algum ponto, sem pestanejarem. Só a professora não desmaia. Acordam e não se lembram de nada, é um vazio. Um dos meninos não acorda. Todos são submetidos a rigorosos exames, mas nada se descobre, nem os melhores médicos americanos, nem os médicos japoneses. Abertos dossiers confidenciais até muito depois da 2.ª guerra mundial, não permitem adiantar muito. Nakata fica em coma durante algumas semanas, sem dar de si, como que em outra dimensão. Quando acorda não sabe ler nem escrever; era um dos melhores alunos.

       Na atualidade, Nakata é um velho de sessenta anos, recebe um subsídio do estado, fala com os gatos, gosta de enguias, dedica-se a encontrar os gatos perdidos, em troca recebe mais alguns ienes, refeições, roupas. O imprevisto acontece. À procura de um gato, é conduzido a uma mansão por um cão que fala com ele, melhor, o dono fala através do seu cão. Para salvar o gato que procurava e um gato amigo, assassina Johnnie Walker, a pedido deste. Foi como forçado, parece não estar no seu corpo. Fica ensopado com sangue. Acorda num baldio, onde tinha ido procurar um gato, com a roupa limpa e já não consegue falar com os gatos. Narra o sucedido na esquadra mas o polícia de serviço considera-o tolo. Nakata avisa que no dia seguinte vão chover sardinhas e cavalas. Assim acontece. Mas ainda haverá também a chuva de sanguessugas, quando Nakata já vai a caminho de Shikoki, onde já está Kafka Kamura (Kafka é para esconder a verdadeira identidade), afinal filho de Johnnie Walker, que afinal é um famoso escultor (Koichi Kamura).

       O jovem foge de casa no dia do 15.º aniversário. Nem antes nem depois. Leva o que precisa. Vai para um sítio nem muito quente nem muito frio. Não precisa de levar muitas coisas, uma mochila às costas e dinheiro. Foi abandonado pela mãe, que com ela levou a sua irmã. O pai profetisa que ele ficará com a mãe e com a irmã. O destino do jovem é uma Biblioteca privada, que conta outra história de vida. Um amor que terminou na morte estúpida do noivo, quando ia levar comida a um colega manifestante, diante da universidade e tendo sido confundido com o líder da fação contrária. A mulher regressou, passados vinte anos, à casa dos pais dele, e todos os dias fica na Biblioteca. Tem um ajudante, que afinal é mulher, embora não pareça. E Kafka ficará no quarto antes reservado ao rapaz, filho dos proprietários e esfaqueado diante da universidade. Encontra-se aí um quadro, Kafka à beira-mar, que é também um canção feita pela dona-gerente da Biblioteca. Com quinze anos aparece ao jovem Kamura, deita-se com ele. Poderá ser a sua mãe, mas então ainda com quinze anos, mais ou menos.

       Um dia, o jovem Kafka Kamura acorda no meio do bosque com a camisola ensopada em sangue. Não se lembra de nada. Terá assassinado alguém. Tudo indica que foi ele, através de Nakata, do seu corpo e mente, que matou o próprio pai, mas não sabe...

       Há outros desígnios. Nakata terá que encontrar a Pedra de Entrada para compor a realidade. O que foi aberto tem de ser fechado...

       Kafka à beira-mar é um conto do maravilhoso, com personagens concretas, mas que em determinados momentos parecem ser transportados para outras dimensões.

       Nakata, além de fazer chover cavalas e sardinhas e sanguessugas, só tem metade da sombra, que desapareceu quando desmaiou e ficou em coma durante semanas. Com a pedra de entrada será que ele consegue ficar com a sua sombra completa? Veja como Murakami utiliza este recurso também noutros escritos, como por exemplo em O impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo, em que o leitor de velhos sonhos, na cidade muralhada, deixa a sua sombra à entrada da cidade. A sombra acabará por morrer e ele ficará para sempre na cidade, pois ninguém sobrevive fora da cidade sem a própria sombra. A sombra resiste a acabará por abandonar a cidade sozinha, sem o seu dono, que fica na cidade e tem qe se retirar para o bosque, uma vez que a sua sombra não morreu...

       A BIBLIOTECA desempenha uma missão importante, neste como no livro citado anteriormente. É lá que conhece a mãe. É lá que a mãe morre para o encontrar na fronteira dos mundos, numa dimensão diferente onde se despede para sempre o fará regressar ao mundo para que ele se lembre dela, que entretanto destruir todas as recordações, mas desde que ele se lembre é quanto basta.

