Leituras: EVA SCHOLOSS - A Rapariga de AUSCHWITZ
EVA SCHOLOSS, com Karen Bartlett (2014). A Rapariga de Auschwitz. Barcarena: Marcador Editora. 282 páginas.
(Anne Frank; Eva Geiringer; Eva ao colo da mãe e com o irmão)
Meia-irmã póstuma de Anne Frank, a autora desta história de vida, Eva Schloss, conta, a partir da sua experiência pessoal e da sua família, a experiência terrível dos campos de concentração, os antecedentes e como a vida, com as marcas do sofrimento e da perda de familiares e amigos, se foi refazendo aos poucos. Os acontecimentos marcantes da infância e da juventude e a militância por uma causa, para que no presente e no futuro, a descriminação por motivos de pele, de nacionalidade, de religião, de opção de vida, não se torne no tormento que foi a guerra liderada por Hitler e pelo regime nazi, cuja Solução Final era eliminar os judeus da face da terra. Pouco a pouco os campos de concentração levaram à morte milhares de pessoas inocentes, mulheres, homens e crianças, escolhidos (quase) aleatoriamente para morrerem primeiro, ou por que eram muito novos ou muito doentes para trabalhar, ou por que levantaram a cabeça ou ousaram perguntar alguma coisa. O motivo principal e único: ser judeu.
Eva Schloss (que viria a casar com Zvi Schloss, de quem adoptou o apelido), encontrou-se com Anne Frank em Amesterdão, na Holanda, depois de ter saído da Áustria, sua terra natal, com a família, já sob a perseguição e ameaça nazi. Viviam perto da família de Anne Frank. Não eram amigas especiais, mas encontraram-se com idades muito próximas, 15 anos, sendo a Anne um mês mais velha, embora esta, reconhece a autora, parecesse mais senhora do seu nariz. Tinham amigos comuns. As famílias viviam com a mesma esperança de viverem num jardim que os protegeria das investidas nazis. Mas a Holanda não aguentou a invasão. Escondendo-se em casa de amigos, mas uma e outra família foram traídas e entregues às autoridades.
Anne Frank viria a morrer em Auscwitz-Birkenau, juntamente com a irmã, poucos dias antes da libertação. A mãe de Anne Frank morreu um pouco antes. Sobreviveu-lhes o pai, Otto Frank. Da parte da família de Eva, o pai e o irmão morreram, também pouco antes da libertação.
Entretanto chega a hora a libertação, Eva cruza-se com Otto Frank, muito reservado e abatido pela morte das suas filhas. No regresso a Amesterdão voltam a encontrar-se e pouco a pouco Otto passa a ser uma visita habitual da casa. O pai de Anne Frank e a mãe de Eva compreendem-se, reconfortam-se na dor e na perda dos seus familiares. Mutti - a mãe de Eva - vai estar muito envolvida na publicação e divulgação do Diário de Anne Frank, colaborando com Otto, com quem se casa pouco depois da filha Eva se casar.
Como apontamento da capa deste livro, a Rapariga de Austchwitz começa onde o Diário de Anne Frank termina, pois aqui a história e as vidas continuam. A autora herda a máquina fotográfica Leica com a qual Otto tirava fotos às filhas. Por um momento da sua vida dedicar-se-á à fotografia, depois às antiguidades, e finalmente, o que mudou a sua vida, dedica-se à causa de Anne Frank, contando a sua própria experiência, não tanto para desenterrar o passado mas para deste ajudar no presente e no futuro a eliminar a intolerância, as injustiças, a descriminação.
É uma leitura envolvente desde logo por nos colocar dentro dos acontecimentos que feriram os judeus, diretamente, mas toda a civilização ocidental.
«Filhos, prometo-vos isto», disse o meu pai: «Tudo o que fazem deixa algo para trás; nada se perde. Todo o bem que praticarem continuará nas vidas das pessoas que tocaram. Fará a diferença para alguém, em algum lugar, algum dia, e os vossos atos serão continuados. Tudo está ligado como uma corrente que não pode ser quebrada» (p 13)
"Há sempre esperança... as circunstâncias da vida mudarão sempre - às vezes para melhor, outras para pior. Nada se mantém na mesma..." (p 163)
"Viver a vida num mundo ao qual todos podem «pertencer» não é um ideal altruísta aos meus olhos - tem sido sempre uma das maiores e mais perturbadoras questões da minha vida...
Comecei a minha vida na Áustria, tornei-me uma refugiada apátria, e depois vi-me reduzida a um número, dolorosamente tatuado no antebraço. Depois da guerra, os Aliados decidiram que os judeus não deveriam ser tratados como um grupo separado e que deveriam ser de novo designados como «austríacos» (curiosamente, fomos agrupados com os mesmos nazis que nos tinham perseguido e considerados «inimigos estrangeiros»). Nunca obtive a cidadania holandesa e, alguns anos mais tarde, acabei por morar em Inglaterra, onde jamais imaginei que me casaria e teria uma família...
Este livro contou-vos algumas das minhas memórias dessa época, mas as recordações deveriam ocupar um lugar menor no mundo, pois o importante é mudar as coisas para melhor" (p. 276)