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Escolhas & Percursos

...espaço de discussão, de formação, de cultura, de curiosidades, de interacção. Poderemos estar mais próximos. Deus seja a nossa Esperança e a nossa Alegria...

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26.10.24

Vai: a tua fé te salvou

mpgpadre

1 – Há um homem à beira do caminho que não vê! Somos homens e mulheres que muitas vezes cerramos os olhos para não ver. Há um homem na estrada de Jericó que quer muito ver! Nas estradas do nosso tempo há um mar de gente à beira do caminho, à espera de uma mão, de um olhar, de alguém que passe e vá devagar! Naquela estrada e naquele tempo, há um homem a clamar, a chamar por Jesus que vai a passar. E ainda hoje, há tanta gente cansada de gritar, de procurar, de esperar; tanta gente sem vez nem voz, sem ver além do imediato, a tentar sobreviver.

Aquele homem tem nome, Bartimeu, filho de Timeu, e pede esmola a quem passa. Existem hoje muitas pessoas a pedir esmola, anónimos, que contam apenas para a estatística. Já não têm nome, são um número. Mas aquele homem tem nome, os homens e as mulheres que estão à beira do caminho, fora da estrada, excluídos da cidade, nas periferias da vida, também têm rosto, também têm nome. Têm de contar como pessoas, e não apenas para a percentagem.

É por Jesus que Bartimeu clama, gritando cada vez mais: «Filho de David, tem piedade de mim».

Há discípulos e há uma grande multidão. E há Jesus. E tu e eu! E Bartimeu! Ele chama por Jesus. Alguns incomodam-se com aquela voz, com aquela gritaria e repreendem-no, querem que se cale. Também hoje há quem silencie o pobre, o pedinte, o justo e se afaste para não ouvir, desviando o olhar para não ver. Eu, tu e Bartimeu, e Jesus!

Jesus pára, ouve e compromete-nos: chamai-o. A vista, a voz e o andar para que servem se não forem para ver os outros, para ouvir os seus clamores, para nos encaminharem ao seu encontro? Então ponhamo-nos em movimento e encaminhemos outros para Jesus: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te». E já sabemos como fazer: pela voz e pela vida, com palavras e com obras.

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2 – Aquele homem, Bartimeu, posso ser eu, podes ser tu! Umas vezes cegos, outras vezes com vontade de ver. Mais cegos são os que não querem ver e ativamente se recusam a olhar para os outros, a ouvir os seus apelos e a confrontar-se com as suas dificuldades. Senhor, "quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?" A resposta clarifica a nossa falta de visão: «sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer».

Bartimeu ouviu dizer que Jesus passava por ali e decide-se. Senhor, tem piedade de Mim. Está disposto a ver Jesus, quer ver Jesus, quer ver como Jesus. Esta vontade firme é meio caminho andado para Jesus. Com efeito, o cego, diz-nos o evangelista, atirou fora a capa e tudo o que lhe pesava do passado, deu um salto, libertando-se de qualquer amarra, antes que pudesse voltar atrás, e foi ter com Jesus. A resposta de Jesus é muito curiosa: «Vai: a tua fé te salvou». Poderíamos esperar que Jesus lhe dissesse: Vê. Mas Jesus diz-lhe "Vai". O caminho faz-se caminhando. Parados não vemos nada. Ensimesmados, o nosso olhar adoece e morre.

O encontro com Jesus devolve-nos a vista, dá-nos um olhar novo. Depois cabe-nos segui-l'O. Bartimeu recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho. Além da cura física, importa a cura que nos devolve a humanidade e nos conduz a Jesus, nos envolve na fraternidade, tornando-nos ágeis para servir e amar, sem pausas nem reservas.

 

3 – Como cristãos, discípulos missionários de Jesus, temos a missão transportar a alegria da Boa Nova: Deus ama-nos como Pai e mais como Mãe, e, de tanto nos amar, nos deu o Seu Filho único, que faz da Sua vida uma constante de entrega, gastando-Se para nos redimir, para nos inserir na vida divina, para nos garantir, de uma vez para sempre, uma morada junto do Pai.

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Textos para a Eucaristia (ano B): Jer 31, 7-9; Sl 125 (126); Hebr 5, 1-6; Mc 10, 46-52.

 

REFLEXÃO DOMINICAL COMPLETA na página da Paróquia de Tabuaço

10.08.24

O pão que Eu hei de dar é a minha carne...

mpgpadre

       1 – "Só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo: Quem acredita tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram. Mas este pão é o que desce do Céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo".

       Jesus apresenta-Se como o verdadeiro Pão, que alimenta, perdoa, purifica, e nos dá uma vida nova. Ele responde às necessidades básicas, propondo a partilha solidária como milagre para que todos tenham acesso aos bens da criação e da criatividade humana. Responde também aos anseios que plasmam o coração humano. Pão e esperança. E razões para viver. Terra e Céu. Compromisso e abertura ao Infinito. Dá o pão e motivos para crer no futuro e para se comprometer no presente com as pessoas que estão ao nosso lado. Ensina muitas coisas. A mente – o coração – é um largo campo de sementeira que pode levar-nos à perdição, à indiferença e cinismo, ou à salvação. Jesus lança a semente. Promove. Desafia. Convoca para um novo tempo, vida nova, reino que se estende desde agora até à eternidade, daqui até ao Céu.

       Se muitas são as razões daqueles que procuram Jesus – uns pelo pão, outros pelos milagres, outros pela descoberta das Suas palavras de vida eterna – a compreensão da Sua mensagem também provoca divisões. E que divisões! Muitos ficam escandalizados com a afirmação – Eu Sou o Pão da Vida, o Céu chegou a vós –, pressupondo-se a Sua identificação divina (EU SOU), e a possibilidade de SER comestível. Quem não se escandalizaria?

       2 – "O pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo".

       O pão é mais que o pão. Muito mais. É partilha, é vida, é comunidade. Em cada pão o trabalho de muitas pessoas, e muitos grãos. O pão é símbolo de todo o alimento. Pão é também carne e peixe e legumes e o sustento da família. Jesus refere que é Pão, e o Pão é a Sua carne. O pão tem a cor do trabalho, do suor, do sacrifício, e tem a cor da alegria, do convívio e da festa. Pão é mais que pão, é companhia (cum panis), faz de nós companheiros, comendo do mesmo pão, partilhando a vida.

       E que não falte pão nas nossas mesas. Quando falta o pão falta também a alegria, a serenidade, falham os argumentos para a felicidade a construir. Ainda hoje, seguindo uma tradição milenar, há casas em que se coloca sempre pão na mesa, símbolo da fartura que se quer proporcionar aos convivas, ou aos de casa.

       Na multiplicação do pão – o milagre da partilha solidária – Jesus antecipa (e prepara) o Pão da Vida, a Eucaristia, que ficará como memorial. Na última Ceia, Jesus antecipa a entrega suprema do amor que vai até ao fim, até à CRUZ. É na Cruz que Ele nos entrega para sempre o Seu corpo. Na Última Ceia, porém, Ele ordena que nos reunamos à volta do Seu Corpo e O comamos, comungando da Sua vida, da Sua entrega, do Seu Evangelho de salvação.

       No alto da Cruz, Jesus entrega-Se até à última gota de sangue. A vida não se extinguirá com a morte. É, antes, um momento crucial de oblação a Deus e à humanidade, pela humanidade. Logo, do sepulcro irradiará em luminosa claridade a Ressurreição. Deus Pai sanciona Jesus e o projeto de amor para a humanidade.