        Outro tema que será depois explorado no Fim do Mundo, quando fala da cidade muralhada (dentro do cérebro) e do bosque para onde vai quem ainda tem a respetiva sombra viva, pois na cidade só podem estar pessoas sem sombra nem coração. No bosque é preciso ter coração mesmo que não se tenha sombra. O coração guardas as recordações. O bosque é perigoso e desaconselhado. Em Kafa à beira-mar, a floresta, o bosque, é perigoso, quem se adentra nele pode perder-se para sempre, pode não achar o caminho de volta, passa a fazer parte do bosque. É lá que se encontram dois soldados que desertaram por altura da segunda guerra mundial e ficaram a guardar a entrada. Kafka é conduzido por eles. Entra. Outra dimensão. As pessoas não têm recordações. Fazem parte do tempo e das próprias recordações, do mundo envolvente. Quando muito lembram-se do dia anterior. Aí Kafka Kamura encontra de novo a jovem de 15 anos que lhe aparecia durante a noite, no quarto da Biblioteca. Aí encontra Saeki-san, afinal a sua mãe, afinal a rapariguinha de 15 anos, a gerente da Biblioteca que vem para se despedir para sempre. Vai ter que voltar antes que a entrada se feche. Mas para quê voltar se não tenho ninguém à espera. Regressas para viver a tua vida e te recordares de mim, diz-lhe a mãe.

       Uma das temáticas recorrentes é um certo pessimismo, ou resignação, que se vislumbra nas várias obras do autor, ainda que seja difícil uma análise definitiva. O que tem de ser tem muita força. Não adianta muito fugir, a vida há de orientar-nos para o nosso fim. De outra maneira não viveremos. Parece ser um desafio a viver, a viver bem, a aproveitar as ocasiões sem grandes lamentos, seguindo para a frente, agindo, tomando as próprias decisões, sejam elas minhas ou resultem da história em que me insiro. Com o destino, o tempo, e a ausência de tempo e de sons, a passagem para outra dimensão, a morte e a vida, o lado de cá e o outro lado. Viver em quanto é tempo. Quem passa a fronteira parece não querer regressar. Mas se ainda não é hora deverá regressar para cumprir a sua vida (evocação das experiência de quase morte?). Do lado de cá, e regressar com as suas recordações (e dos outros) mas para alterar o que tem de ser alterado, para um mundo novo.

"- Todos nós perdemos coisas a que damos valor. oportunidades perdidas, possibilidades goradas, sentimentos que nunca mais voltaremos a viver. Faz parte da vida. Mas dentro da nossa cabeça, pelo menos é aí que eu imagino que tudo aconteça, existe um quartinho onde armezanamos todas as recordações. E a fim de compreendermos os mecanismos do nosso próprio coração temos que ir sempre dando entrada a novas fichas, como aqui [na Biblioteca] fazemos. Volta e meia precisamos de limpar o pó às coisas, deixar entrar ar, mudar a águia das plantas. Por outras palavras, cada um vive para sempre fechado dentro da sua própria biblioteca..."


"Todas as pessoas precisam de um lugar onde possam pertencer..."


"Sentes o peso do tempo como um velho sonho ambíguo. Continuas sempre em movimento, tentando arranjar maneira de te esquivares. Porém, mesmo que vás aos confins do mundo não lograrás escapar-lhe. Mesmo assim, não tens outro remédio senão seguir em frente, até esse fim do mundo. Há algo que não se consegue fazer sem lá chegar".

       Há livros com 600 páginas que se leem num instante, com agrado, e muito mais facilmente que pequenos livros cuja história não flui. Os livros de Murakami não têm partes maçudas, envolvem-nos em milhentas estórias. Vale a pena ler este ou outro qualquer romance do Haruki Murakami. Se for para iniciar a ler este autor talvez fosse bom começar por "Em busca do Carneiro Selvagem" ou "Dança, Dança, Dança", ou o "Elefante evapora-se", ou "Sputnik, meu amor", ou para melhor conhecer o autor e a sua escrita, "Auto-retrato enquanto corredor de fundo".

       Kafka à beira-mar é uma leitura leve, empolgante, engenhosa, vicia...

