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Escolhas & Percursos

...espaço de discussão, de formação, de cultura, de curiosidades, de interacção. Poderemos estar mais próximos. Deus seja a nossa Esperança e a nossa Alegria...

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16.03.24

Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só...

mpgpadre

       1 – Cada vez mais perto, mais perto ainda, e logo depois a luz incandescer-nos-á, enchendo a nossa vida de luz, de paz, de vida nova, de presença de Deus, com o fulgor e o dinamismo da Páscoa, que nos atrairá para além da CRUZ, que tornará mais belo, mais profundo e mais generoso o nosso olhar e a nossa esperança. Os nossos olhos serão transformados pela magia do amor que Deus nos dá, para fazermos a experiência de encontro com o Ressuscitado.

       Em Jerusalém, Jesus passeia-se às claras por entre os homens e as mulheres, em festa. Vai onde germina a vida, ao encontro dos outros. Deus vem onde nos pode encontrar, a nossa casa, à nossa vida, às nossas praças e ruas. Em sentido inverso, muitos são os que se sentem também atraídos por Ele e O procuram, querem vê-l’O, ora por curiosidade ora tocados pela fé. Talvez neles arda o Espírito de Deus.

       As palavras de Jesus não podem ser mais explícitas:

       «Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém Me servir, meu Pai o honrará. Agora a minha alma está perturbada. E que hei de dizer? Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome».

       O Filho do Homem vai ser glorificado pelo sofrimento, pela cruz, melhor, vai ser glorificado pela entrega, pelo amor sem fim, pela dádiva da Sua vida, do seu Corpo, morrerá por amor. Se se pode morrer por amor, eis ALGUÉM que o faz. Sem apelo nem agravo. É hora do tormento e dor, de tristeza e angústia. É hora de confiança e de realizar-se a vontade do Pai, a vontade do Amor. É o grão de trigo que cai à terra, morre, para logo germinar na abundância de saborosos frutos.

 

       2 – Não é uma hora fácil, a de Jesus Cristo, ao contemplar o quão perto se encontra do fim biológico. "Agora a minha alma está perturbada" (Evangelho). Resolutamente sabe que não veio para fazer o caminho mais curto, mais fácil, mas para vivenciar connosco todas as experiências, também a da dor, do sofrimento, da solidão, do abandono e da morte. Também aqui Jesus, Deus feito Homem, nos assume por inteiro. Não fica à distância a contemplar a nossa morte. Vem morrer connosco. E por nós.

       Ele aprende como é amarga a passagem deste mundo para a eternidade. Angustiante. Há de transpirar gotas de sangue, tal a ansiedade e o medo. Mas não desfalece. Coloca-Se em Deus Pai. Cola-Se n'Aquele que O enviou. E que O livrará da morte eterna.

       "Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento e, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem causa de salvação eterna" (2.ª Leitura).

 

       3 – O desiderato da Sua vida e missão é a salvação da humanidade. Toda. De todos os lugares e em todos os tempos. Vem para cumprir as promessas de Deus feitas ao Seu povo, e por Israel a todos os povos da terra.

       O momento presente, de sofrimento, de blasfémias, de prisão e da morte que se aproxima, não é, de todo, comparável à beleza do amor de Deus. Jesus resiste nessa intimidade com Deus. Sabe que se aproxima a hora da morte, mas também sabe que o amor que vai até ao fim selará a nova aliança da Redenção.

       Ele inscrever-nos-á para sempre no coração de Deus e em nós inscreverá a lei do amor.

       Como nos revela através de Jeremias:

       "Dias virão, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova... Hei de imprimir a minha lei no íntimo da sua alma e gravá-la-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Não terão já de se instruir uns aos outros, nem de dizer cada um a seu irmão: «Aprendei a conhecer o Senhor». Todos eles Me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno, diz o Senhor. Porque vou perdoar os seus pecados e não mais recordarei as suas faltas".

       O início da nova Aliança dá-Se na oferenda de Jesus, da Sua vida, do Seu Corpo por inteiro. Pelo Seu sacrifício o perdão do nosso pecado. Acolhamos n'Ele a vida nova, novos céus e nova terra. É também pela Cruz que ficamos a conhecer a Lei de Deus, o rosto do Amor. 

 

       4 – A liturgia deste quinto domingo da Quaresma deve levar-nos ao mesmo desejo dos judeus gregos que vieram a Jerusalém, conforme se diz no Evangelho: "alguns gregos que tinham vindo a Jerusalém para adorar nos dias da festa, foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia, e fizeram-lhe este pedido: «Senhor, nós queríamos ver Jesus»".

       O nosso privilégio facilita a nossa fé e adesão ao Evangelho, pois nascemos na hora de Cristo Senhor, fomos sepultados para o pecado e para a morte, pelo Batismo, e tornamo-nos novas criaturas, ressuscitando pelo Espírito Santo. Nesta tensão entre a vida presente e a eternidade, entre a Quaresma e a Páscoa da nossa existência mortal, o desejo por ver Jesus há de ser o desejo por nos vermos transformados pelo Seu amor redentor e vivermos como filhos e irmãos.

       Também com o salmista rezemos, pedindo:

       "Criai em mim, ó Deus, um coração puro e fazei nascer dentro de mim um espírito firme. Dai-me de novo a alegria da vossa salvação e sustentai-me com espírito generoso".


Textos para a Eucaristia (ano B): Jer 31,31-34; Sl 50 (51); Heb 5,7-9; Jo 12,20-33.