       Desde então, os discípulos reúnem-se no primeiro dia da Semana, dia da Páscoa de Jesus, e fazem o que Ele fez na Última Ceia, atualizam as palavras e os gestos, para que, pelo Espírito Santo, Jesus nos seja dado como Pão que nos alimentará até à vida eterna.

 

       3 – “O pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo”.

       Não é fácil entender as palavras de Jesus. Não são meramente simbólicas. É a Sua vida que Ele dará pela humanidade inteira. A discussão adensa-se, como veremos nos domingos seguintes, com os judeus a discutir e com os discípulos a distanciarem-se claramente do Mestre. Quando a discussão se inicia parece uma brisa que passa sem deixar marcas. Quase se aceitava que Jesus não aprofundasse muito a questão, diplomatizando com os circunstantes, mas não o faz, não foge às questões como não fugirá da perseguição e da morte, por mais que doa.

       Quando se dá a multiplicação dos pães, Jesus aponta para um pão mais duradouro, alimento que sacia a VIDA nova que Ele nos dará em abundância. Aliás, toda a Sagrada Escritura nos prepara para a plenitude do Tempo, a vinda do Messias, o Pão vivo, o Bom Pastor, Deus entre nós.

       Elias, o profeta do fogo, é alimentado por Deus para a longa jornada que tem pela frente, experimentando um pão que dura o tempo necessário para a travessia, até ao monte Horeb, monte da revelação, monte das origens, onde Ele recobrará ânimo, onde Deus Se manifesta.

"Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro. Depois sentou-se debaixo de um junípero e, desejando a morte, exclamou: «Já basta, Senhor. Tirai-me a vida, porque não sou melhor que meus pais». Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero. Nisto, um Anjo tocou-lhe e disse: «Levanta-te e come». Ele olhou e viu à sua cabeceira um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água. Comeu e bebeu e tornou a deitar-se. O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse: «Levanta-te e come, porque ainda tens um longo caminho a percorrer». Elias levantou-se, comeu e bebeu. Depois, fortalecido com aquele alimento, caminhou durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, Horeb".

       Não apenas o pão, mas a presença de Deus que o conforta com o alimento e com as palavras do Anjo. Deus cuida dos Seus filhos, cuida de Elias, cuida de nós. "O Anjo do Senhor protege os que O temem e defende-os dos perigos. Saboreai e vede como o Senhor é bom: feliz o homem que n’Ele se refugia" (Salmo).

 

       4 – Se todos fomos remidos pela vida, pelo CORPO de Cristo, pela Sua morte redentora, para com Ele ressuscitarmos, então agora comemos do mesmo Corpo, do mesmo Pão que vem do Céu. O corpo de Cristo, descido da Cruz, é-nos entregue, é-nos confiado através de Maria, Sua Mãe, para que O preservemos intacto.

       Ao olharmos para o CORPO místico de Cristo que é a Igreja, certamente que encontramos um corpo dilacerado pela discórdia, pela divisão, pelos conflitos que a história e as culturas acentuaram. No entanto, seguindo os desejos do próprio Jesus Cristo, na oração Sacerdotal (Jo 17) – que todos sejam UM – não devemos cessar de procurar viver unidos, num só coração e numa só alma, em Cristo e com todos os cristãos, para testemunhar a vida nova que d’Ele recebemos.

       O Apóstolo São Paulo, de diversas maneiras, nos dá indicações claras para sintonizarmos (em HD – alta definição) Jesus Cristo e os seus ensinamentos:

"Seja eliminado do meio de vós tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a espécie de maldade. Sede bondosos e compassivos uns para com os outros e perdoai-vos mutuamente, como Deus também vos perdoou em Cristo. Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados. Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo, que nos amou e Se entregou por nós, oferecendo-Se como vítima agradável a Deus".


Textos para a Eucaristia (ano B): 1 Reis 19, 4-8; Salmo 33 (34); Ef 4, 30 – 5, 2; Jo 6, 41-51.

18.05.24

Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós...

mpgpadre

      1 – A Páscoa é o mistério maior da fé cristã. A morte, em definitivo, não tem a última palavra. A última palavra é de Deus: da Vida e do Amor. A Ressurreição é o Amor mais forte que a morte. A morte faz parte da humanidade, mortal e finita. Com a Sua Ressurreição, Jesus coloca a nossa natureza junto de Deus, de onde nos atrai. Como em tantas situações da vida, mais dramático que os problemas e dificuldades, é a solidão e a falta de justificação da vida. Jesus dá-nos, com a Sua vida, morte e ressurreição, uma justificação e faz-nos companhia: a morte não é o fim, é passagem a uma vida nova, não ficamos sós, Ele conduz-nos ao coração de Deus, no qual nos descobrimos irmãos. 

       Ressurreição/Ascensão/Pentecostes são faces da mesma moeda. É o mesmo acontecimento pascal. Passagem. Vida nova. Vida no Espírito Santo. Missão. Ele connosco, pelo Espírito, em comunidade, mas doravante somos nós os portadores da Boa Notícia. Ele vem salvar-nos. Morre. Ressuscita. Ascende para Deus. Envia-nos o Seu Espírito, que por sua vez, nos dá (de novo) Jesus Cristo na Palavra proclamada e acolhida, nos Sacramentos e em todas as boas obras.

       A primavera desemboca no verão. A flor dará lugar ao fruto. Se o trigo não morrer não germinará vida nova. Se a flor permanecer sempre em flor, não descobrirá a beleza do fruto que está para chegar.

"Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes serão retidos»".

       O Evangelista São João relata com clareza o acontecimento Páscoa: Jesus aparece no meio deles, não à parte, fora, ou de lado, mas no meio. Ele vem para o meio de nós. Mostra-lhes os sinais da paixão. O corpo glorioso de Jesus não anula as marcas do amor, presentes na crucifixão e na morte. A mensagem é a mesma: a paz. Os sorumbáticos apóstolos enternecem-se ao ver o Senhor e ficam cheios de alegria. Jesus sopra sobre eles, dá-lhes o Espírito Santo e envia-os, como o Pai O enviou.

       A linguagem do amor e do bem não tem fronteiras/barreiras, é facilmente percetível e universal. Todos nos entendemos facilmente nas palavras e nos gestos de carinho e de perdão, de amor e de partilha solidária.

 

       2 – São Lucas, evangelista, e autor do Livro dos Atos dos Apóstolos, apresenta-nos uma narração mais detalhada, com a preocupação de visualizar à comunidade cristã a grandeza do mistério vivido por Jesus Cristo, Deus feito homem. E, por outro lado, parte da constatação de que precisamos de tempo para amadurecer, para acolher, para compreender em toda a sua amplitude a grandeza do amor de Deus.

       Numa linguagem bíblica, usa os números para nos ajudar a compreender os passos de Jesus. Como víamos no Domingo passado, acerca da Ascensão, depois da ressurreição, Jesus permanece 40 dias com os Seus, elevando-se então ao Céu. Por outras palavras, Jesus prepara os discípulos e permanece o tempo necessário para eles crescerem e para os enviar em missão. Hoje, o relato do Pentecostes, na versão lucana, situa-nos 50 dias depois da Páscoa, chegou a plenitude da manifestação pascal. Os discípulos estão preparados para se tornarem apóstolos.