22.08.13

LEITURAS: Haruki Murakami - 1Q84

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HARUKI MURAKAMI. 1Q84. Casa das Letras. Alfragide. Livro 1 - 2011. 492 páginas; Livro 2 - 2012; 436 páginas: Livro 3 - 2012, 504 páginas.

       Para quem gosta de Haruki Murakami, não interessa de todo o número de páginas, de tão empolgantes que sãos as histórias e os mundos, o oriental e o ocidental, o budismo e o cristianismo, o mundo real e concreto e o mundo virtual, do sonho, ou um segundo mundo que se passa num determinado tempo e lugar e que dá acesso a um mundo que corre em paralelo, com implicações no regresso a este mundo.

       Duas personagens fazem desenrolar a história. Tengo, professor de matemática, aspirante a escritor famoso, trabalha também na revisão de outras obras, nomeadamente a Crisália de Ar, escrita por uma jovem filha de pais que integraram uma seita religiosa que esmaga a liberdade e em que as vítimas de sempre são as mulheres sujeitas a maus tratos. Aomame, é uma jovem com a mesma idade de Tengo. É assassina profissional, mata fazendo parecer que é de morte natural, acabará por matar o líder da Seita, ainda que este fosse considerado como Imortal. Fria, quase sem coração. É também professora de artes marciais.

       No desenrolar da história, os dois personagens vão-se aproximando, enredados na mesma trama que os conduz à Seita religiosa, sendo aliás procurados pelos sequazes da organização, da qual pouco se conhece, impenetrável, que fazem desaparecer até os seus membros, sem vestígios, ainda que a Organização tenha um rosto jurídico, que paga impostos, tem sede, tem representantes legais.

       Pelo meio vão aparecer muitas outras personagens, com a beleza extraordinário com que são pintadas por Murakami, há feios, bonitos, altos, baixos, gordos, inteligentes, estúpidos, homens, mulheres, pessoas boas, pessoas más. Uma mulher, já anciã que acolhe mulheres maltratadas.

       Tengo e Aomame encontraram-se na escola, como ela pertencia às testemunhas de Jeová, sempre foi colocada de lado, por algumas razões que lhe eram impostas pelos pais e pela religião que a expunham ao ridículo. Tengo, rapaz sério, inteligente e aplicado, não segue a corrente, mas também não teve a coragem para avançar...

       Mais à frente hão de cruzar os seus destinos, e os seus mundos. Não podem deixar escapar a oportunidade. Mas vai demorar tempo, paciência, vigilância, prudência. A Crisália de Ar, faz como que nascer duas Aomames, a mesma pessoa desdobrada em dois, para viver em dois mundos separados, dimensões diferentes.

       O terceiro volume, aparece outra personagem: um advogado Ushikawa. Aceita todos os casos que sejam sujos, defende tudo o que tenha a ver com a Organização. Metódico. Feio, desproporcional. Medonho. Assustador. Com facilidade recorre à ameaça, à insinuação, procurando gerar medo ou mesmo pânico, chantagista.

       Duas LUAS, uma normal e outra verde. Nem todos veem a duas luas. A Crisália de Ar faz a descrição pormenorizada da lua verde, e do Povo Pequeno, em que os seus habitantes querem vir para o mundo real... Aqueles que veem a Lua compreendem que estão num mundo diferente, ou no mesmo mundo, mas com vivência diferentes. Ano de 1984. Ano de 1Q84, é outro ano distinto, paralelo, as vivências no mundo paralelo têm consequências no mundo concreto...

       Uma trilogia de extraordinário encanto. Como toda a escrita murakamiana, leve, descontraída, natural, faz-nos entrar dentro da história e das personagens, surrealista quanto baste, descreve outros mundos como algo que fizesse parte do dia a dia. Mais uma vez as milhentas estórias que preenchem e cruzam a trama principal, músicas, livros, bares, cinemas, sentimentos, organizações clandestinas, seitas religiosas, abuso de poder, controlo de informação, secretismo, violência doméstica, escravização das mulheres... temas que surgem com a maior das naturalidades mas que nos fazem refletir. A civilização japonesa, com a sua identidade, as suas superstições, os seus símbolos, mas a entrada de influências estrangeiras, ocidentais, num mundo cada vez mais globalizado.

       Mais um leitura empolgante. Lê-se de fio a pavio. Boa leitura.

