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Escolhas & Percursos

...espaço de discussão, de formação, de cultura, de curiosidades, de interacção. Poderemos estar mais próximos. Deus seja a nossa Esperança e a nossa Alegria...

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03.11.23

Não imiteis as suas obras, porque eles dizem e não fazem...

mpgpadre

Domingo XXXI do Tempo Comum, ano A, full.jpeg

1 – «Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os fariseus».

Com o decorrer dos anos, o carisma de Moisés, a beleza, a simplicidade e a grandeza dos Mandamentos desvanece-se com novos líderes e com a multiplicação de leis, de preceitos, com muitas exceções, exigências, derivações, pormenores cada vez mais picuinhas. A complexidade da Lei leva ao seu não cumprimento.

Refira-se que a história do povo de Israel não foi fácil nem linear. Constitui-se a partir de 12 tribos, com peculiaridades próprias que servem para unir mas também para dividir. Funcionam com alguma harmonia e compreensão nas lideranças fortes de Moisés, David, Salomão. Os reis e os líderes religiosos sucedem-se. Fracas e indecisas lideranças geram conflitos, que por sua vez tornam a nação vulnerável. Se cada um puxa para si e/ou para a sua tribo, o povo deixa de ter defesas para os ataques que chegam do exterior. Se interiormente está dividido, não oferece segurança contra os inimigos.

As lutas palacianas pelo poder, a corrupção, as influências das famílias mais poderosas e as negociatas entre os detentores da autoridade civil e militar conduzem a nação ao descalabro. Um alvo fácil das nações vizinhas, mais unidas, militarmente mais poderosas, com estratégias de invasão e de domínio, com um maior poderia económico, Israel é invadido, com os estrangeiros a imporem a sua presença e os casamentos mistos (forma de apaziguar ânimos, se se integram nas famílias judaicas, estas não se voltarão contra os seus familiares...). Por outro lado, os exílios a que estão sujeitos. As notícias que nos chegam do Médio Oriente, de Israel à Palestina, não são de hoje, têm séculos. Com efeito, o povo hebreu sempre lidou com muitas adversidades, os tempos de paz e independência rapidamente deram lugar a tempos de guerra e de violência, e de submissão a impérios vizinhos.

É também nestas condições adversas à Palavra de Deus, que se multiplicam os preceitos para preservar a identidade, cultura e religião judaicas, aquando das invasões, do exílio, ou em momentos de grande instabilidade. Os Profetas alimentam a esperança de Israel, desafiam à fidelidade à Aliança com Deus, no cumprimento dos Seus preceitos e da Sua vontade, por forma a assegurar a identidade do povo, cultural e religiosa, mesmo sujeitos ao domínio estrangeiro, dentro do seu território ou no exílio.

 

2 – A multiplicação de leis e preceitos confunde as pessoas mais simples e não "obriga" os mais instruídos e poderosos que sempre arranjam subterfúgios para contornar os seus deveres sociais e religiosos.

Jesus, como vimos no domingo anterior, repõe com clareza a simplicidade da Lei. Toda a Lei e os Profetas se resumem, nos seus ditames, a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Se a cadeira (símbolo do ensino e da autoridade) de Moisés foi usurpada, agora é purificada por Jesus, com a autoridade do Mestre dos Mestres, que vive como ensina, dando prevalência ao amor, ao perdão, à conciliação entre todos, à inclusão, melhor, à integração de todos na vida social, política e religiosa, promovendo a justiça e o serviço aos mais pequenos.

A clareza e simplicidade obriga a uma escolha, limitando as desculpas e as justificações. Ou sim ou sopas. A compreensão fácil da Lei, neste caso, do duplo mandamento do amor, implica a sua aceitação ou a sua recusa. Não há “talvez”, ou “assim-assim”. A lei da caridade é inequívoca: amas a Deus de todo o coração amando-O nos irmãos.

Jesus alerta para o desfasamento entre o conhecimento da lei e o consequente cumprimento: "Fazei e observai tudo quanto vos disserem, mas não imiteis as suas obras, porque eles dizem e não fazem. Atam fardos pesados e põem-nos aos ombros dos homens, mas eles nem com o dedo os querem mover. Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens... Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado".