       Prestemos atenção às palavras da Escritura:

"Subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem. Residiam em Jerusalém judeus piedosos, procedentes de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e ficou muito admirada, pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e maravilhados, diziam: «Não são todos galileus os que estão a falar? Então, como é que os ouve cada um de nós falar [proclamar as maravilhas de Deus] na sua própria língua…?»".

 

       3 – O Espírito Santo que Deus nos dá há de inundar de alegria, de paz e de amor, toda a nossa vida; como rajada de vento que tudo "arrasta" assim o Espírito de Deus nos "arrasta" para uma vida transformada, nova, comprometida. Como em outras ocasiões acentuámos, a dádiva do Espírito Santo assume uma dinâmica instrumental: converte-nos e leva-nos aos outros, insere-nos no mundo, mais e mais, na transformação das realidades que nos envolvem ou chegam até nós. Quem faz a experiência de encontro com Jesus ressuscitado, pela força do Espírito Santo, como escutámos no Evangelho, transborda de alegria. E quem transborda de alegria quer comunicar o sucedido a todo o mundo.

       O Espírito Santo liberta-nos das amarras do medo, das portas e das janelas fechadas, do egoísmo que nos destrói, do pessimismo que inquina o nosso quotidiano, da desconfiança que nos agita e nos distancia dos outros, da arrogância que nos isola. Não nos livra das dificuldades, mas fortalece-nos e acompanha-nos para ressuscitarmos em cada momento de morte e de desalento, de incerteza e fracasso, de insegurança e de perda.

       O Apóstolo São Paulo fala do Espírito como oportunidade para o bem comum, para fundar ou refazer laços fraternos e duradouros. Cada pessoa é querida por Deus e dotada de qualidades que postas ao serviço dos outros mais se desenvolvem.

       Mas fixemo-nos nas palavras de São Paulo.

"Ninguém pode dizer: «Jesus é o Senhor», a não ser pela ação do Espírito Santo. De facto, há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito".

       Belíssima a comparação! Como Igreja, comunidade dos seguidores de Cristo Jesus, somos como corpo e tal como o corpo é uma unidade/organismo com diversos membros, cada um de nós, com a sua vida, é membro do Corpo místico de Cristo, que é a Cabeça. 


Textos para a Eucaristia (ano B): Atos 2,1-11; 1 Cor 12,3b-7.12-13; Jo 17, 20-26.

11.05.24

Elevou-Se à vista deles e uma nuvem escondeu-O a seus olhos

mpgpadre

       1 – "Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, como teria dito Eu que vos vou preparar um lugar? E quando Eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei de levar-vos para junto de mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também" (Jo 14, 1-3).

       O amor tende a permanecer, como refletíamos no domingo passado. Quem ama quer estar com a pessoa amada até ao fim da vida. Mais, quereria permanecer com ela até ao fim dos tempos. O amor de Deus para connosco, dá-nos um ROSTO, uma pessoa de carne e osso, Jesus Cristo. Espelhando o amor de Deus Pai logo Jesus Se predispõe a fazer tudo para nos inserir no projeto de amor divino, até a dar a vida por nós. Antes de partir, contudo, Jesus assegura o Seu permanecer até ao fim. Na Última Ceia deixa-nos o memorial da Sua morte e ressurreição, e depois da Ressurreição dá-nos o Espírito Santo, para que o Espírito O torne presente até à vida eterna. É a garantia das Suas palavras.

       A desilusão dá lugar à alegria e à esperança. Jesus apresenta-Se vivo no meio dos seus discípulos, cumprindo a promessa. Diz-nos São Lucas, nos Atos dos Apóstolos:

"Foi também a eles que, depois da sua paixão, Se apresentou vivo com muitas provas, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando-lhes do reino de Deus... recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra». Dito isto, elevou-Se à vista deles e uma nuvem escondeu-O a seus olhos".

       Jesus recorda-lhes as palavras que lhes havia dito anteriormente sobre o reino de Deus e sobre a missão que lhes caberá em sorte. Não promete ausência de dificuldades, mas a Sua permanência, podem, podemos, contar com Ele, não nos deixa órfãos, dá-nos com abundância o Seu Espírito de amor. Liga-nos, não por telemóvel ou pela internet, mas pela Palavra e pelos Sacramentos que nos deixa e pelas pessoas que coloca na nossa vida.

       2 – Em forma de bênção, e de súplica, o apóstolo São Paulo, na segunda leitura que escutamos, pede ao Pai que nos dê o Espírito para reconhecermos Jesus e O acolhermos na nossa vida quotidiana.

       Atentemos às palavras do apóstolo:

"O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda um espírito de sabedoria e de revelação para O conhecerdes plenamente e ilumine os olhos do vosso coração, para compreenderdes a esperança a que fostes chamados, os tesouros de glória da sua herança entre os santos e a incomensurável grandeza do seu poder para nós os crentes. Assim o mostra a eficácia da poderosa força que exerceu em Cristo, que Ele ressuscitou dos mortos e colocou à sua direita nos Céus, acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania, acima de todo o nome que é pronunciado, não só neste mundo, mas também no mundo que há de vir. Tudo submeteu aos seus pés e pô-l’O acima de todas as coisas como Cabeça de toda a Igreja, que é o seu Corpo, a plenitude d’Aquele que preenche tudo em todos".

       Só no Espírito Santo poderemos abranger a grandeza do mistério que Deus nos revelou por Jesus Cristo, a beleza da nossa filiação divina, da nossa fraternidade cristã, da nossa atração para a eternidade onde se encontra a nossa natureza humana, na humana natureza de Jesus Cristo. Com a Sua ressurreição/ascensão aos Céus, Jesus elevou-nos conSigo. Somos Igreja, Corpo de Cristo. Ele a cabeça, nós os membros; Ele o Bom pastor, nós o rebanho; Ele a verdadeira vide, nós os ramos.

 

       3 – O Espírito de Deus é-nos dado para nos transfigurar, para nos tornar verdadeiramente filhos de Deus, irmãos em Jesus Cristo. Mas existe nesta dádiva também uma dimensão instrumental, rejeitando toda e qualquer forma de egoísmo e vanglória.

       O Espírito Santo e os dons que com Ele recebemos, movem-nos para o bem, para a verdade, e para a caridade. Não são para auto regozijo, mas para que em nós e por nós brilhe o esplendor da misericórdia divina. Destarte, recusam-se as falsas contemplações de Deus, como se pode constatar na primeira leitura e no Evangelho deste domingo.

       Ao narrar a Ascensão de Jesus, o autor dos Atos dos Apóstolos vinca com insistência a necessidade, melhor, a urgência de ir ao encontro de Jesus no mundo real e concreto das pessoas. 

       Alguns dos seus contemporâneos esperavam a manifestação gloriosa de Jesus, descomprometendo-se com o mundo e com os outros. A narração da Ascensão mostra como Jesus Se esconde por detrás das nuvens, para que a tentação de pasmar diante do Céu se ultrapasse pela missão.

"E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava, apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco, que disseram: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu»".

       Com a mesma clareza, o Evangelho de São Marcos revela-nos que a ascensão de Jesus dá lugar, sem tempos de espera, à missão dos apóstolos:

"Jesus apareceu aos Onze e disse-lhes: «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado...» E assim o Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus. Eles partiram a pregar por toda a parte e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam".