03.11.23

Não imiteis as suas obras, porque eles dizem e não fazem...

mpgpadre

Domingo XXXI do Tempo Comum, ano A, full.jpeg

1 – «Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os fariseus».

Com o decorrer dos anos, o carisma de Moisés, a beleza, a simplicidade e a grandeza dos Mandamentos desvanece-se com novos líderes e com a multiplicação de leis, de preceitos, com muitas exceções, exigências, derivações, pormenores cada vez mais picuinhas. A complexidade da Lei leva ao seu não cumprimento.

Refira-se que a história do povo de Israel não foi fácil nem linear. Constitui-se a partir de 12 tribos, com peculiaridades próprias que servem para unir mas também para dividir. Funcionam com alguma harmonia e compreensão nas lideranças fortes de Moisés, David, Salomão. Os reis e os líderes religiosos sucedem-se. Fracas e indecisas lideranças geram conflitos, que por sua vez tornam a nação vulnerável. Se cada um puxa para si e/ou para a sua tribo, o povo deixa de ter defesas para os ataques que chegam do exterior. Se interiormente está dividido, não oferece segurança contra os inimigos.

As lutas palacianas pelo poder, a corrupção, as influências das famílias mais poderosas e as negociatas entre os detentores da autoridade civil e militar conduzem a nação ao descalabro. Um alvo fácil das nações vizinhas, mais unidas, militarmente mais poderosas, com estratégias de invasão e de domínio, com um maior poderia económico, Israel é invadido, com os estrangeiros a imporem a sua presença e os casamentos mistos (forma de apaziguar ânimos, se se integram nas famílias judaicas, estas não se voltarão contra os seus familiares...). Por outro lado, os exílios a que estão sujeitos. As notícias que nos chegam do Médio Oriente, de Israel à Palestina, não são de hoje, têm séculos. Com efeito, o povo hebreu sempre lidou com muitas adversidades, os tempos de paz e independência rapidamente deram lugar a tempos de guerra e de violência, e de submissão a impérios vizinhos.

É também nestas condições adversas à Palavra de Deus, que se multiplicam os preceitos para preservar a identidade, cultura e religião judaicas, aquando das invasões, do exílio, ou em momentos de grande instabilidade. Os Profetas alimentam a esperança de Israel, desafiam à fidelidade à Aliança com Deus, no cumprimento dos Seus preceitos e da Sua vontade, por forma a assegurar a identidade do povo, cultural e religiosa, mesmo sujeitos ao domínio estrangeiro, dentro do seu território ou no exílio.

 

2 – A multiplicação de leis e preceitos confunde as pessoas mais simples e não "obriga" os mais instruídos e poderosos que sempre arranjam subterfúgios para contornar os seus deveres sociais e religiosos.

Jesus, como vimos no domingo anterior, repõe com clareza a simplicidade da Lei. Toda a Lei e os Profetas se resumem, nos seus ditames, a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Se a cadeira (símbolo do ensino e da autoridade) de Moisés foi usurpada, agora é purificada por Jesus, com a autoridade do Mestre dos Mestres, que vive como ensina, dando prevalência ao amor, ao perdão, à conciliação entre todos, à inclusão, melhor, à integração de todos na vida social, política e religiosa, promovendo a justiça e o serviço aos mais pequenos.

A clareza e simplicidade obriga a uma escolha, limitando as desculpas e as justificações. Ou sim ou sopas. A compreensão fácil da Lei, neste caso, do duplo mandamento do amor, implica a sua aceitação ou a sua recusa. Não há “talvez”, ou “assim-assim”. A lei da caridade é inequívoca: amas a Deus de todo o coração amando-O nos irmãos.

Jesus alerta para o desfasamento entre o conhecimento da lei e o consequente cumprimento: "Fazei e observai tudo quanto vos disserem, mas não imiteis as suas obras, porque eles dizem e não fazem. Atam fardos pesados e põem-nos aos ombros dos homens, mas eles nem com o dedo os querem mover. Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens... Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado".

Aquele velho ditado que tão bem conhecemos: bem prega frei Tomás, faz o que ele diz, mas não o que ele faz. Como sublinhou o santo Padre Paulo VI, um dos maiores divórcios do nosso tempo é a separação entre a fé e a vida.

Malaquias, na primeira leitura, alertava para esta incongruência: "Vós desviastes-vos do caminho, fizestes tropeçar muitos na lei e destruístes a aliança de Levi, diz o Senhor do Universo. Por isso, como não seguis os meus caminhos e fazeis aceção de pessoas perante a lei, também Eu vos tornarei desprezíveis e abjetos aos olhos de todo o povo". Não cumprem. Exigem aos outros. São um contratestemunho.

Por conseguinte, as palavras de Jesus incentivam a cumprir a lei, com palavras e com obras, seguindo o caminho da humildade e do serviço ao próximo, como expressão e concretização do amor a Deus. Não faz sentido exigir aos outros o que não se faz menção de cumprir.

 

3 – A referência é Jesus Cristo, com as Suas palavras, com os Seus gestos e com a Sua vida, na oferenda constante a favor da humanidade, até à morte na Cruz.

Foi com este fito que o Apóstolo procurou em tudo imitar Jesus Cristo, para que através do seu testemunho outros aderissem ao Evangelho. Diz-nos são Paulo: "Fizemo-nos pequenos no meio de vós. Como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar, assim nós também, pela viva afeição que vos dedicamos, desejaríamos partilhar convosco, não só o Evangelho de Deus, mas ainda própria vida, tão caros vos tínheis tornado para nós".

