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11.03.13

Aprender o caminho, caminhando... rumo à Páscoa

mpgpadre

       A nossa vida é caracterizada pela dimensão do caminhar: de muitas e variadas formas fazemos essa experiência do caminho – umas vezes a sós, outras acompanhados; nalguns casos com gosto, noutras situações a custo e em sofrimento; umas vezes com ritmo e leveza, outras com sabor a luta; por vezes tendo em vista a meta, noutras titubeando em tropeções; umas vezes descalços e noutros casos usando um calçado mais ou menos consentâneo com o percurso...

       É sobre a vivência do nosso caminhar – sobretudo em contexto quaresmal – que deixamos breves referências ao nosso itinerário de via-sacra, lendo, analisando e interpretando a nossa condição de caminhantes e segundo o calçado que de nós revela as condições psicológicas e espirituais da caminhada... rumo à Pascoa

 

       = Pé direito/pé esquerdo – neste equilíbrio de ritmo podemos enquadrar as coisas correctas (pé direito) e os aspectos menos bons (pé esquerdo), que nos acontecem e que nós fazemos acontecer, onde Deus está, de quantas formas e feitios, a conduzir-nos ou a corrigir-nos... sempre numa leitura teológica do nosso existir. Quantos passos bem-andados e quantos outros por maus caminhos! Tudo faz parte da história de cada um!...

 

       = Pé descalço/pé calçado – estamos a nu sempre que experimentamos a rudeza do chão que pisamos, seja de terra dura e fria ou o fofo e alcatifado, sem precalços ou pejado de tropeços... O pé descalço sente as agruras do caminho, mesmo que ele seja mais ou menos sem obstáculos, enquanto o calçado com que envolvemos os nossos pés tem de estar à altura do momento que vivemos, sentimos ou percorremos... pois, sem o calçado apropriado, corremos o risco de não sermos capazes de caminhar correctamente.

 

       = Cada categoria de calçado revela, no entanto, quem o usa, muito para além das possibilidades económicas, ele revela a personalidade que através dele se manifesta... mesmo que de forma inconsciente:

  • Sandálias traduzem uma certa fragilidade, despojamento e leveza, que, por vezes, se usam em épocas de lazer, como em férias, ou ainda em espaços de maior exposição ao sol, deixando que os pés andem mais soltos e sem constrangimento;
  • Botas, embora envolvendo alguma rudeza relacionada com o trabalho e com as condições para enfrentarmos as condições da vida, do tempo, do ambiente adverso e mesmo das modas – sobretudo no contexto feminino – ou dos espaços onde se desenrolada a tarefa da vida... podemos ver a força e a segurança, na diversidade de acções, de momentos e de condicionamentos;
  • Sapatos – masculinos ou femininos – são mais do que meros adereços de circunstância, pois podem ser factor de afirmação no contexto social em que cada um está inserido, tornando-se recurso muito para além das capacidades económicas... Parafraseando, diremos: ‘Diz-me o que calças, que te direi quem és’ – poderia ser o aforisma para nos entendermos, nos enquadrarmos e nos reconhecermos na sociedade actual;
  • Sapatilhas ou ‘ténis’ – numa alusão à prática desportiva, pois também nesta área podemos encontrar uma razoável diversidade de tipologias... Bastará observar um jogo de futebol, onde nem todos calçam da mesma forma, quase parecendo mais um desfile de marcas do que a constituição de uma equipa;
  • Pantufas e chinelos – próprios para o conforto de casa e inseridos num ambiente de descontração e de intimidade, podemos relacionar estas formas de calçado com a pacatez de uma vida quase recatada no lar ou num espaço de maior recolhimento... que poderá ser mais do que o final da vida, mas antes uma oportunidade de meditação sobre o sentido último (que não meramente derradeiro) da existência humana e social.

       Ora, na nossa caminhada de via-sacra... rumo à celebração da Páscoa temos, segundo os vários intervenientes uma multiplicidade de referências, atendendo à sua forma da calçar: os pés descalços de Jesus crucificado, as botas rudes dos soldados romanos, as sandálias frágeis do pescador envergonhado Pedro, a subtileza feminina na consolação das mulheres de Jerusalém, a capacidade de seguimento (mais do que atlético) de Simão cireneu... para além do pé esquerdo da traição de Judas ou ainda os pés arrastados após a morte e sepultura de Jesus...

       Caminhemos com serenidade e exigência até à Pascoa da ressurreição, anunciando Jesus vivo ao mundo de hoje!

 

Pe. António Sílvio Couto, in AQUI & AGORA,

também publicado na Voz de Lamego

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