       Hoje, aqui e agora, os apóstolos somos nós. Não nos fixemos nas nuvens, mas em Deus a Quem podemos encontrar nas pessoas que fazem parte da nossa família e da nossa comunidade, e da sociedade do nosso mundo.


Textos para a Eucaristia (ano B): Atos 1, 1-11; Ef 1, 17-23; Mc 16, 15-20.

16.03.24

Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só...

mpgpadre

       1 – Cada vez mais perto, mais perto ainda, e logo depois a luz incandescer-nos-á, enchendo a nossa vida de luz, de paz, de vida nova, de presença de Deus, com o fulgor e o dinamismo da Páscoa, que nos atrairá para além da CRUZ, que tornará mais belo, mais profundo e mais generoso o nosso olhar e a nossa esperança. Os nossos olhos serão transformados pela magia do amor que Deus nos dá, para fazermos a experiência de encontro com o Ressuscitado.

       Em Jerusalém, Jesus passeia-se às claras por entre os homens e as mulheres, em festa. Vai onde germina a vida, ao encontro dos outros. Deus vem onde nos pode encontrar, a nossa casa, à nossa vida, às nossas praças e ruas. Em sentido inverso, muitos são os que se sentem também atraídos por Ele e O procuram, querem vê-l’O, ora por curiosidade ora tocados pela fé. Talvez neles arda o Espírito de Deus.

       As palavras de Jesus não podem ser mais explícitas:

       «Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém Me servir, meu Pai o honrará. Agora a minha alma está perturbada. E que hei de dizer? Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome».

       O Filho do Homem vai ser glorificado pelo sofrimento, pela cruz, melhor, vai ser glorificado pela entrega, pelo amor sem fim, pela dádiva da Sua vida, do seu Corpo, morrerá por amor. Se se pode morrer por amor, eis ALGUÉM que o faz. Sem apelo nem agravo. É hora do tormento e dor, de tristeza e angústia. É hora de confiança e de realizar-se a vontade do Pai, a vontade do Amor. É o grão de trigo que cai à terra, morre, para logo germinar na abundância de saborosos frutos.

 

       2 – Não é uma hora fácil, a de Jesus Cristo, ao contemplar o quão perto se encontra do fim biológico. "Agora a minha alma está perturbada" (Evangelho). Resolutamente sabe que não veio para fazer o caminho mais curto, mais fácil, mas para vivenciar connosco todas as experiências, também a da dor, do sofrimento, da solidão, do abandono e da morte. Também aqui Jesus, Deus feito Homem, nos assume por inteiro. Não fica à distância a contemplar a nossa morte. Vem morrer connosco. E por nós.

       Ele aprende como é amarga a passagem deste mundo para a eternidade. Angustiante. Há de transpirar gotas de sangue, tal a ansiedade e o medo. Mas não desfalece. Coloca-Se em Deus Pai. Cola-Se n'Aquele que O enviou. E que O livrará da morte eterna.

       "Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento e, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem causa de salvação eterna" (2.ª Leitura).

 

       3 – O desiderato da Sua vida e missão é a salvação da humanidade. Toda. De todos os lugares e em todos os tempos. Vem para cumprir as promessas de Deus feitas ao Seu povo, e por Israel a todos os povos da terra.

       O momento presente, de sofrimento, de blasfémias, de prisão e da morte que se aproxima, não é, de todo, comparável à beleza do amor de Deus. Jesus resiste nessa intimidade com Deus. Sabe que se aproxima a hora da morte, mas também sabe que o amor que vai até ao fim selará a nova aliança da Redenção.

       Ele inscrever-nos-á para sempre no coração de Deus e em nós inscreverá a lei do amor.

       Como nos revela através de Jeremias:

       "Dias virão, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova... Hei de imprimir a minha lei no íntimo da sua alma e gravá-la-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Não terão já de se instruir uns aos outros, nem de dizer cada um a seu irmão: «Aprendei a conhecer o Senhor». Todos eles Me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno, diz o Senhor. Porque vou perdoar os seus pecados e não mais recordarei as suas faltas".

       O início da nova Aliança dá-Se na oferenda de Jesus, da Sua vida, do Seu Corpo por inteiro. Pelo Seu sacrifício o perdão do nosso pecado. Acolhamos n'Ele a vida nova, novos céus e nova terra. É também pela Cruz que ficamos a conhecer a Lei de Deus, o rosto do Amor. 

 

       4 – A liturgia deste quinto domingo da Quaresma deve levar-nos ao mesmo desejo dos judeus gregos que vieram a Jerusalém, conforme se diz no Evangelho: "alguns gregos que tinham vindo a Jerusalém para adorar nos dias da festa, foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia, e fizeram-lhe este pedido: «Senhor, nós queríamos ver Jesus»".

       O nosso privilégio facilita a nossa fé e adesão ao Evangelho, pois nascemos na hora de Cristo Senhor, fomos sepultados para o pecado e para a morte, pelo Batismo, e tornamo-nos novas criaturas, ressuscitando pelo Espírito Santo. Nesta tensão entre a vida presente e a eternidade, entre a Quaresma e a Páscoa da nossa existência mortal, o desejo por ver Jesus há de ser o desejo por nos vermos transformados pelo Seu amor redentor e vivermos como filhos e irmãos.

       Também com o salmista rezemos, pedindo:

       "Criai em mim, ó Deus, um coração puro e fazei nascer dentro de mim um espírito firme. Dai-me de novo a alegria da vossa salvação e sustentai-me com espírito generoso".


Textos para a Eucaristia (ano B): Jer 31,31-34; Sl 50 (51); Heb 5,7-9; Jo 12,20-33.

24.02.24

Se Deus está por nós, quem estará contra nós?

mpgpadre

       1 – "Se Deus está por nós, quem estará contra nós? Deus, que não poupou o seu próprio Filho, mas O entregou à morte por todos nós, como não havia de nos dar, com Ele, todas as coisas? Quem acusará os eleitos de Deus? Deus, que os justifica? E quem os condenará? Cristo Jesus, que morreu, e mais ainda, que ressuscitou e que está à direita de Deus e intercede por nós?"

       Duas certezas inabaláveis na nossa vida terrena: a morte e o amor (de Deus).

       O mal – expressão/manifestação da morte – é mais visível, mostra-se com mais facilidade, preenche as páginas dos (tele)jornais, choca mais, entra-nos pelos olhos, enquanto o bem muitas vezes passa despercebido.

       O amor – para além do mal e da morte – gera a vida. O amor é criativo, inventa a arte, a música, a beleza, a comunhão entre pessoas e povos. Se o amor não existisse, o mundo já há muito tinha desaparecido do mapa. O amor guarda a história, cimenta a cultura, constrói as civilizações, protege-nos do deserto da solidão e do abandono.

       Para o crente, o amor é mais forte que a morte e tem um nome: DEUS. O AMOR é Deus e Deus é Amor, é origem e sustentáculo do amor humano. O Apóstolo São Paulo, na sua epístola aos Romanos, na segunda leitura, coloca em evidência esta ligação a Deus, que nada poderá aniquilar. Deus está por nós. Ama-nos. Vem ao nosso encontro. Protege-nos como uma mãe a um filho que muito ama. Tal é o Seu amor que nos dá o Seu próprio Filho. Não O poupa ao sofrimento e à morte. Em Jesus, o amor de Deus vai até ao fim, até Se esvair em sangue, até a vida biológica se extinguir. 