O Apóstolo assume uma postura que contraria a dos mestres de Israel que ensinam e exigem aos outros, mas não cumprem nem fazem o mais pequeno esforço para cumprir. O Apóstolo faz-se pequeno, para que Cristo cresça nas comunidades. O maior, para Jesus Cristo, e que é testemunhado por são Paulo, é aquele que se faz pequeno, aquele que serve os seus irmãos.

 

Pe. Manuel Gonçalves

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Textos para a Eucaristia (ano A): Mal 1,14b-2,2b.8-10; 1 Tes 2,7b-9.13; Mt 23,1-12.

14.07.18

Jesus chamou os doze Apóstolos e começou a enviá-los dois a dois.

mpgpadre

1 – A nossa vocação, discipulado e apostolado partem de Jesus, assentam em Jesus e encaminham-se para Jesus. Somos chamados para O seguir. Somos discípulos para aprendermos com Ele, uma e outra vez. Somos enviados para anunciar a Boa Nova aos pobres e, com Ele, fazermos do mesmo jeito, libertando os outros das amarras da pobreza, da exclusão, da solidão e de todo o mal.

Seguir Jesus não visa sentar-nos com Ele na cavaqueira à espera que o tempo passe, que a vida aconteça, enquanto vamos passando entre os pingos da chuva, procurando não nos molharmos, assobiando para o lado, lavando as mãos, cruzando os braços, encolhendo os ombros, fazendo de conta que não é nada connosco!

A vida, o mundo, os outros, são responsabilidade nossa. Desde o início. Desde sempre. Deus criou-nos para os outros, por causa dos outros. Somos auxiliares semelhantes. Da mesma costela, da mesma carne. Do mesmo sangue. Com a mesma origem. Temos origem em Deus. Mas a meta da nossa vida também é Deus. Pelo meio não podemos e não devemos andar arredados daqueles que são parte essencial da nossa vida. Não podemos andar de costas voltadas quando queremos chegar ao mesmo lugar, ao coração do Pai.

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2 – Jesus chama os 12 Apóstolos e envia-os dois a dois. O compromisso missionário não nos permite ir sozinhos, nem em nome próprio. Vamos dois a dois, uns com os outros, fazemos parte da Igreja, e vamos em nome de Cristo, para fazer como Ele fez.

O próprio Jesus lhes/nos dá as instruções para o apostolado, para a missão. Dá-lhes o poder sobre os espíritos impuros, mas também a responsabilidade da cura, da inclusão, da paz!

Para irmos precisamos de leveza. Quantas mais coisas tivermos para levar, a quantas mais coisas estivermos presos, mais difícil será partirmos em missão. O que é necessário? O bastão, para nos apoiarmos, para nos sentirmos como pastores! "Nem pão, nem alforge, nem dinheiro... Calçados com sandálias", levando apenas uma túnica. Só o essencial, só o que não nos impede de chegar aos outros, de nos aproximarmos dos outros. As coisas podem pesar-nos, podem interpor-se entre nós. Uma imagem rápida: levamos dois sacos pesados, com coisas preciosas, um em cada mão, como fazemos para nos abraçarmos?! E se temos medo que alguém nos roube o que temos nos sacos? Colocámos no chão ou optamos por não abraçar?

Para seguirmos Jesus, não devemos deixar que o pão, o dinheiro, o vestuário, ou as nossas roupagens obstaculizem à missão, ao serviço aos irmãos, ao anúncio da paz, ao compromisso com a justiça. Que tudo seja oportunidade para nos entreajudarmos.

 

3 – O Evangelho é Boa Notícia. É uma proposta de vida. Não é uma imposição, uma desculpa, uma fuga. Não é um analgésico para os contratempos, ou uma bolha que nos protege nas dificuldades. É um acontecimento, é uma Pessoa, é Jesus Cristo na nossa vida! Não é uma guerra que se ganha pela força, pela retórica, pela chantagem ou pela ameaça. É um desafio e um compromisso. Desafia-nos a darmos o melhor de nós mesmos, não contra os outros, mas a favor de todos. É um compromisso com aqueles que estão no mundo, no mesmo barco que nós, e especialmente como os mais desfavorecidos.

Eis a recomendação: «Quando entrardes em alguma casa, ficai nela até partirdes dali. E se não fordes recebidos em alguma localidade, se os habitantes não vos ouvirem, ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés como testemunho contra eles».

O encontro com os outros há de comprometer-nos a ficar, a permanecer, e não a saltar de casa em casa, de lugar em lugar. Há tempo para tudo. A fé também se fortalece com os laços de amizade que nos aproximam e nos irmanam. Por outro lado, se as nossas palavras e o nosso testemunho forem recusados, nem por isso devemos deixar de transparecer Jesus.

Naquele tempo, os Apóstolos procuraram corresponder às recomendações de Jesus, partindo e pregando o arrependimento, expulsando os demónios, ungindo com óleo os doentes e curando-os. Hoje cabe-nos fazer como eles, cabe-nos seguir Jesus, procurando agir do mesmo modo, anunciando-O e transparecendo o Seu amor.

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Textos para a Eucaristia (ano B): Amós 7, 12-15; Sl 84 (85); Ef 1, 3-14; Mc 6, 7-13.