Aquele velho ditado que tão bem conhecemos: bem prega frei Tomás, faz o que ele diz, mas não o que ele faz. Como sublinhou o santo Padre Paulo VI, um dos maiores divórcios do nosso tempo é a separação entre a fé e a vida.

Malaquias, na primeira leitura, alertava para esta incongruência: "Vós desviastes-vos do caminho, fizestes tropeçar muitos na lei e destruístes a aliança de Levi, diz o Senhor do Universo. Por isso, como não seguis os meus caminhos e fazeis aceção de pessoas perante a lei, também Eu vos tornarei desprezíveis e abjetos aos olhos de todo o povo". Não cumprem. Exigem aos outros. São um contratestemunho.

Por conseguinte, as palavras de Jesus incentivam a cumprir a lei, com palavras e com obras, seguindo o caminho da humildade e do serviço ao próximo, como expressão e concretização do amor a Deus. Não faz sentido exigir aos outros o que não se faz menção de cumprir.

 

3 – A referência é Jesus Cristo, com as Suas palavras, com os Seus gestos e com a Sua vida, na oferenda constante a favor da humanidade, até à morte na Cruz.

Foi com este fito que o Apóstolo procurou em tudo imitar Jesus Cristo, para que através do seu testemunho outros aderissem ao Evangelho. Diz-nos são Paulo: "Fizemo-nos pequenos no meio de vós. Como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar, assim nós também, pela viva afeição que vos dedicamos, desejaríamos partilhar convosco, não só o Evangelho de Deus, mas ainda própria vida, tão caros vos tínheis tornado para nós".

O Apóstolo assume uma postura que contraria a dos mestres de Israel que ensinam e exigem aos outros, mas não cumprem nem fazem o mais pequeno esforço para cumprir. O Apóstolo faz-se pequeno, para que Cristo cresça nas comunidades. O maior, para Jesus Cristo, e que é testemunhado por são Paulo, é aquele que se faz pequeno, aquele que serve os seus irmãos.

 

Pe. Manuel Gonçalves

____________

Textos para a Eucaristia (ano A): Mal 1,14b-2,2b.8-10; 1 Tes 2,7b-9.13; Mt 23,1-12.

28.10.16

VL – A graça do palhaço – 1

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A conversa é como as cerejas. Começa e não sabemos quando acaba. Esta reflexão será um pouco assim. Por estes dias (1 de outubro) foi a sepultar na Paróquia de Santa Eufémia de Pinheiros, a D. Evinha, de onde era natural, a viver na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Tabuaço há mais de uma década. É daquelas pessoas que marcam um tempo, criam um espaço de afetos e de luz, deixam um rasto de bondade, de alegria e simplicidade.
A D. Evinha era cidadã do mundo, cristã em todos os momentos. Na Escola Diocesana de Formação Social acentuou um caminho de compromisso em Igreja que passou agora para a eternidade de Deus. Dos tempos da Ação Católica, as ganas de viver, de renovar a vida eclesial, com o Vaticano II, a sede de Deus e as novidades que iam chegando do Concílio. A formação superior na área da ação social, a passagem pelo ministério do trabalho e da solidariedade social, onde poderia fazer carreira, tendo optado por ajudar na promoção de outros, no país do Estado Novo e nos tempos da revolução, as reuniões cuidadosas para evitar a prisão de pais e mães de família, da aldeia à cidade, do norte à capital, ao Alentejo e ao Algarve, a vida consagrada no instituto de vida secular, com forte implantação em Espanha e na Améria Latina, o trabalho missionário/social/humano no Brasil e nos países vizinhos, dormindo em esteiras, comendo frugalmente, o contacto com a Teologia da Libertação e a perceção que a fé tem que estar ao lado dos mais pobres, dando-lhes ferramentas para que possam gerir as suas vidas…
Regressada do Brasil, fixando-se definitivamente em terras de Tabuaço, nunca desistiu de se empenhar, participando onde era necessário, na Igreja e na vida social e cultural. Sempre disponível, para mais oração, para mais formação, das crianças aos jovens e aos adultos, aos mais idosos, na catequese, nos grupos de jovens, como ministra extraordinária da comunhão, na vivência do Natal, da Páscoa, a cantar as Boas Festas, a visitar doentes, a dar conselhos com a delicadeza de uma mãe, preparando jovens para o crisma, intervindo nos tempos de formação, escrevendo, partilhando a vida, gastando-se… sempre ligada à vida da Igreja, sempre sintonizada com os sinais dos tempos.
Como Pároco pude usufruir da sua amizade e dos seus conselhos, da sua ajuda e das suas sugestões. Uma das sugestões, no início no meu ministério sacerdotal: as homilias deveriam terminar sempre de forma positiva, para que fosse autêntico o “assim seja”…
 