       Abraão é testemunha privilegiada do amor de Deus e de como Deus Se coloca a nosso favor. "Abraão, Abraão, não levantes a mão contra o menino, não lhe faças mal algum... porque obedeceste à minha voz, na tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra". Deus não poupa o Seu filho por amor à humanidade, poupa a humanidade, por amor.

        O mandamento de Deus é categórico: "Não matarás... não levantes a mão contra o teu filho... contra o teu irmão". Se assim for, a bênção espalhar-se-á pelas gerações.

 

       2 – Preparamo-nos para a Páscoa, acontecimento fulcral da história da salvação, acontecimento fundante da Igreja. Deus entra na história e no tempo, entranha-Se na humanidade, por Jesus Cristo. N'Ele, Deus feito homem, somos enxertados na vida de Deus. Com a ressurreição de Cristo, a nossa natureza humana é colocada à direita de Deus Pai. Nem o tempo nem a eternidade, nem a vida nem a morte nos separa do amor de Deus, pois Ele está por nós, como refere São Paulo.

       No episódio que o Evangelho deste domingo nos apresenta – a TRANSFIGURAÇÃO – Jesus irradia a presença luminosa de Deus, fazendo-nos vislumbrar os tempos da ressurreição e da eternidade.

       "Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e subiu só com eles para um lugar retirado num alto monte e transfigurou-Se diante deles. As suas vestes tornaram-se resplandecentes, de tal brancura que nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia assim branquear. Apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus. Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias». Não sabia o que dizia, pois estavam atemorizados. Veio então uma nuvem que os cobriu com a sua sombra e da nuvem fez-se ouvir uma voz: «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O»".

       Como aquela que está para ser mãe vai vivendo na expetativa, com o vislumbre do filho que vai chegar, através das ecografias, das fotos intrauterinas do feto, e experimentando a vida nova pelos movimentos no seu ventre, assim Jesus mostra, em antecipação, os tempos futuros, para solidificar confiança nos seus discípulos mais próximos. A alegria definitiva, a LUZ da ressurreição, transparece nesta epifania de Jesus. Uma evidência que nos envolve e desafia: no meio do quotidiano e da turbulência da vida atual é possível extrair luz, paz, vida, amor, encontro com Deus.

 

       3 – Uma certeza e uma tarefa neste segundo domingo da Quaresma.

       A certeza, que clarifica a nossa postura existencial: quanto mais perto de Deus e do Seu amor, mais distantes estaremos da morte e das suas manifestações (mal, injustiças, mentira, corrupção, conflitos, pobreza, distúrbios afetivos e emocionais).

       A tarefa (de sempre): escutar. A transfiguração faz-nos vislumbrar a Páscoa, cativando a nossa atenção, ajudando-nos a enquadrar o tempo presente, perpassado de alegrias e dores, temperado com mil cores de bem, de beleza e de amor, e de dúvida, conflito e de morte. O olhar não engana, mas por ora é a voz que ressoa nos nossos ouvidos: "Este é o meu Filho muito amado: escutai-O".

       A certeza facilita a tarefa de escutar Jesus, procurando que a Sua palavra se transforme em vida, cimentando e aprofundando em nós as marcas da ressurreição e do amor de Deus, sintonizando-nos com as pessoas que são pedacinhos de Deus, e despertando o nosso olhar para a LUZ que d'Ele nos chega.


Textos para a Eucaristia (ano B): Gen 22,1-2.9a.10-13.15-18; Rom 8,31b-34; Mc 9,2-10.

 

Reflexão Dominical na página da paróquia de Tabuaço.

17.02.24

O mais relevante não é o dilúvio, mas a ALIANÇA de Deus

mpgpadre

       1 – O povo da Bíblia, o povo judeu, pouco a pouco vai tomando consciência que Deus quer a felicidade e a salvação das pessoas e dos povos. Enquanto as civilizações vizinhas arranjam um deus por cada situação que não conseguem explicar, os judeus "percebem" que há um só Deus, que é criador, e que cria por amor. Logo, por amor não vai querer destruir a obra criada nem exigir sacrifícios que exijam a morte dos seus filhos.

       A descoberta que Deus é UM e é um Deus Pessoal que Se preocupa com a humanidade, e que Se ocupa daqueles que se desviam do Seu caminho, dando sinais e enviando mensageiros, dá aos judeus a garantia e a segurança que podem confiar n'Ele em todas as circunstâncias, concluindo que o mal existente resulta do pecado, do egoísmo e da inveja, ou das próprias leis da natureza. Há momentos duros que não entendem. Ainda assim, confiam que Deus não os abandona. Pedem que Deus volte, ou melhor, que os seus corações percebam a proximidade de Deus, como no salmo proposto para este domingo:

Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,

ensinai-me as vossas veredas.

Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,

porque Vós sois Deus, meu Salvador.

 

Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias

e das vossas graças que são eternas.

Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência,

por causa da vossa bondade, Senhor.

 

O Senhor é bom e reto,

ensina o caminho aos pecadores.

Orienta os humildes na justiça

e dá-lhes a conhecer a sua aliança.

       O dilúvio é ocasião para o povo de Israel tomar consciência de Deus e da Sua Aliança a favor do Povo.

       Abraão, mais à frente, percebe e faz perceber ao seu povo que Deus não quis, não quer, a morte do seu filho. Nos povos vizinhos, o primeiro filho era oferecido aos deuses para aplacar a sua ira contra os filhos futuros e contra o povo ou o clã. Este é um grande avanço civilizacional: os filhos são uma bênção (de Deus), Deus não pode querer mal àqueles que cria e abençoa.

 

 

       2 – Na primeira leitura é evidente a distância da fé de Israel em relação aos povos daquela região e daquele momento da história. O dilúvio é entendido como castigo de Deus pelos pecados do povo. Durante alguns anos, e na discussão entre ciência e religião (bíblia), discutiu-se esta passagem, concluindo-se que era simbólica e nada tinha de correspondência histórica. Hoje aceita-se que terá havido dilúvio, com o degelo dos Pólos, e que deixou marcas nas pessoas. Não da forma como é descrito, nem nas proporções apresentadas, mas ainda assim marcante para os sobreviventes. E sabemos como as tradições passam de geração em geração e como a cada ponto, outro ponto se acrescenta. O texto remete para um tempo muito longínquo, conhecido pelas narrações orais. Também aqui seria impensável qualquer texto jornalístico (e mesmo que o fosse não estaria isento da interpretação do jornalista e/ou historiador).

       Para os judeus, porém, o mais relevante não é o dilúvio, mas a ALIANÇA de Deus com o Seu povo. Da humanidade destruída, Deus resgata aqueles que pode para viverem tempos novos. O dilúvio destrói. Muito maior, porém, é a destruição que brota do coração e das mãos humanas. É aqui que a ALIANÇA de Deus com o Seu povo há de incidir.

       "Estabelecerei convosco a minha aliança: de hoje em diante nenhuma criatura será exterminada pelas águas do dilúvio e nunca mais um dilúvio devastará a terra".

       O que devasta a terra, daquele e deste tempo, não são tanto os dilúvios e os desastres naturais, como o pecado dos homens e dos povos, crendo-se que hoje existem algumas "calamidades naturais" que poderiam ter sido evitadas, ou pelo menos minorar as suas consequências desastrosas.