21.08.13

LEITURAS: Haruki Murakami, impiedoso País das Maravilhas...

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HARUKI MURAKAMI. O impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo. Casa das Letras. Alfragide 2013. 570 páginas.

       Murakami tem sido apontado como premiável ao Nobel da Literatura. É um dos mais criativos romancistas da atualidade. Pelo menos na minha maneira de ver e de ler. Os seus livros provocam a mente, imaginativos, inseridos na civilização do nosso tempo, com as raízes japoneses, origem do autor, com muitas referências à cultura ocidental, o autor vive nos EUA, com cruzamento de diversas influenças. Música. Jazz. Anos 70, 80, 90. Cinema. Filmes. Livros de grandes autores, por vezes com pequenas resenhas e comentários ao conteúdo ou ao autor. Cidades. Países. Japão. Tradição. Crenças. Ditados populares. Superstições. Símbolos culturais e religiosos. A noite. A mentalidade atual. Deteta-se a crítica à resignação, ao deixar-se levar pela onda, deixando-se vencer pelas circunstâncias. Em muitas histórias narradas por Murakami, aparecem personagens comuns, vulgares, banais, humanas, com qualidades e defeitos, por vezes indecisos, com dúvidas, hesitantes, por vezes deixando que o tempo decorra e corra como rio, sem grandes sobressaltos. O rio encontrará o caminho para seguir. Basta deixar-nos ir na corrente. Se queremos remar em sentido contrário por vezes não é possível, acabaremos por ser forçados a desistir e arrastados ainda com mais violência pela corrente.

       Obviamente, quem recomenda uma leitura é porque gosta, porque leu com agrado, porque parece ser um livro oportuno, trazer uma mensagem interessante. Diria que tudo isso é verdade. Mas ler Murakami é mergulhar em água fresca quando o calor aperta, é sentir a aragem no rosto num dia de verão. Lê-se com enorme vontade de avançar páginas, descobrir o que vem a seguir, a trama que se desenrola. Uma característica muito murakamiana é o entrelaçar de história, duas ou três principais, mas depois com muitas outras histórias, imagens, comparações, máximas, trocadilhos. A realidade e a transcendência, os sonhos, a sombra, os mitos, as grandes descobertas da humanidade, a imaginação criadora de factos e de realidades, realidades que se cruzam fora e dentro de nós, histórias que caminham paralelas e que se cruzam na mente, na imaginação e no sonho. Não se cruzam na realidade. Por vezes é perigoso que os acontecimentos do dia estejam no sonho, e que quando acordados se realizem, sem tirar nem por, o que se sonhou. Por vezes, é necessário que haja o encontro entre o sonho e a realidade, entre o mundo concreto e o virtual.

        Duas histórias caminham em paralelo. O impiedoso mundo das maravilhas. Um mundo moderníssimo, controlado, a rondar a ficção científica, o personagem vê-se numa missão da qual não pode fugir. Na sua cabeça foi implantado um chip, numa experiência científica, o cérebro quase como um computador avançado. Programado para fazer o que tem a fazer. Nada mais, nada menos. Outros não sobreviveram à operação de retirar o cérebro, implantar o chip e voltar a colocar o cérebro no lugar. Aparecem os Programadores, fazem parte do Sistema, do Governo. E existe a espionagem, o privado, os Simióticos, sempre a tentar roubar os conhecimentos, as técnicas. Se os Programadores são absorvidos pela Fábrica, tornam-se Simióticos. São entidades muito secretas, criam defesas virtuais cibernéticas. O narrador deste mundo é conduzido a um cientista famoso, já trabalhou no Sistema, e quando já não precisava, deixou de ser Programador. É capaz de suprimir o som. Tem a máquina para alterar o mundo. O narrador é a chave. E a chave para penetrar no cérebro é "Fim do mundo", afinal o título da outra história. Nesta, o narrador parece acabar por ficar com a rapariga da Biblioteca, poderá vir a ser, mas na história ele segue caminho, até um dia, quem sabe.