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4381, de 4 de outubro de 2016

28.10.16

VL – A graça do palhaço – 2

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A D. Evinha (1924-2016), natural da Paróquia de Santa Eufémia de Pinheiros, a viver em Tabuaço, numa vida dedicada aos outros, inserida na vida pastoral da Igreja, comprometida em viver e comunicar o Evangelho, sugeriu-me várias leituras, como por exemplo de José António Pagola. Outra leitura que me aconselhou foi a “A graça do Palhaço” (La gracia en el clown) e “Os palhaços” (Los clowns). Deixamos para a discussão académia as diferenças que podem ser estabelecidas entre “palhaços” e “clowns” (termo inglês, numa evocação mais erudita).
A autora é docente de teatro, Cristina Moreira, oriunda da Argentina, bailarina e atriz, tendo-se fixado na Europa, integrando companhias de teatro, escrevendo peças… O seminário dedicado aos palhaços é o mais festivo. O objetivo do palhaço é fazer rir o público. Começa aqui o ensinamento para cada um de nós. Ser palhaço para os outros. Agir pelos outros. Fazer rir está intimamente ligado ao amor. Exige muito, exige tudo do palhaço, entrega intensa que se sujeita a ser aceite ou recusado. Com docilidade o palhaço procura construir uma relação com o público. “O amor está implícito no desejo de comunicar a alegria de estar com os outros… a graça emana da entrega espiritual ao outro”.
Um ator representa, seguindo um guião. O palhaço representa-se. Ele procura reconstruir a partir de si uma nova personagem. Elabora o seu guião interagindo com a sua audiência. Ao longo do processo vai aprimorando a sua habilidade, o seu carácter, a sua fisionomia. Não é a vestimenta, a caracterização física que distingue os palhaços, mas a capacidade de mostrar-se com as próprias fraquezas, oferecendo-se à audiência, sempre num prisma de humildade. Serve os demais, sujeita-se aos seus juízos e, o que preparou com esmero, pode falhar.
Sublinha a autora que “a graça no intérprete nasce do reconhecimento da própria limitação, de um estado de humildade diante do verdadeiramente eterno. No momento em que o homem se pode rir de si mesmo, não se levando a sério… encontra um estilo solto para olhar a sua vida. Esta liberdade permite-lhe fazer rir os demais”.
O palhaço avança a partir do nada, que é muito, que é tudo, avança a partir do seu interior, dando o melhor de si, expondo-se, colocando a nu as suas inseguranças, os seus medos, procurando ultrapassar os seus dilemas. O palhaço é um homem real com os seus contratempos. Dessa forma se sintoniza com o seu público, com as suas debilidades, desafiando-os a rir-se de si mesmos, levantando-se para a luta.
 
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4382, de 11 de outubro de 2016