       Exemplo disso, a poluição; a deposição de lixos tóxicos nas montanhas, nos rios, nos mares, nos Pólos; a desflorestação, que facilita as derrocadas, e estas, por sua vez, podem tornar-se um perigo para as habitações que se encontram no seu caminho; os incêndios, muitos deles na procura de transformar as florestas em terra de cultivo ou locais para habitação, ou simplesmente para obter madeira mais barata; a construção habitacional em zonas de risco elevado de ocorrerem sismos, tremores de terra, proximidade às placas tectónicas, zonas litorais com previsão de maremotos e tsunami (s); construções deficientes ao nível da segurança, para essas zonas de risco, numa tentativa de rentabilizar custos à custa de menosprezar os avisos, os estudos e as previsões de acidentes futuros.

       Acrescente-se a isso as calamidades provocadas, muito mais destruidoras: a guerra, os efeitos do comércio de droga e a toxicodependência, a fome, a escravização no trabalho, os maus tratos, os conflitos dentro das famílias e entre famílias, entre povos...

       A Aliança de Deus com a Humanidade parte do AMOR de Deus para nos redimir, para nos conduzir aos novos céus e nova terra de paz e harmonia, de aproximação e reconciliação, onde todos possam ver valorizados como filhos.

 

       3 – Em Jesus, Deus leva a Aliança à plenitude. N'Ele cumprem-se as promessas feitas a todo o povo, e do povo para a humanidade inteira. Com a Encarnação, Deus entra na história e no tempo, para rasgar novos horizontes de fraternidade e de vida nova. Juízes, reis e profetas, e muitas formas que Deus encontra para Se fazer presente. Na plenitude dos tempos envia o Seu próprio Filho.

       No Evangelho proposto para este primeiro Domingo da Quaresma, Marcos fala das tentações de Jesus, impelido ao deserto para rezar, e para que no despojamento de todas as comodidades materiais, Ele sinta mais suave e mais forte a presença de Deus Pai.

        "O Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto. Jesus esteve no deserto quarenta dias e era tentado por Satanás. Vivia com os animais selvagens e os Anjos serviam-n’O. Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia e começou a pregar o Evangelho, dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».

       A dureza do deserto é igual para todos. Também Jesus sente essa dureza, não apenas em vésperas de iniciar a vida pública, mas ao longo de toda a jornada. Muitas serão as situações em que era mais fácil e apetecível seguir um caminho mais leve, mais breve, mais confortável, mais espetacular, mais evidente. Jesus resiste. Aquele que perseverar será salvo. Trilha o caminho da humanidade, em tudo, nas festas e na alegria, na secura e na fragilidade, no sofrimento e na morte, em família e na sinagoga, no campo e na cidade, procurando em tudo ser a transparência de Deus Amor.

       "Cristo morreu uma só vez pelos pecados – o Justo pelos injustos – para vos conduzir a Deus. Morreu segundo a carne, mas voltou à vida pelo Espírito. Foi por este Espírito que Ele foi pregar aos espíritos que estavam na prisão da morte e tinham sido outrora rebeldes, quando, nos dias de Noé, Deus esperava com paciência, enquanto se construía a arca, na qual poucas pessoas, oito apenas, se salvaram através da água".

       Com a paixão redentora de Jesus, Ele conduz-nos a Deus. A aliança chega ao seu termo, à sua plenitude. E é, neste concreto, NOVA ALIANÇA, fundada no sangue e no corpo de Jesus, selada na Ressurreição de entre os mortos.


Textos para a Eucaristia (ano B): Gn 9,8-15; Sl 24 (25); 1 Pe 3,18-22; Mc 1,12-15.

03.02.24

Todos Te procuram... Vamos a outros lugares...

mpgpadre

       1 – "De manhã, muito cedo, levantou-Se e saiu. Retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar. Simão e os companheiros foram à procura d’Ele e, quando O encontraram, disseram-Lhe: «Todos Te procuram». Ele respondeu-lhes: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim». E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demónios".

       O relato do Evangelho que nos é proposto neste domingo acompanha Jesus no Seu ministério público, em vários momentos, e em diferentes acentuações.

       Desde logo, a narração mostra como a fama de Jesus já se tinha espalhado e como são muitas as pessoas que O procuram. As razões podem ser diversas como diversa é a vida de cada um, com as suas preocupações e com os seus sonhos/projetos.

       Os discípulos mostram a preocupação: "todos Te procuram", parecendo que Jesus se tinha alheado das pessoas e desta procura. Mas escutemos: Vamos a outro lugares, ao encontro das pessoas, há mais pessoas que querem e precisam de escutar a palavra de Deus. É essa a minha missão: pregar, levar a todos a Palavra de Deus para que todos tenham a oportunidade de acolher os novos tempos da salvação.

       Como sublinhou o nosso Bispo, na tomada de posse, mais perto de Deus para se fazer mais próximo dos homens. "Pertinho de Deus, cheio de Deus, Jesus leva Deus aos seus irmãos" (D. António Couto). É o ponto de partida de Jesus. Há de chegar a ser também o nosso. Jesus não Se afasta para Se isolar, para ficar longe das pessoas, afasta-Se para rezar, para ficar pertinho de Deus e depois voltar com toda a força aos caminhos dos homens e levar Deus a todos.

 

       2 – Vejamos como São Marcos nos mostra Jesus em momentos distintos.

       Jesus avança para Cafarnaum. Vai à Sinagoga, oração, leitura, reflexão da Sagrada Escritura, cura um homem com um espírito impuro.

       Mas a Sua jornada ainda não acabou. "Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama com febre e logo Lhe falaram dela. Jesus aproximou-Se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los". Depreende-se que entretanto Jesus e os seus discípulos comam, descansem um pouco, retemperem forças.

       O dia ainda não terminou, ainda há muito que fazer. "Ao cair da tarde, já depois do sol-posto, trouxeram-Lhe todos os doentes e possessos e a cidade inteira ficou reunida diante da porta. Jesus curou muitas pessoas, que eram atormentadas por várias doenças, e expulsou muitos demónios..." 

       Manhã cedo, antes que os outros despertem, já Ele se levantou, saiu para um lugar sossegado, para que a Sua intimidade com Deus Pai se torne mais evidente. O alimento de Jesus é fazer a vontade do Pai. Os seus gestos, palavras, milagres, encontros, com a multidão ou em casa de pessoas concretas, são momentos que espelham o fazer a vontade do Pai. Mas por vezes, a necessidade de parar, avaliar, refletir, rezar, ouvir, fazer silêncio, para que a voz do Pai ressoe mais fundo.

 

       3 – Todos O procuram. Jesus vai, parte, industria/ensina os Seus discípulos para que eles possam ajudar, testemunhar, anunciar o AMOR de Deus em toda a parte, em todos os lugares, em todos os tempos, até ao fim do mundo.

       Disso nos dá a certeza o Apóstolo da Palavra:

       "Anunciar o Evangelho não é para mim um título de glória, é uma obrigação que me foi imposta. Ai de mim se não anunciar o Evangelho! Se o fizesse por minha iniciativa, teria direito a recompensa... Em que consiste, então, a minha recompensa? Em anunciar gratuitamente o Evangelho, sem fazer valer os direitos que o Evangelho me confere. Livre como sou em relação a todos, de todos me fiz escravo, para ganhar o maior número possível. Com os fracos tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para me tornar participante dos seus bens". 