       O Fim do Mundo, é uma cidade muralhada. O narrador quando entra na cidade fica sem a sua sombra. Fica ao cuidado do Guardião. Também aqui cada um tem a sua missão. O Guardião, abre e fecha a porta. De manhã os animais, os unicórnios entram na cidade. No fim do dia saem para dormir fora das muralhas. No inverno, o Guardião tem também a missão de queimar os animais que morrem durante a noite. O alimento só pode ser encontrado dentro das muralhas. Existe também o bosque mas é muito perigoso. O narrador é o leitor de velhos sonhos, presos nos crânios dos unicórnios. Também no País das Maravilhas, o narrador recebe o crânio de um unicórnio de onde brota uma luz. O leitor dos sonhos é picado nos olhos, traz sempre óculos de sol, e só deve sair à noite. A Biblioteca é o seu lugar de trabalho. A ajudante prepara tudo. Ela perdeu a mãe. Ficou com o coração mas sem a sombra. Com o coração teve que ir para o bosque. O leitor dos velhos sonhos, vai visitar a sua sombra, ao cuidado do Guardião. A muralha observa tudo. É inviolável. Também aqui o narrador quer ficar com a rapariga da Biblioteca. Das duas uma, recupera a sombra e foge. A sombra prepara a única saída possível, pelo grande lago. Como o inverno chegou, a sombra quase morreu e o Leitor dos sonhos têm que a levar às costas. Se fugir, ficará sem a rapariga da Biblioteca, e terá de volta a sombra. Como ainda tem coração e a sombra se foi embora sem ele, então tem que abandonar a cidade e ir viver para o bosque. Na cidade só ficam as pessoas cuja sombra já morreu e que ficaram sem coração... Vai-se a ver e a cidade é uma criação na mente do narrador, o leitor dos velhos sonhos...

         A BIBLIOTECA desempenha uma missão importante. Num outro livro que recomendaremos, Kafka à beira-mar, a Biblioteca é parte essencial onde decorre a história. A Biblioteca guarda recordações, a História e muitas histórias. E a história é fundamental para que as pessoas e as nações sobrevivam à morte. É um lugar onde se busca informação e conhecimento. Neste livro aparece a Biblioteca nas duas histórias. No impiedoso mundo das maravilhas, o narrador vai recolher informações e trava conhecimento com uma jovem quem quem poderá vir a ficar. No fim do mundo, na Biblioteca estão guardadas as recordações das pessoas, cuja sombra morreu e que ficaram sem coração, sem recordações. Na Biblioteca está a mulher que poderá ficar com o narrador, o Leitor dos velhos sonhos, para isso ele terá que recolher as recordações que formam o coração da sua ajudante... Em Kafka à beira-mar é na biblioteca lá que Kafka Kamura encontra a Mãe e onde estão muitas recordações. No regresso ao novo mundo ele levará da Biblioteca o quadro e a canção Kafka á beira-mar, preservando a memória, as recordações, da mãe. A Biblioteca poderá ser um dos lugares onde volta no futuro. A Biblioteca confunde-se com a vida...

        Outro tema é bosque e o poder que o envolve, a superstição. Em Kafa à beira-mar, a floresta, o bosque, é perigoso, quem se adentra nele pode perder-se para sempre, pode não achar o caminho de volta, passa a fazer parte do bosque. Em fim do mundo as pessoas do bosque simplesmente não podem regressar à cidade, pois têm coração e têm recordações, ainda que não tenham a sua sombra...

     Mais uma história de génio. Cada personagem que intervém é descrita de forma completa, serena, não há lugar para heróis, todos têm virtudes, e defeitos, coisas que fizeram e outras que deixaram acontecer, têm vontade, mas por vezes desistem dos sonhos que tinham, deixam a sombra mas não o coração. Curioso também o facto das pessoas se deixarem levar pela corrente. Na cidade todos puxam para o mesmo, tentando que o leitor de velhos sonhos desista da sombra, deixando-a morrer, e para ficar sem coração... e ele acabrá por desistir de seguir para o mundo real com a sua sombra, mas não desiste do seu coração: fica a ajudante...

       A narração de factos, de estórias, de personagens, é tão fluente e natural que parece que estamos inseridos num diálogo corriqueiro. Extraordinário...

20.08.13

LEITURAS: Nuno Camarneiro - Debaixo de Algum Céu

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NUNO CAMARNEIRO. Debaixo de Algum Céu. Leya. Alfragide 2013, 200 páginas.

