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06.12.18

Leituras: Gonçalo M. Tavares - Cinco Meninos, Cinco Ratos

mpgpadre

GONÇALO M. TAVARES (2018). Cinco Meninos, Cinco Ratos. Lisboa: Bertrand Editora. 224 páginas.

Gonçalo Tavares.jpg

Por vezes esquecemo-nos dos nossos autores ou até preferimos a leitura dos estrangeiros. Mas é um erro pensar que os escritores estrangeiros são melhores que os portugueses. Na verdade, como em tudo, a nacionalidade de um escritor é, talvez, o que menos conta na hora de escrever com imaginação e criatividade. Claro que o contexto também ajuda na na forma de escrever e, sobretudo, nas temáticas que são sendo exploradas. Depois há o marketing que é mais ou menos eficiente e aí depende muito do poder económico da editora, do autor e da país (que pode financiar ou promover diretamente os seus autores).

Gonçalo Tavares é um destes exímios escritores portugueses, já amplamente lidos e divulgados, quer internamente que internacionalmente. Já recebeu diversos prémios literários e as suas obras têm dado lugar, em diferentes países, a peças de teatro, pelas radiofónicas, dança, curtas-metragens, objetos de arte plástica, vídeos de arte, ópera, performances, projetos de arquitetura, teses académicas.

Não o conhecíamos, mas o oferta, da parte da família, de um livro pelo meu aniversário natalício, permitiu-me descobrir um autor genial. Cinco Meninos e Cinco Ratos, apresenta uma criatividade, imaginação, um surrealismo surpreendente. Avivaram-me a memória para livros de José Saramago, cuja imaginação se desmultiplica em personagens, acontecimentos, histórias, lendas, numa linguagem ao correr da pena, melhor, como quem fala... ou de Haruki Murakami, que nunca me farto de ler, e cuja arte da escrita é reconhecida, com um talento ímpar para criar personagens num mundo simultaneamente real e fantasmagórico... Assim, cada um no seus registo e com a sua idiossincrasia, Gonçalo Tavares é exímio a criar/inventar personagens, num texto de agradável leitura, e com personagens que despertam a imaginação, o sonho, um mundo de encantar, com os seus dramas, as suas ironias, as suas alegrias e dúvidas. O mundo fantástico, obviamente, tem raízes e "consequências" no mundo real.

Mais uma excelente leitura que recomendamos.

29.08.16

HARUKI MURAKAMI - Ouve a Canção do Vento | Flíper, 1973

mpgpadre
HARUKI MURAKAMI (2016). Ouve a Canção do Vento (138 páginas) e Flíper, 1973 (176 páginas). Alfragide: Casa das Letras.

Haruki_Murakami.jpg

Para mim, claro, este é uma dos escritores atuais mais criativos, com uma imaginação extraordiária, criando histórias, imagens, sobreposição de perosnagens, que atravessam os seus livros, uma linguagem simples, acessível, recurso a contos, provérbios orientais e ocidentais, máximas. O facto de ser uma japonês a viver nos Estados Unidos permite a assunção de culturas diferentes, com os valores ocidentais mas também com as raízes orientais.
Os livros nascem na vida de Murakami naturalmente.
 
Casa, começa a trabalhar e só depois a conclusão da licenciatura. Louco por jazz, abre um bar. Com a esposa, acumula trabalhos para fazer face aos gastos e às despesas. Aqui e além recorrem a amigos e familiares para obterem alguns empréstimos.
 
Refere o próprio:
"Era jovem, estava nas melhores condições físicas, passava o tempo a ouvir a música de que mais gostava e era dono do meu (pequeno) negócio... Além do mais, oportunidades de encontrar gente interessante era coisa que não faltava... Olhando para trás, lembro-me sobretudo de ter trabalhado desalmadamente. Na altura em que a maior parte dos jovens da nossa idade anda na boa-vai-ela, não me sobrava tempo nem dinheiropara «gozar a juventude». Apesar disso, sempre que arranjava um brecha, pegava num livro e paroveitava para ler. A par da música, a leitura era o que mais gozo me dava... Estava já perto dos trinta anos quando o nosso bar de jazz de Sendagaya começou a dar sinais de  estabilidade financeira... Numa tarde luminosa de abril, corria o ano de 1978, fui ver um jogo de basebol ao estádio de Jingü-kyüjö... Na segunda parte da primeira entrada, quando Sotokoba realizou o primeiro lançamento, Hilton, numa bela jogada, bateu a bola para a esquerda e conseguiu chegar à segunda base. O som nítido e poderoso do taco a bater na bola ressuou por todo o estádio de Jingü-kyüjö e ouviu-se meia dúzia de aplausos dispersos. Foi nesse preciso momento, sem que nada o fizesse prever, que pensei para comingo: Acho que sou capaz de escrever um romance".
 