28.10.16

VL – A graça do palhaço – 3

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A graciosidade do palhaço é tanto maior quanto mais se entrega, quando mais se dá aos outros. A sua graça depende da resposta do público, das pessoas para quem atua.
Ele tem a preocupação de pôr a audiência a rir. E nada melhor que expor os seus próprios problemas. Procurar o palhaço que há em si mesmo, descobrir-se com as suas inseguranças e medos, com as suas debilidades e angústias. A verdade entra na equação. Quanto mais autêntico, quanto mais ele mesmo, apanhado em flagrante delito de debilidade, mais gracioso será. A arte de ser palhaço engloba toda a sua vida, fazendo sobressair a inocência que existe no mais fundo de si mesmo. Aceita o fracasso, o seu fracasso, para promover o outro, colocando o espectador em estado de superioridade. “Através desse fracasso, o palhaço revela a sua profunda natureza humana que nos emociona e nos faz rir” (Cristina Moreira).
Com o palhaço aprendemos a ser para os outros e com os outros. O palhaço tem um contacto direto com o público, está sob o olhar dos outros. Não se faz palhaço diante do público. Atua com o público, interage com todas as pessoas do público e as reações das mesmas influenciam a sua atuação. 
Com efeito, “o importante não é o palhaço em si mesmo. O essencial é o olhar que recebe dos outros a quem dedica a sua vida”, procurando “converter o pesado em leve, o amargo em doce, o oculto em verdadeiro… Deve buscar para a sua personagem um estado de inocência, de frescura, de ingenuidade, de onde olhar a vida… é um peregrino que segue uma estrela, que crê na sua verdade e se sente solvente em comunicar-se na mensagem…”
Tal como o palhaço também nós queremos ser reconhecidos, amados, queridos…
O palhaço conta-se a si mesmo. Por isso a sua vida interior tem tanto que ver com a sua atuação. “O palhaço não existe separado do autor que o interpreta. Todos somos palhaços, todos nos julgamos bonitos, inteligentes e fortes, mas na realidade, cada um de nós tem as suas debilidades, o nosso lado ridículo, que, quando se manifesta, fazem rir”
Ele, como nós, busca o amor de alguém, o reconhecimento do público. O que faz é para agradar, para divertir as pessoas. Incorpora, por imitação, tudo o que admira e reprodu-lo com afeto. A ilusão de superar as limitações do tempo e do espaço, com criatividade e imaginação. Faz-nos desejar pertencer a um mundo melhor… 
 
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4383, de 18 de outubro de 2016

26.09.12

Testemunho: Viver a FÉ em Angola

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       O emigrante também pode rezar e participar nas Eucaristias no país de acolhimento.

       É possível estar com Deus no trabalho.

       Estar com Deus e rezar em Sua casa quando estamos distantes das nossas origens ou da nossa terra… Parece que é difícil arranjar um tempo para podermos estar junto de Deus, mas da mesma maneira que temos tempo para trabalhar e para nos divertirmos devemos arranjar tempo para ir à casa do Pai agradecer pela semana de trabalho e pelos benefícios da semana.

       Eu (Tony) estou por terras de África, em Angola, e vou praticamente todos os Domingos à Missa, onde quer que eu me encontre, no Golungo Alto, em N’Dalatando, ou no Dondo Caxito. Tenho de me levantar às 6h00 da manhã, mas mesmo com sacrifício vou e na Igreja sinto que estou mais perto de casa, sinto que estou mais leve e ajuda-me a passar melhor a semana. Vou sempre sozinho. Somos cerca de 30 portugueses e ninguém me acompanha. E na Igreja também é difícil ver outros portugueses. Acho que os emigrantes só são católicos quando estão de regresso à sua terra. Quando estamos emigrados esquecemos!

       As celebrações aqui são muito bonitas e também muito demoradas, uma missa normal demora cerca de 2 horas, pois os angolanos são muito participativos.

       Já participei em celebrações muito bonitas, tais como a Páscoa, os votos perpétuos de uma Irmã, a chegada de um novo Padre, o Encontro Nacional dos Jovens, no Dondo, que teve a presença das Relíquias de Dom Bosco, Pai, Mestre e Amigo dos Jovens.

       Nas Eucaristias, gosto principalmente dos cânticos e das danças, eles dançam e cantam bastante e animam muito a celebração. Depois, o ofertório solene também é muito participado. As pessoas dão aquilo que às vezes lhes faz falta mas partilham com os outros a contar sempre com a graça de Deus. Partilhar o pouco que têm com quem tem menos isso é lindo. Essas ofertas servem para alimentar o Seminário, os mais pobres, a cadeia, alguns doentes do hospital, etc.

       No encontro nacional dos jovens achei que podiam ter feito mais, achei que foram pouco participativos e acabou por ser quase uma celebração normal, embora com muita dedicação.

       É assim a vida de um emigrante que queira estar com Deus… E que Deus vá cuidando de nós.

 

Angola, setembro 2012, TONY SILVA, in Boletim Paroquial Santa Eufémia, n. 2

29.01.12

Se hoje ouvires a voz do Senhor, abre-Lhe o coração!

mpgpadre

       1 – "Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações". Respondemos à Palavra de Deus com a mesma Palavra de Deus, através dos salmos. E neste domingo ecoa nos nossos ouvidos esta recomendação: sermos ouvintes a partir do nosso coração. Habitualmente usamos duas palavras para o sentido da audição: ouvir e escutar. O ato de ouvir é comum ao ser humano e a outros seres vivos. Até as plantas ouvem, até as plantas têm necessidade de ser afagadas e de ouvir... Assim, na experiência doméstica de muitos, a constatação que um gato, um cão, um pássaro definham se estiverem muito tempo sem ouvir a voz dos donos. E como saltam euforicamente quando pressentem a proximidade do dono, quando ouvem o rugido da porta de entrada, ou mesmo quando ouvem o barulho do carro que estaciona.