 

REFLEXÃO DOMINICAL COMPLETA na página da Paróquia de Tabuaço

07.07.18

Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa

mpgpadre

1 – «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa». Nazaré é uma cidade pequena. Todos se conhecem, têm relações familiares, ao ponto de no Evangelho os parentes de Jesus serem referenciados como irmãos e irmãs e Ele ser conhecido como filho de Maria e de José, o carpinteiro!

Quando nos conhecemos bem uns aos outros, é natural que não esperemos mais do que aquilo que estamos habituados a ver. A ausência de alguém durante determinado período de tempo pode alterar o conhecimento e as expetativas. Jesus tinha iniciado a Sua vida pública e antes de chegar a Nazaré já lá tinha chegado a fama de pregador, profeta e fazedor de milagres. Alguns dos seus conterrâneos, amigos e familiares vão até Ele com certa curiosidade.

Num primeiro momento, contudo, ressalva-se a admiração: «De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?»

A perplexidade toma conta dos seus ouvintes. O texto não pressupõe qualquer atrito até Jesus lhes dizer: «Um profeta só é desprezado na sua terra…».

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2 – A sobriedade de Marcos não nos permite saber o que terá acontecido entre a admiração inicial dos ouvintes e a reação provocatória de Jesus. Nem sempre precisamos que nos respondam com palavras para percebermos as reações, basta um olhar, um sorriso, um encolher de ombros, um franzir das sobrancelhas…

Jesus percebe a reação fria e inquisitória dos seus ouvintes. Na conclusão, o evangelista diz-nos claramente que Jesus estava admirado com a falta de fé daquela gente e, por conseguinte, não podia fazer ali qualquer milagre.

 

3 – Apesar de tudo, Jesus curou alguns doentes e prosseguiu a ensinar por outras aldeias e cidades. Questionamo-nos: então as curas não são milagres? Sem dúvida, são sinais de que Deus continua a agir no mundo. O verdadeiro milagre, contudo, é a conversão, a mudança de vida, a resiliência diante das dificuldades, a aceitação das próprias limitações e fragilidades, a solidariedade e o apoio aos mais frágeis, o serviço a favor dos mais simples e pobres.

Durante a vida pública de Jesus, a começar pelos Seus discípulos, são frequentes as disputas de poder, a procura do milagre fácil, a expetativa de um reino novo que se imponha pela força. Jesus persiste na necessidade de amar, servir, cuidar do outro, dar a outra face, perdoar em todas as circunstâncias, acolher, incluir, dar a vida! No reino que Ele preconiza o primeiro lugar é para quem serve!

 

4 – Em que ponto o Evangelho nos desafia e compromete?

Não podemos dar o outro como garantido, na família, no trabalho, na profissão, nos grupos a que pertencemos. A pessoa é mistério! Em todo o caso devemos apostar, acreditar, confiar. Mas nunca endeusar. Contar que os outros podem desiludir-nos, pois não são deuses. Contar que, em algum momento, podemos magoar os outros e desiludi-los. Apesar disso, apostar, acreditar e confiar na bondade dos outros, como fez Jesus, que escolhe os Seus discípulos, sabendo que podem falhar! Ainda assim previne-os e não desiste deles.

Ninguém é profeta na sua  terra ou em sua casa! Todos conhecemos pessoas extremamente afáveis, simpáticas, generosas para os de fora, mas verdadeiros trastes em casa, indelicadas, indispostas, rabugentas! De fora ninguém sonha. O que se passa no convento só sabe quem está dentro. Por um lado, o convívio coloca-nos mais à vontade, relaxa-nos, dá-nos segurança. Isso é bom, desde que continuemos a ser atenciosos e capazes de dizer "obrigado", "com licença", "desculpa", as três palavrinhas que fazem bem às famílias, como tem sublinhado o Papa Francisco em diversas ocasiões. É tempo de começarmos por ser profetas na própria casa. Seria uma hipocrisia tremenda transparecermos o que não somos. Mesmo sabendo que há momentos em que o cansaço ou as diferenças geram aborrecimentos. Momentos não são o tempo todo!

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Textos para a Eucaristia (ano B): Ez 2, 2-5; Sl 122 (123); 2 Cor 12, 7-10; Mc 6, 1-6.

 