       Que há de mais sublime que viver Deus, deixando que Ele transborde para os outros, para o mundo. Cada cristão há de tornar-se anunciador do Evangelho, é a condição de todo o batizado, o compromisso de todo/a aquele/a que quer seguir Jesus. Anunciar o Evangelho com a vida que se leva, em cada encontro, em cada lugar, para inserir a própria vida na eternidade de Deus.

 

       4 – Crente é aquele que se abre ao mistério. A vida não se resume à materialidade, à dimensão biológica. O homem ultrapassa infinitamente o homem (Blaise Pascal), está inscrito nos seus genes, aspirar sempre mais, até ao Infinito. Deus criou-nos por amor, atrai-nos constantemente. Quando nos esquecemos da nossa identidade, da nossa origem, envia profetas, envia o Seu próprio Filho. 

       Aspiremos às coisas do alto. É da eternidade que Deus nos busca. Vem. Desce. Habita-nos. Encarna. Faz-Se história. Faz-Se tempo. Vive no meio de nós. É Deus connosco. Percorre, em Jesus Cristo, os dramas e os sonhos da (nossa) humanidade. Carrega a cruz do nosso sofrimento, não por ter muitas forças, mas por transbordar de Amor. Amar é a força maior. Quem ama vai mais longe. Quem ama carrega todas as cruzes, todo o sofrimento, até ultrapassar. Quem ama dá a vida, predispõe-se a oferecer a vida pelo outro, pelo filho, pelo irmão, pela mãe e pelo pai, pela humanidade.

       O nosso desejo, sermos mais, vivermos mais, vivermos melhor, é o caminho da santidade. Aperfeiçoar-nos, não para sermos melhores que os outros, mas nos tornamos aquilo que somos, imagem e semelhança de Deus. Para sermos felizes. Quando nos dispersamos, confundimo-nos, desorientamo-nos. Não sabemos para onde ir. Não nos reconhecemos. Não sabemos por que estamos aqui. Não sabemos por que estamos e outros não. Na dispersão, diabolizamos, tornamo-nos estorvo, pedra de tropeço uns para os outros.

       A vida é efémera. Avança. Rápida. Veloz. À velocidade da luz. Estamos, e logo já não estamos. Amanhece e logo nos tornamos demasiados velhos, pesados, já não voamos, já não sonhamos, já não nos resta nem vida nem esperança.

       "Job tomou a palavra dizendo: Os meus dias passam mais velozes que uma lançadeira de tear e desvanecem-se sem esperança. – Recordai-Vos que a minha vida não passa de um sopro e que os meus olhos nunca mais verão a felicidade". 

       A vida é como um sopro. Se ela acaba na morte, é demasiado frágil, inócua, vazia, perde-se toda a esperança, tudo o que fomos, o que somos não tem saída, não tem horizonte, abertura. A nossa vida e identidade dispersam pelo cosmos como poeira insignificante. Não ficará qualquer registo da nossa passagem pelo mundo, a não ser poeira, entre poeira.

       A vida é história que nos compromete. Se na nossa fragilidade encontrarmos o Deus da vida, a esperança recoloca-nos na eternidade, o nosso fim é o Céu, e então a duração da nossa existência medir-se-á pela intensidade com que vivemos, pelo amor, pela paixão, pelo sonho, pela beleza. Enlevados para o alto para o encontro de Deus na história. Podemos alcançar Deus, melhor, podemos deixar-nos alcançar por Deus na história deste tempo, na nossa vida quotidiana.

       Evangelizar também é isto: viver na dinâmica do amor de Deus.


Textos para a Eucaristia (ano B): Job 7,1-4.6-7; 1 Cor 9,16-19.22-23; Mc 1,29-39.

20.01.24

Ninguém faz festa se não tiver com quem festejar

mpgpadre

       1 – "Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».

       O primeiro anúncio de Jesus corresponde ao pré-anúncio de João Batista que proclamava iminente a vinda do reino de Deus e do Messias, promovendo a conversão, o arrependimento, a penitência, para que desse modo as pessoas pudessem reconhecer e acolher o dom de Deus. Em Jesus cumpre-se esse desiderato de João.

       No Evangelho de São Marcos, que nos irá acompanhar mais de perto neste ciclo de leituras do ano B, refere-se que o início da vida pública de Jesus prossegue depois de João ter sido preso, pressupondo que existe uma ligação próxima e subsequente entre uma e outra missão.

       Com Jesus cumpre-se o tempo, é chegada a plenitude dos tempos, na qual Deus Se manifesta pelo Seu Filho muito amado. E para que essa missão se possa efetivar através dos tempos, Jesus chama a Si discípulos. Quando chegar o momento de Jesus regressar ao seio de Deus Pai serão eles a prosseguir com a missão de anunciar a Boa Nova a todos os povos e a tornar presente o mistério de Deus connosco e no meio de nós.

       "Caminhando junto ao mar da Galileia, viu Simão e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. Disse-lhes Jesus: «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens». Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O. Um pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco a consertar as redes; e chamou-os. Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados e seguiram Jesus". 

       2 – A conversão é a atitude de todo aquele que quer acolher o dom que vem dos outros e, para nós crentes, o dom que Deus nos dá constantemente. Conversão e humildade, neste concreto, significam a mesma disponibilidade para se abrir ao outro e ao Totalmente Outro (ou Totalmente Próximo), ao mistério da vida divina que irrompe na nossa história através de Jesus, o Emanuel, Deus feito homem para viver em nós, connosco, nos revelar o caminho para sermos felizes, para chegarmos ao Pai, e a fim de nos inserir na lógica da salvação, da vida eterna que pode e deve iniciar-se já no tempo que dispomos neste mundo.

       Na primeira leitura que escutamos, vemos como a palavra de Deus é anunciada ao povo de Nínive. Sob a ameaça de castigo, sobressaindo uma linguagem muito humana, Deus faz saber que o caminho para que o povo se mantenha como povo e as pessoas possam viver confiantes e com dignidade, e possam encontrar a felicidade, passa pela conversão, pela mudança de hábitos e de atitude, passa por alterarem a forma de se relacionarem e de se protegerem mutuamente. Se cada um só pensar em si mesmo, fechando-se ao outro, mais tarde ou mais cedo sobrevém a desgraça, a frustração, o vazio, a ansiedade. Precisamos dos outros para nos sentirmos bem, para partilharmos o que somos, o que temos e o que fazemos, para desabafar nos momentos de crise, e para apreciarmos as coisas boas. Isso só é possível com os outros. Ninguém é alegre sozinho por muito tempo. Ninguém faz festa se não tiver com quem festejar. Do mesmo modo, precisamos de pátria, de casa, de espaços comuns. Somos ser sociais. Se cada um só pensar em si, pouco restará para a nossa dimensão social e solidária. Com efeito é na solidariedade que sobrevivemos como sociedade.

       "Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, proclamaram um jejum e revestiram-se de saco, desde o maior ao mais pequeno. Quando Deus viu as suas obras e como se convertiam do seu mau caminho, desistiu do castigo com que os ameaçara e não o executou". 

       Esta é uma mensagem muito atual e pertinente para nós, para a sociedade deste tempo, para Portugal, para a Europa e para o mundo. Se os países mais ricos só pensarem nos seus cidadãos, se os mais ricos, empresas e pessoas, só pensarem nos lucros que poderão obter, a sociedade corre o sério risco de se autodestruir, como facilmente se pode ver nesta Europa pouco comunitária.