       E por aqui também vemos como o ouvir mexe com o organismo, mexe também connosco.

       Como precisamos de ouvir ruído, um carro a passar, uma música, uma voz, alguém a conversar na rua!... ou simplesmente as vozes que saltam da televisão ou da rádio. Todos conhecemos pessoas que não gostam de ver televisão, ou nem prestam atenção ao que passa na rádio, mas que ligam os aparelhos para se sentirem menos sós. Quando a solidão ataca, ouvir uma voz pode ser acalentador!

 

       2 – Escutar é genuinamente humano, é prestar atenção, olhar, obedecer, é colocar-se em atitude de diálogo, de acolhimento não apenas de uma mensagem mas da pessoa que a profere. Quando a Palavra de Deus ressoa nos nossos ouvidos não pode ser apenas um ruído que perturba, mas o próprio Deus que vem habitar-nos, que desce ao nosso íntimo, ao nosso coração. Por vezes é necessário fechar os olhos (e até os ouvidos) para que a palavra de Deus possa dançar nas profundezas da nossa alma. Depois essa dança converter-se-á em alegria e há de brilhar através do nosso olhar, das nossas palavras e dos nossos gestos.

       O povo de Israel, no seu peregrinar pelo deserto, em diversos momentos, transformou a palavra de Deus em ruído exterior, sem deixar que ela tocasse as suas vidas. Em momentos de desânimo, quando a vida é mais complexa e mais dura, facilmente se esqueceram (e nos esquecemos?) das palavras de Deus, perdendo confiança e entregando-se à murmuração, como que exigindo uma intervenção permanente e milagrosa de Deus. Como se a fé em Deus (e nas Suas promessas) significasse o fim de todos os problemas e a ausência de dificuldades e da necessidade do esforço pessoal e comunitário. O salmo provoca a escuta e a mudança do coração, escutar a partir do interior, a partir da alma, para nos abrirmos ao mistério que nos chega de Deus, que pode transformar o mundo que habitamos.

 

       3 – Na primeira leitura, Deus fala a Moisés e por ele a todo o povo, prometendo-lhe o envio de um profeta que fale em Seu nome, para que o povo não se atemorize na Sua presença.

       «O Senhor teu Deus fará surgir no meio de ti, de entre os teus irmãos, um profeta como eu; a ele deveis escutar. Foi isto mesmo que pediste ao Senhor teu Deus no Horeb, no dia da assembleia: ‘Não ouvirei jamais a voz do Senhor meu Deus, nem verei este grande fogo, para não morrer’. O Senhor disse-me: ‘Eles têm razão; farei surgir para eles, do meio dos seus irmãos, um profeta como tu. Porei as minhas palavras na sua boca e ele lhes dirá tudo o que Eu lhe ordenar. Se alguém não escutar as minhas palavras que esse profeta disser em meu nome, Eu próprio lhe pedirei contas'».

       Com efeito, ainda que através do profeta, as palavras de Deus terão a mesma força e a mesma exigência. Deus colocará a sabedoria e as palavras nos seus enviados, para serem como que um esteio entre o povo, na fidelidade aos mandamentos, na procura constante por praticar o bem e a justiça, viver na concórdia e ajudando-se como família.

       A caminhada do deserto foi demorada e exigiu um grande esforço, não tanto pelas condições adversas, próprias da aridez e da oscilação climática (entre o calor e o frio extremos), mas sobretudo pelos recuos e avanços na vivência dos mandamentos, referência fundamental (e libertadora) para todo o povo.

       A lei, justa e esclarecida, equilibrada e para todos, é libertadora. Como alguém recorda, é como uma pequena cruz no canto de uma folha em branco, temos todo o espaço para preencher com a nossa escrita, com a nossa vida. Os dois pequenos traços cruzados dizem-nos que podemos escrever, que somos livres para agir, ainda que a folha já tenha uma marca. Se nos concentrarmos nessa marca e nos lamentarmos por a folha já se encontrar iniciada (trazemos já inscritas regras no nosso código genético), esqueceremos rapidamente que há muito mais para viver, alguém nos facilitou o caminho, sabemos por onde iniciar, de onde partir...