REFLEXÃO DOMINICAL COMPLETA na página da Paróquia de Tabuaço

05.01.17

VL – Se Deus falasse…

mpgpadre

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       Quando ouvimos uma afirmação desta logo somos tentados a responder rapidamente que Deus nos fala pela criação, pelas pessoas, pela beleza e harmonia da natureza, pelos acontecimentos, fala-nos pela Palavra revelada, palavra de Deus em palavras humanas, e, para nós cristãos, fala-nos em Jesus Cristo, a Palavra de Deus encarnada.
       É uma certeza que nos vem da fé e que é comum a outras religiões ou convicções religiosas. Também o Antigo Testamento, que nos une aos judeus, na primeira Aliança e na revelação da vontade de Deus através das gerações, se narram as intervenções de Deus, por sinais, por anjos, pelos acontecimentos históricos, pelos patriarcas, juízes, profetas e reis, que acolhem a Palavra de Deus e a comunicam ao povo.
       Os profetas são o expoente máximo desta comunicação de Deus ao seu Povo. Chamados e enviados por Deus, são os Seus mensageiros especiais. Alertam. Chamam à atenção para os desvios, os pecados e os afastamentos dos mandamentos, cujas consequências são nefastas para uma sadia convivência social. Vão junto dos reis para os aconselharem, para denunciarem injustiças, prepotências, para lhes relembrar que a realeza é derivada, isto é, são reis em nome de Deus e é em nome de Deus que devem servir e cuidar de todo o povo, especialmente dos seus membros mais frágeis, promovendo a coesão social, que permitirá, por sua vez, a defesa contra os ataques dos inimigos. Acalentam a esperança. Nos momentos de maior dificuldade, nomeadamente no Exílio, recordam tudo quanto Deus fez pelo povo, o que aconteceu para que estivessem nessa situação e o que os aguarda no futuro. Há que perseverar, pois Deus continuará a guiá-los para a felicidade, no regresso à terra prometida.
       Jesus é o Profeta por excelência. É a própria Palavra de Deus, feita vida, feita pessoa, encarnando. É rosto e presença do Pai. É a eternidade que se entranha no tempo.
       Mas voltemos ao desafio inicial… Se Deus falasse, poderia dizer claramente o que tinha acontecido e não precisávamos de ir a tribunal! Mas pronto, a justiça acabou por prevalecer… Deus sabe o que faz, não dorme. Se não for cá, há de ser no outro mundo!
       Fé simples, mas profunda! A sabedoria do coração que dá esperança, ilumina, sossega, desafia, mas que também pode confundir! A fé nem sempre é fácil, sobretudo quando as coisas não são como projetamos, quando as injustiças prevalecem apesar e além da fé, da confiança em Deus e nos seus desígnios, além da oração e dos sacrifícios… E então há que redobrar a oração e a confiança em Deus!
 
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4388, de 22 de novembro de 2016

24.09.16

O pobre foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão...

mpgpadre

1 – O que nos distancia de Jesus Cristo e do Seu Evangelho não são os bens materiais, mas a ganância, a avareza, a prepotência, a sobranceria, a autossuficiência, a presunção, a soberba.

O contrário da pobreza de espírito não é a riqueza material mas a avareza. E aqui há cenários variados. Há pobres avarentos, que só não têm tudo porque não podem. Há pobres generosos, simples, despojados e o pouco que têm dá para ajudar os outros… Há ricos avaros, "chupam" tudo quanto lhes é possível, sem olhar a meios… Há ricos, cuja riqueza material é fruto do trabalho honesto, geram riqueza, criam emprego; beneficiam dos próprios bens e alargam os benefícios para os outros.

Jesus responsabiliza-nos pelos mais pobres. Refira-se uma vez mais que Jesus não está a falar para o vizinho. É para mim. É para ti. É para nós. Não nos é pedido o impossível. É-nos exigido o melhor de nós mesmos.

Jesus contesta o homem rico não pela riqueza que possui mas pela sua cegueira e egoísmo, pela incapacidade de sair do seu castelo e compartir a vida com os outros.

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2 – A descrição do homem rico e do pobre Lázaro, o contraste gritante que existe entre ambos e o muro levantado que protege um e deixa o outro na rua, é visível na atualidade. Também hoje convivem lado a lado a miséria e a opulência, a degradação humana e o luxo escandaloso. Os governos, por vezes, protegem apenas os poderosos e esquecem-se dos pobres.

Do homem rico não se conhece o nome. Pode ser qualquer um de nós. Por outro lado, mais que apontar nomes, importa denunciar situações de injustiça e prepotência. Vestia de púrpura e linho fino e banqueteava-se esplendidamente todos os dias, fechado dentro dos portões, alheio ao sofrimento dos outros.

Um pobre, chamado Lázaro. O nome já diz da sua pobreza. Os pobres não podem ser números. Não servem para usar como arma de arremesso. Não contam apenas por ocasião das eleições. Têm nome e têm rosto. E ainda hoje há tantos Lázaros, excluídos, sem casa, sem pão, sem família. Este jazia junto ao portão do homem rico, e estava coberto de chagas. Não pede muito, apenas as migalhas que caem da mesa do rico. Mas nem a migalhas lhe são permitidas.

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3 – O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis. O que fizermos agora tem consequências amanhã. As escolhas do tempo influenciam a inserção na vida eterna. Qual efeito borboleta: segundo a teoria do caos, o bater das asas de uma borboleta em Portugal poderá provocar um terramoto do outro lado da terra.

«O pobre morreu e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. Na mansão dos mortos, estando em tormentos, levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado».

Finalmente este homem rico viu Lázaro. Antes não o tinha visto. A ganância e a superioridade presunçosa cegaram-no. Só se preocupava com o seu umbigo. Um pobre ali tão perto, do lado de fora, a padecer, e não foi capaz de o ver e de o ajudar. Agora tão longe, já o vê e até deseja que Lázaro, enviado por Abraão, possa vir, entrar, aliviar o seu sofrimento. Enquanto podia alterar as coisas, esqueceu-se dos outros. Agora que tudo está concluído quer alterar as regras do jogo, em seu benefício e dos seus, servindo-se de Lázaro a quem não serviu com os seus bens!

 

4 – Mais que nos preocuparmos com o desfecho final, que a Deus confiamos, importa, no tempo presente, aqui e agora – não amanhã ou depois, não em outro lugar ou circunstâncias – viver o melhor, gastando a vida em favor de todos os que Deus coloca à nossa beira, testemunhando a beleza e a alegria da Boa Nova que Jesus nos traz com a Sua vida e com a oferenda de Si mesmo.


Textos para a Eucaristia (C): Am 6, 1a. 4-7; Sl 145 (146); 1 Tim 6, 11-16; Lc 16, 19-31..