 

       3 – Para nós cristãos importa em cada momento viver na presença do Senhor, como se fora a última oportunidade para realizar algo de grandioso e definitivo. Diz de forma intuitiva o Apóstolo São Paulo, na segunda leitura, "o que tenho a dizer-vos, irmãos, é que o tempo é breve. Doravante, os que têm esposas procedam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que andam alegres, como se não andassem; os que compram, como se não possuíssem; os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem. De facto, o cenário deste mundo é passageiro".

       Chegou o tempo, o reino de Deus está entre nós, em desenvolvimento. Cabe-nos a tarefa importante de o tornar visível para os nossos companheiros de viagem, neste tempo em que vivemos. O tempo é pouco, é sempre insuficiente para o bem que podemos fazer. É breve se o aplicarmos em ternura, perdão, em partilha solidária, na luta pela justiça, na prossecução da paz.

       A nossa fragilidade, porém, nem sempre nos envolve positivamente na transformação do mundo. Por conseguinte, ousamos pedir: "Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, ensinai-me as vossas veredas. Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me, porque Vós sois Deus, meu Salvador". Deixemos que no nosso coração ressoe esta oração, para também nós nos torarmos a oração de Deus para o tempo de hoje.


Textos para a Eucaristia (ano B): Jonas 3,1-5.10; Sl 24 (25) 1 Cor 7,29-31; Mc 1,14-20. 

12.01.24

Rabi, onde moras? Vinde ver...

mpgpadre

       1 – Depois do batismo de Jesus (no rio Jordão, por João Batista), iniciamos mais um ciclo, o do Tempo Comum. Sublinhe-se, desde logo, que o tempo comum é lugar de salvação, de manifestação da graça de Deus em nossas vidas. Liturgicamente são dois os ciclos fundamentais para a vida cristã: Natal e Páscoa, com os tempos de preparação (Advento e Quaresma) e com o tempo que se lhe segue. Com efeito, a Encarnação do Verbo tem como fim a Sua Manifestação plena no dar a vida pela humanidade. É no dar a vida que Jesus nos mostra o caminho de retorno a Deus. Com a Ressurreição percebemos o DOM da vida nova. É à luz da Páscoa que havemos de encarar toda a nossa vida de fé.

       O tempo comum celebra a Páscoa, em cada domingo, em cada Eucaristia. Com efeito, a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição de Jesus, que Ele antecipou na Última Ceia, de forma a permanecer em nós e no meio de nós depois da Sua ascensão para Deus, faz-nos participantes da vida divina, alimentando-nos até à eternidade. Por esta razão, a Eucaristia é a oração mais completa da Igreja. Encaminhamos-nos para a comunhão com Deus, alimentamo-nos da presença de Deus entre nós. Na palavra proclamada, refletida e acolhida e pela condivisão do Corpo de Cristo, tornamo-nos com Ele um só Corpo.

       Por outro lado, ao celebrarmos o tempo comum desafia-nos a deixar-nos surpreender por Deus em todos os momentos da nossa vida, também no silêncio e na aridez dos nossos dias, também na rotina e na azáfama, também nos vazios e nas dúvidas, nas contrariedades e nas nossas realizações humanas.

 

       2 – Escutemos o relato do Evangelho que hoje nos é proposto, procurando e aprendendo também nós a ser discípulos de Jesus Cristo, nosso Mestre.

       “Estava João Baptista com dois dos seus discípulos e, vendo Jesus que passava, disse: «Eis o Cordeiro de Deus». Os dois discípulos ouviram-no dizer aquelas palavras e seguiram Jesus. Entretanto, Jesus voltou-Se; e, ao ver que O seguiam, disse-lhes: «Que procurais?» Eles responderam: «Rabi – que quer dizer ‘Mestre’ – onde moras?» Disse-lhes Jesus: «Vinde ver». Eles foram ver onde morava e ficaram com Ele nesse dia. Era por volta das quatro horas da tarde. André, irmão de Simão Pedro, foi um dos que ouviram João e seguiram Jesus. Foi procurar primeiro seu irmão Simão e disse-lhe: «Encontrámos o Messias» - que quer dizer ‘Cristo’ –; e levou-o a Jesus. Fitando os olhos nele, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, filho de João. Chamar-te-ás Cefas» – que quer dizer ‘Pedro’»”.

        A passagem de testemunho é conhecida: Eis o Cordeiro de Deus. É como que uma senha que João dá aos seus discípulos. Ide, que é Ele o Messias esperado, é Ele que vem para tirar o pecado do mundo, substituindo o cordeiro que cada ano era levado ao deserto com os pecados de todo o povo. Ele será o Cordeiro que leva/lava o pecado de toda a humanidade.

       Os discípulos de João seguem Jesus.

       É curioso acompanhá-los neste primeiro encontro. Que quereis? Que procurais? E se a pergunta nos fosse colocada? O que procuramos da vida? O que procuramos na religião, na vivência de fé? Que é que responderíamos a Jesus?

       Jesus não usa um texto pré-elaborado, ou argumentativo, para explicar onde mora. Vinde ver. Por vezes as palavras, ainda que multiplicadas, nada dizem. Ou já não nos dizem nada. Palavras leva-as o vento. Mais palavras, mais discursos. É fácil falar. E por que não responder ao desafio de Jesus?! Vamos ver. Acolhamo-l'O, vamos até à Sua morada, ou melhor, sejamos a Sua morada.

 

       3 – O seguimento de Jesus visa precisamente tornarmo-nos morada do Senhor. Ele vem até nós, para fazer em nós a Sua morada. Na volta, e se queremos seguir verdadeiramente Jesus, tornamo-nos nós a morada de Jesus. Como nos lembra São Paulo: "Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós e vos foi dado por Deus? Não pertenceis a vós mesmos, porque fostes resgatados por grande preço: glorificai a Deus no vosso corpo".

       Pela água e sobretudo pelo Espírito Santo tornamo-nos novas criaturas, somos enxertados em Jesus Cristo, tornamo-nos parte do Seu corpo, que é a Igreja, tornamo-nos templo do Espírito Santo. Fomos resgatados por Jesus Cristo e neste resgate ganhamos outro corpo, outra vida, o Corpo e a Vida de Jesus. A nossa identidade coloca-nos na rota de Deus. Dele vimos, para Ele caminhamos.

 

       4 – Deus continua a chamar e a chamar-nos na nossa situação concreta.

      Por vezes, não percebemos a Sua voz. Outras preocupações nos desviam. Outras tarefas nos ocupam.

       O Senhor veio, aproximou-Se e chamou como das outras vezes: «Samuel! Samuel!» E Samuel respondeu: «Falai, Senhor, que o vosso servo escuta». Samuel foi crescendo; o Senhor estava com ele e nenhuma das suas palavras deixou de cumprir-se.

       São tantas as oportunidades em que Deus Se deixa ver e tantas as formas de nos chamar. Há pessoas e situações em que Deus grita por nós. Nem sempre estamos disponíveis, nem sempre percebemos que é Ele que nos interpela.

       Heli, homem justo e vigilante, ajuda Samuel a perceber que é Deus quem o chama. João Batista mostra aos seus discípulos que Jesus é o Messias esperado. No nosso tempo continua a ver pessoas/vozes/situações que nos falam de Deus, que nos mostram o Seu rosto. Qual a resposta que estamos disponíveis para Lhe dar?


Textos para a Eucaristia (ano B): 1 Sam 3, 3b-10; 1 Cor 6,13c-15a.17-20; Jo 1,35-42. 

 

Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.

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