       Prémio Leya 2012, esta é a história de personagens que bem poderiam ser reais. Pelo menos, os traços poderão ser encontrados em diversas histórias de vida. Sete dias. Um prédio. Apartamentos que encerram segredos, fome de vida e de felicidade. Sonhos conquistados e sonhos perdidos, à procuram de realizar projetos, e o desencanto de quem perdeu a oportunidade. Sete dias. Uma Semana, do Natal ao novo Ano. Entre suspiros de esperança e de resignação. Estórias que se cruzam e se encontram. Acasos ou o pulsar da vida, da história e do tempo. Coincidências. também assim se faz a vida. Decisões. As nossas e as dos outros. As que impomos e as que nos impõem. Atores da nossa história, mas também vítimas das circunstâncias que irrompem por nós adentro, sem darmos por isso, sem tempo para reagirmos. O que predomina as nossas escolhas, ou o que se nos impõe? E como resgatar a nossa vida. A fé, a dúvida, a vida e a morte, o branco e o preto, mas também o cinzento e o azul, o vermelho e o laranja e muitas cores matizadas. Assim a nossa vida.

       Uma idosa sozinha que ainda sonha pelo seu marinheiro que afinal fugiu com outra. Um homem só, idoso, que guarda o prédio, é porteiro, contador de histórias, e sabe muitas, conhece cada inquilino, quem passa e quem fica, guardando memórias, tornando-se confidente de uns e outros. Uma jovem mulher. Viúva. Desesperada da vida. Acolhe o sacerdote, como amigo e mais do que isso. Mas nem este a regaste. Para ela os dias estão contados, o ano novo é para esquecer. Um sacerdote, que quis viver no meio de pessoas, deixando o conforto de uma família abastada. Com fé e com dúvidas. Tão pronto para deixar, como para prosseguir. Acabará por juntar uma ovelha abandona e descobrir que Deus fala e fala bem por quem foi considerado louco, e até demónio. Um jovem que trabalha em casa e cria personagens para um programa de computador, para gerir relacionamentos virtuais. Vai as livros e copia a caracterização das suas criações/cópias, e acabará por ser descoberto e ser despedido. Abandona o seu apartamento e corre para um amor de tempos anteriores, da universidade, para não ficar só. Dois casais, tão iguais e tão diferentes. Parecem viver bem, mas logo sobrevém o cansaço e a separação. Outros cuja rotina cansou mas que pequenos incidentes levam a valorizar e a fortalecer os laços familiares e a renovar o amor e o sentimento.

       É um livro fácil de ler, agradável. Sete dias em que a vida pode dar um salto. Sete dias em que se pode decidir a felicidade, alterar o curso da história, positiva e negativamente. Como sempre, pode ser um incentivo a sermos autores da nossa história, apesar das circunstâncias. Também debaixo deste Céu estamos a viver, a caminhar, a descobrir, a encontrar-nos, a perder-nos...

       Aproveite, poderá ser um dos seus livros de férias. Ainda que tenha pouco tempo, não deixe de ler. Enriqueça a sua mente, e dê mais densidade à sua vida.

19.08.13

LEITURAS: Mo Yan - Peito Grande, Ancas Largas

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MO YAN. Peito Grande, Ancas Largas. Edição Babel. Lisboa 2012, 604 páginas.

       Com um pouco de tempo, uma dose relativa de perseverança, este é uma excelente título para ler em férias, num ambiente sem horas marcadas, deixando-se envolver pelo desenrolar da história.

       Guan Moye, natural da China, de um meio rural, escolheu como pseudónimo Mo Yan que significa "Não fales mais", foi Prémio Nobel da Literatura, no ano de 2012 (11 de outubro), portanto, o mais recente. Disse então a Academia Sueca que o autor "funde os contos tradicionais, a história e a contemporaneidade com um realismo alucinatório".

       Esta sua obra retrata, mais direta ou indiretamente, a China com as suas matizes culturais, políticas, religiosas, sociais. O regime de Pequim tem vindo a censurar algumas dessas obras, publicando apenas as que ganham projeção internacional. A atribuição do Prémio Nobel leva em conta não apenas a qualidade e originalidade da escrita e das histórias ou reflexões, mas também o contributo para a evolução dos povos. Em alguns casos é a forma de promover autores que vivem mais ou menos em estado de perseguição, ou sob censura. Com o Prémio, ganha relevo mundial o autor e os seus escritos. Diga-se, a este propósito, que este livro que ora recomendamos, quando foi conhecido o Prémio Nobel custava € 10,00 e podia ser encomendado por metade do preço, ou a preço de chuva, a € 5,00. Nas encomendas pela Internet não foi possível adquirir porque logo ficou indisponível. Dias seguintes, o preço do livro ultrapassou os € 20,00 (€ 22,00 a € 25,00). Com uma saída muito maior.