 

REFLEXÃO DOMINICAL COMPLETA na página da Paróquia de Tabuaço

e no nosso outro blogue CARITAS IN VERITATE

07.11.15

Ela, na sua pobreza, ofereceu mais que todos os outros

mpgpadre

1 – Quando o pouco é tudo e quando o muito é insignificante!

A vida não é quantificável pela quantidade, mas qualificável pela qualidade, pela intensidade, pelos momentos que fazem a história de uma pessoa, de uma família, de uma comunidade. Há vidas cronologicamente longas que se resumem a muito pouco, sem marcas relevantes na história; há vidas cronologicamente curtas em que são precisas muitas páginas e muitas vidas para absorver tudo o que foi vivido e cuja herança humana perdura para lá do tempo presente.

Do mesmo jeito a generosidade. Não é comensurável em cálculos matemáticos, mas visualizável no envolvimento da pessoa: está totalmente comprometida com o que dá e a quem dá? Ou é apenas um descargo de consciência? Ou um gesto mecânico de tradição?

Jesus colocou-se em frente da arca do tesouro e observa que muito ricos deitam com ostentação avultadas quantias. Aproxima-se uma viúva (pobre) e deita duas pequenas moedas. Antes Jesus alertava-nos: «Acautelai-vos dos escribas, que gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Devoram as casas das viúvas, com pretexto de fazerem longas rezas».

Aqueles que tinham a obrigação moral de zelar por todos e sobretudo pelos mais pobres, entre os quais se contavam viúvas e os órfãos, ocupam os lugares para se servirem e usarem de diversas artimanhas para explorar as pessoas mais simples.

Atento ao gesto daquela viúva, Jesus diz aos seus discípulos: «Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver».

O próprio Jesus explica por que é que aquela mulher dando tão pouco deu tanto, deu muito mais que outros. Dizia a Madre Teresa de Calcutá, que "o amor, para ser verdadeiro, tem de doer. Não basta dar o supérfluo a quem necessita, é preciso dar até que isso nos machuque... o importante não é o que se dá, mas o amor com que se dá”. De forma semelhante relembrava o Papa Francisco: "Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói" (Mensagem para a Quaresma, 2014).

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2 – Elias, um dos profetas mais ilustres do povo eleito, experimenta a generosidade e a grande fé de um pobre viúva, que na míngua de bens, se prepara, juntamente com o filho, para se entregar à morte.

Elias afasta-se de Israel, povo ao qual pertence e que se encontra sujeito a um tempo de provação e purificação por se ter afastado de Deus. Elias refugia-se em Sarepta, cidade da Fenícia, onde será acolhido por uma viúva, que sobrevive à custa das esmolas, cada vez mais escassas em tempo de fome, pelo que lhe soa estranho o pedido de Elias: «Por favor, traz-me uma bilha de água para eu beber... Por favor, traz-me também um pedaço de pão».

Começa a desenhar-se um tempo novo em que a confiança em Deus prevalece além das dificuldades atuais. Responde-lhe a mulher: «Tão certo como estar vivo o Senhor, teu Deus, eu não tenho pão cozido, mas somente um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na almotolia. Vim apanhar dois cavacos de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho. Depois comeremos e esperaremos a morte».

Certo da promessa de Deus, Elias replica: «Não temas; volta e faz como disseste. Mas primeiro coze um pãozinho e traz-mo aqui. Depois prepararás o resto para ti e teu filho. Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘Não se esgotará a panela da farinha, nem se esvaziará a almotolia do azeite, até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra’».

Genericamente sabemos que contamos sobretudo com a generosidade daqueles que passaram ou passam privações, pois sabem melhor o que custa a vida. Refira-se, obviamente, que a pobreza (espiritual) autêntica é, antes de mais, a abertura a Deus e a disponibilidade para cuidar do outro, usando a vida, os dons e os bens, como instrumento beneficente de todos.

_______________________

Textos para a Eucaristia (B): 1 Reis 17, 10-16; Sl 145 (146); Hebr 9, 24-28; Mc 12, 38-44.

 

REFLEXÃO COMPLETA na página da Paróquia de Tabuaço

e no nosso outro blogue CARITAS IN VERITATE

15.02.14

Quem praticar os Mandamentos será grande no reino dos Céus

mpgpadre

       1 – Quando gostamos genuinamente de alguém, procuramos que as nossas palavras e os nossos gestos digam o que sentimos e expressem alegria, gratidão, felicidade. «O que tu és fala tão alto que mal consigo ouvir o que tu dizes» (Ralph Waldo Emerson). A pessoa não é o que veste, o que come, o que fala, o que faz. É tudo isso. É um ser mais complexo. Daí que nos seja sempre difícil e falível julgar as pessoas apenas por uma aspeto, uma impressão imediata.

       O cristianismo é, antes de mais e sobretudo, a história de um encontro, de uma descoberta, o nosso encontro com Jesus, Crucificado e Ressuscitado. Um encontro pessoal que desemboca na comunidade. Se vários nos encontramos com Jesus, mais cedo ou mais tarde vamos querer falar d'Ele, partilhar com outros a nossa experiência, vamos querer enriquecer-nos com a experiência de outros. Por outro lado, Jesus desafia-nos à comunhão, a congregarmo-nos como irmãos.