E começava então a escrever-se a vida de um dos mais brilhantes escritores e romancistas do nosso tempo. Murakami tem vindo a ser apontado como Prémio Nóbel da Literatura, mas ainda não foi possível, talvez porque outros valores extra-literários se levantem.
 
Após o jogo comprou uma resma de papel branco e uma caneta de tinta permanente para começar a escrever. Todas as noites, já tarde, depois de chegar a casa, sentava-se na cozinha para escrever. Seis a sete meses seguintes dedicou-se a escrever Ouve a canção do Vento. "É, refere o autor, um texto curto, mais próximo de uma novela do que de um romance propriamente dito". Na primeira versão, leu e não gostou. "Se não és capaz de escrever um bom romance, disse para comigo, o melhor é livrares-te de todas as ideias preconcebidas que alimentas sobre «os romances» e «a literatura» e dar livre curso as teus sentimentos e razões, escrever o que te der na gana".
Murakami_Ouve a Canção do Vento - Flíper 1973.j
Renunciou ao papel e à caneta, "decidi então começar a escrever um romance em língua inglesa, para ver como resultava". Pelo que as frases tinham que ser curtas, traduzindo o mais simples possível as ideias que possuía. "Nascido e criado no Japão, desde pequeno que sempre falei japonês... o meu sistema linguístico está repleto até dizer basta de expressões e de vocábulos japoneses... naquele momento descobri que era capaz de exprimir eficazmente sentimentos e ideias através de um número limitado de palavras e expressões..." Depois arrumou a Olivetti e começou a justar o texto para japonês.
 
"Um domingo de manhã, naquela célebre primavera, recebi uma chamada de um redator que trabalhava na revista lieterária Gunzõ comunicando-me que Ouve a Canção do Vento fazia parte das obras finalistas num concurso literário para novos escritores... Caso não tivesse sido escolhida para integrar a lista dos finalistas ao prémio, a obra poderia desaparecer para sempre. (Convém acrescentar que a revista Gunzõ não tinha por hábito devolver os originais)". Como tinha enviado o único exemplar que possuía! "Foi então que caí em mim: ia ganhar o prémio. Continuaria a escrever e seria escritor... Escrivi Flíper, 1973, no ano seguinte, como uma espécie de continuação de Ouve a Canção do Vento"... Só depois de chegar ao fim de Flíper, 1973 é que tomei a decisão de vender o bar. Transformei-me num escritor a tempo e inteiro e comecei a redigir o meu primeiro romance de fòlego: Em Busca do Carneiro Selvagem".
 
Só passados 37 anos o autor autorizou a publicação destes dois títulos para o Ocidente.
Algumas das imagens, das intuições e do estilo do autor já estão presentes nestes dois escritos.
"Estes dois pequenos romances impressivos, em tom de fábula, que por vezes roçam o surreal pelos laivos de ficção científica que os povoam, abordam o quotidiano de dois jovens - o narrador cujo nome nunca chegamos a conhecer e o seu amigo rato - perpassado por silidão, obsessão e erotismo. Apresentando uma galeria pela qual desfilam uma rapariga com quatro dedos na mão esquerda, um escritor inventado, o dono de um bar que ouve as confissões de todos o que nele buscam refúgio, um par de gémeas e... gatos, estes dois textos contêm o embrião de todas as características que singularizam e atravessam todas as obras-primas de Murakami, incluindo alguns dos seus mais recentes livros".
 
Para outros títulos que recomendei neste blogue: AQUI. Se tivesse que aconselhar um livro, para alguém que ainda não tivesse lido nada de Murakami: Em Busca do Carneiro Selvagem.

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