       O livro em si, segundo os editores, é um resumo de outro resumo publicado pelo autor, primeiro em fascículos de revista. Conforme referiu o autor, em tamanho é um bloco/tijolo. O mesmo refere que se tivesse que aconselhar a leitura de um dos seus livros, seria este. "Se quiserem, podem ignorar todos os meus outros livros, mas é obrigatório que leiam Peito grande, Ancas Largas. É um romance sobre a história, a guerra, a política, a fome, a religião, o amor..."

       A história insere-se na grande China imperial e feudalista, tendencialmente machista, que se destrutura com a segunda Guerra Mundial, deixando-se depois absorver pelo comunismo, que nem por isso traz melhorarias significativas para as pessoas, as famílias ou a própria nação.

       O livro contém praticamente todo o século XX, assistindo a diversos regimes, todos eles com acentuações destrutivas e escravizantes. O sistema imperial é também feudal. Há senhores que são donos de grandes mansões, grandes quintas, com muita riqueza, com muitas pessoas a prestarem vassalagem pelas necessidades básicas e essenciais à sobrevivência. A 2ª Guerra Mundial, com a invasão dos japoneses traz novos senhores, novas guerras, novas disputas, de um e outro lado da barricada, famílias vão-se colocando num ou noutro lado da balança. Conforme o pêndulo, assim as pessoas, assim os que mandam, assim os que são espezinhados, julgados, mortos. Depois da guerra e da retirada dos japoneses, outros grupos se impõem, a salvação nacional, os direitistas, esmagados pelo regime comunista. Em todas as famílias há elementos de uma fação ou de outra. Os mais pobres acabam por ser os mesmos. E tanto se está na mó de alto como na mó debaixo. Como diz uma das personagens, com grande realismo, ou quem sabe com muito pessimismo, desencanto, desilusão, do já visto, é necessário estar atento e acompanhar o vento, para se colocar do lado certo.

       Passam esses momentos de conflito, mas as quezílias entre famílias repetem-se, as perseguições continuam, o silenciamento faz-se discricionariamente, a justiça popular, a instrumentalização do poder a favor de uns poucos beneficiados.

        A história de uma família, com um crescendo de conflitos, disputas, separações, entrelaça-se com a história da nação. O machismo por demais evidente, em que se deseja e impõe o filho varão. O Peito Grande e as Ancas Largas é de família. Todas as mulheres seguem com esta característica, que tem o seu quê de simbólico, alguém, diríamos nós, que alimenta muitos filhos, com as costas largas para aceitar o bem e o mal, os sacrifícios, o sofrimento, por vezes quase em silêncio, para levar com uns e outros, porrada, violência de palavras e de gestos. O rapaz (personagem central, o narrador) é o 8.º filho. A Mãe, com peito grande e ancas largas, teve que se deitar com vários homens, já que o seu não lhe dava descendência, com o risco de ser entregue à proveniência, pois a culpada é sempre a mulher, lá arranja forma de procriar. Uma e outra filha, uma desgraça nunca vem só. Depois de muitos insultos e desgaste lá vem um filho e com ele uma irmã gémea, cega de nascença. A sogra é um traste, e a mãe tornar-se-á outro traste. A vida, a fome, a guerra, as divisões dentro da família, a miséria, o frio, moldaram um coração de pedra.

       As filhas vão casando, com líderes de diversas fações e por momentos a família vão gozando ora dos favores de um dos lados, ora do outro, conforme a mudança de vento. O filhos é que dão o nome e continuam a linhagem. Porém, o romance é uma crítica muito clara a esta sociedade tendencialmente machista. As mulheres é que mandam. O Peito grande e as ancas largas é que governam a casa, a cidade, a sociedade...

       É um belíssimo texto que traz até nós a ambiência chinesa, com diversos momentos que não eliminam a fome, a pobreza extrema, o machismo, a violência, a justiça popular, com elementos supersticiosos, próprios daquela civilização, mas também a influência ocidental, europeia e cristã.

       Dentro da trama, muitas pequenas estórias...

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