       Regras e sinais de trânsito. Alguém vai pensar que estes são para nos proibir e limitar os nossos movimentos? O código da estrada tem o ensejo de proteger as pessoas. Protegem-nos e protegem os outros. Resultam do bom senso, da experiência, da reflexão, do estudo, da preocupação de criar as condições mais favoráveis e seguras…

       2 – Jesus não só não destrói a Lei como quer completar, levar à plenitude. Esta tem como conteúdo o amor: o amor que se predispõe a dar a vida. «Aquele que praticar e ensinar [os Mandamentos] será grande no reino dos Céus!». A mensagem de Jesus é inclusiva: assume o passado e as lições que podem ajudar no presente e no futuro.

       Mas não apenas isso. Jesus vai mais longe: «Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus». O Mestre dos Mestres dá vida, carne, músculo, sentido, humanidade a toda a Lei. Esta há de estar ao serviço da dignidade do ser humano e do bem comum.

       Daí a contraposição: «ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás; quem matar será submetido a julgamento’. Eu, porém, digo-vos:Todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a julgamento… Reconcilia-te com o teu adversário, enquanto vais com ele a caminho... Digo-vos que não jureis em caso algum: nem pelo Céu, que é o trono de Deus; nem pela terra, que é o escabelo dos seus pés; nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Também não jures pela tua cabeça, porque não podes fazer branco ou preto um só cabelo».

       O ensinamento de Jesus conduz à coerência de vida: devemos pôr em prática na nossa vida o que professamos e o que exigimos aos outros. É também nesta lógica que Jesus exige aos seus discípulos uma linguagem simples e respeitadora do outro: «A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno».


Textos para a Eucaristia (ano A): Sir 15, 16-21; Sl 118 (119); 1 Cor 2, 6-10; Mt 5, 17-37.

 

Reflexão Dominical COMPLETA na Paróquia de Tabuaço

e no nosso blogue CARITAS IN VERITATE

05.10.13

Senhor, aumenta a nossa fé

mpgpadre

       1 – É de FÉ que HOJE a liturgia da Palavra nos fala.

       O pedido humilde dos apóstolos: «Aumenta a nossa fé».

       A resposta decidida de Jesus: «Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te daí e vai plantar-te no mar’, e ela obedecer-vos-ia. Quem de vós, tendo um servo a lavrar ou a guardar gado, lhe dirá quando ele voltar do campo: ‘Vem depressa sentar-te à mesa’? Não lhe dirá antes: ‘Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, até que eu tenha comido e bebido. Depois comerás e beberás tu’? Terá de agradecer ao servo por lhe ter feito o que mandou? Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: ‘Somos inúteis servos: fizemos o que devíamos fazer’».

       Jesus desafia a viver a fé de forma humilde mas simultaneamente corajosa, sem reservas, como o senhor que ordena o serviço aos seus servos, não deixando que as dúvidas e hesitações momentâneas se tornem paralisantes. Viver a fé como quem se lança numa aventura, um salto no escuro, ou melhor, um salto na LUZ de Jesus Cristo, que nos mostra o Pai e tudo o que nos ampara, o AMOR, do qual nem a morte nos separará. A fé envolve a confiança e a entrega. Como a criança se lança de encontro aos braços da mãe/pai.

       A propósito a sugestiva imagem de Santo Agostinho: “ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que Deus escreva nela o que quiser”. Temos consciência que é mais fácil pedir a Deus que se faça a nossa vontade e não tanto a Sua, como rezamos no Pai-nosso.

       2 – Na primeira carta Encíclica, Lumen Fidei, o Papa Francisco, sintonizado com Bento XVI, diz-nos que a fé é sobretudo luz, ainda que haja momentos de grande sofrimento, como se o chão debaixo de nós estivesse a desaparecer. Com efeito, “a fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho... o serviço da fé ao bem comum é sempre serviço de esperança que nos faz olhar em frente, sabendo que só a partir de Deus, do futuro que vem de Jesus ressuscitado, é que a nossa sociedade pode encontrar alicerces sólidos e duradouros” (n.º 57).

       Por vezes tudo parece em vão, fugidio, injustificável. Tristeza. Solidão. Doença. Traição. Morte de alguém próximo. Expetativas defraudadas, em relação a um emprego, a uma pessoa…

       Com Habacuc apetece gritar: «Até quando, Senhor, chamarei por Vós e não me ouvis? Até quando clamarei contra a violência e não me enviais a salvação? Porque me deixais ver a injustiça?»

       Deus não deixará de nos responder. Não se eliminam as dúvidas e contrariedades, mas sobrevém a presença de Deus, que nos atrai do futuro, da eternidade: «Embora esta visão só se realize na devida altura, ela há de cumprir-se com certeza e não falhará. Se parece demorar, deves esperá-la, porque ela há de vir e não tardará».

       Só em Deus, com a Luz da Fé, poderemos compreender e relativizar tudo o que entendemos ser empecilho. A certeza de que Deus, Pai/Mãe, está na nossa vida, assegura-nos um chão que nos permite viver confiantes, apesar dos tropeços que encontramos no caminho.

 

       3 – Senhor, aumenta a nossa fé. Não apenas a minha fé, mas a fé da Igreja, vivida em comunidade, partilhada, celebrada. Imaginemos, como há tempos referia o Papa Francisco, que estamos num estádio de futebol, às escuras, e se acende uma pequena de luz (um isqueiro, uma vela), e cada um acende a sua pequena luz. Com cada pequena luz acesa, em conjunto, o estádio fica mais iluminado, sendo possível ver pessoas e os seus rostos.

       O apóstolo são Paulo exorta Timóteo a reavivar o dom de Deus, nele e nos outros. Não com timidez, mas com coragem.

“Exorto-te a que reanimes o dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos. Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza. Sofre comigo pelo Evangelho, confiando no poder de Deus, com o auxílio do Espírito Santo, que habita em nós”.

       O desafio de Jesus aos apóstolos é sancionado por Paulo aos discípulos. Mesmo no sofrimento e na perseguição, há que manter firme a fé e a confiança em Deus, confiando no Seu amor por nós e no Espírito Santo que nos habita.


Textos para a Eucaristia (ano C): Hab 1,2-3; 2,2-4; 2 Tim 1,6-8.13-14; Lc 17,5-10.

 

25.08.13

Esforçai-vos por entrar pela porta estreita

mpgpadre

       1 – Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.

       Em Jesus, todos somos filhos de Deus e como irmãos devemos cuidar uns dos outros e sobretudo dos mais frágeis. Esta é uma forma privilegiada de encontrar Deus. Além disso, as sociedades tendem a gerar ódios e violências quando há uns que têm tudo e outros que não têm nada. Quem nada tem, nada tem a perder no meio do caos que se possa instalar.

       Os “privilegiados” pelo trabalho, pela herança patrimonial e/ou pela sorte devem sentir-se corresponsáveis, sabendo que há mais alegria em dar do que em receber. E “um obrigado” muitas vezes vale mais do que alguns milhares de euros. Na lógica do evangelho e da vida, o dom só tem sentido se partilhado. O pecado das origens tem muito a ver com isto, como recordava D. António Couto, aos jovens Crismandos, o pecado não está no colher o fruto da árvore, mas no arrebanhar esse fruto sem o partilhar, fechando as mãos. Só eu poderei colher os frutos daquela árvore. Eu. Eva e Adão. Mais ninguém. A árvore é para todos, também para os filhos e para as gerações futuras, e para outros casais. O que recebi não tenho o direito de reter…

       Curiosa aquela passagem da Sagrada Escritura a que se juntam as palavras de Caim: serei guarda do meu irmão? Egoísmo. Se alguém me faz frente ou sombra, excluo ou mato?! A palavra de Deus é clara: sou guarda do meu irmão, sou responsável por ele. Não matarás. Amarás o próximo como a ti mesmo.

       A este propósito, o povo Eleito tinha uma lei que repunha mais igualdade e justiça. A cada 7 anos, a terra, a vinha e olival descansavam e os pobres podiam alimentar-se (Ex 23, 10-11), e os escravos ser libertos (Ex 21, 1-11). Por outro lado, a contagem 7 X 7 anos, 49 anos, findos os quais se realizava o Jubileu, dia do grande Perdão: “Cada um de vós voltará à sua propriedade, e à sua família... Se o teu irmão cair na pobreza e vender uma parte da sua propriedade, a que tem direito de resgate, o seu parente mais próximo deve ir resgatar o que o seu irmão vendeu” (Lv 25, 8-34).

       2 – Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.

       Reconhecemos os últimos do nosso tempo com demasiada facilidade: pobres, desempregados, deficientes, maltrapilhos, cada vez mais, os sem-abrigo, mulheres maltratadas, crianças sem família, pedintes, famintos, famílias endividadas (algumas por culpa própria, muitas pelo sistema económico-financeiro colapsado), devido a expectativas exacerbadas, ou consequência de falências danosas que geraram milhares de novos desempregados, os emigrantes (uns poucos por vontade própria, muitos porque não terem outro remédio), à procura de novas pátrias, muitos morrendo na travessia, como sublinhou a visita do Papa Francisco a Lampedusa, os idosos, uma franja significativa da sociedade que por vezes é esquecida como o casaco de inverno no bengaleiro durante a maior parte do ano…

       Se a bolsa de valores tiver uma ligeira queda, alerta o Papa, logo se gera um drama. Morrem milhares de pessoas por dia à fome, vítimas de violência doméstica, da droga, de guerras, de milícias populares, de rixas entre bandos… Paciência, é a vida!!!

 

       3 – Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.

       Alguém se acerca de Jesus e pergunta: «Senhor, são poucos os que se salvam?». Resposta pronta de Jesus «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir». Não vos preocupeis com a quantidade dos que se salvam. É dom de Deus. Preocupais-vos em entrar pela porta estreita.

       Somos responsáveis pelos outros, mas não podemos obrigar os outros a agir desta ou daquela maneira. “Quem Me fez juiz das vossas partilhas?”

       O cuidado dos mais desfavorecidos não é uma opção do discípulo de Jesus, é uma exigência. A fé provoca as obras, exige compromissos concretos com o bem dos outros. O "salve-se quem puder" para os cristãos terá de ser salvação acolhida, vivida e celebrada em comunidade. Não posso obrigar os outros. Devo obrigar-me a mim, como seguidor de Jesus, esforçando-me por entrar pela porta estreita.

       Amar a Deus implica amar aqueles que Deus ama. Não se pode amar o Pai odiando os filhos. Amamos a Deus cuidando dos irmãos. Ou somos mentirosos. A fé sem obras é perfeitamente dispensável, é como árvore sem frutos, diria Bento XVI. As obras testam, explicitam e tornam a fé significativa e relevante.


Textos para a Eucaristia (ano C): Is 66, 18-21; Heb 12, 5-7.11-13; Lc 13, 22-30.

 

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