       A cada passo surgem vozes a murmurar e a lamentar-se pela falta de comodidade que teriam no Egito, ainda que não tivessem liberdade (tendo a folha já cheia de traços, sem espaço a preencher) e, naturalmente, a tentação de regressar a hábitos e tradições, próprias de um povo politeísta e bem mais permissivo na moral e nos costumes e pouco exigentes na defesa e valorização da vida humana.

 

       4 – Jesus é a palavra encarnada, o medo que os judeus tinham de escutar a voz de Deus, que vinha do alto como um estrondo, chega agora de forma indolor, quase silenciosa, entra na história (quase) anonimamente, não por entre as nuvens, mas a partir do interior da humanidade. A Palavra tem um rosto, é uma Pessoa, faz-Se carne em Jesus Cristo.

       A Palavra de Deus, mediada pelos profetas, perde por vezes a sua eficácia. Em alguns momentos, o povo distancia-se da palavra de Deus por não lhe reconhecer a força ou simplesmente por faltarem profetas – a Palavra de Deus torna-se inacessível, difícil de compreender pela multiplicação e ruído das palavras. Os escribas e doutores da lei tornaram demasiado complexa a palavra de Deus e, por outro lado, tornaram-na fator de divisão. Esclarecidos, sabiam como contornar a lei ou justificar os seus desvios, com outros preceitos. As pessoas mais simples procuravam cumprir mesmo não entendendo o que se lhes pedia, ou parecendo-lhes excessivo, mas sem terem como argumentar.

       Com Jesus Cristo, a Palavra volta a plantar-se no coração dos homens e das mulheres. Não nos atemoriza porque podemos escutá-la até no deserto das nossas preocupações, no mais íntimo de nós, até mesmo no silêncio mais profundo.

       Ele é o Mestre dos Mestres, é a Palavra que Se faz Pessoa e tem palavras de vida eterna. N'Ele as palavras são expressão da Sua intimidade com Deus, refletem o que pensa e a forma como age na relação com o mundo e com as pessoas.

       "Encontrava-se na sinagoga um homem com um espírito impuro, que começou a gritar: «Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno? Vieste para nos perder? Sei quem Tu és: o Santo de Deus». Jesus repreendeu-o, dizendo: «Cala-te e sai desse homem». O espírito impuro, agitando-o violentamente, soltou um forte grito e saiu dele. Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros: «Que vem a ser isto? Uma nova doutrina, com tal autoridade, que até manda nos espíritos impuros e eles obedecem-Lhe!» E logo a fama de Jesus se divulgou por toda a parte, em toda a região da Galileia".

       A palavra de Jesus liberta, cura, e desafia-nos à coerência de vida. A autoridade que se Lhe reconhece vem da simplicidade com que fala às multidões e a cada pessoa que encontra. Não fala como estranho, como alguém superior ou mais sábio, mas fala ao coração, com gestos, com autenticidade, de forma simples, mistura-se no meio do povo, deixa-se tocar, deixa-se arrastar no meio da multidão, vai onde precisam d'Ele, da Sua palavra ou dos seus gestos.

       Como discípulos deixemo-nos envolver pela Sua presença, pela Sua palavra, agindo sabendo que Ele está connosco, a olhar para nós, a contemplar a nossa vida.


Textos para a Eucaristia (ano B): Deut 18,15-20; Sl 94 (95); 1 Cor 7,32-35; Mc 1,21-28.

 

Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço

28.01.12

28. A coerência de vida há ser um modo de viver

mpgpadre

A coerência de vida há ser um modo de viver.

Para alguns é fácil cumprirem com a palavra dada.

Antigamente bastava a palavra, a chamada palavra de honra. Quando alguém dava a sua palavra, não era preciso nenhum documento, e também era desnecessário recorrer à justiça para dirimir o que foi assumido verbalmente. Obviamente que estamos a falar de pessoas de bem, que preferiam sair prejudicadas, ou deixar de comer, do que deixar de cumprir com a palavra.

Hoje, infelizmente, o valor da palavra é menor. A crer no que vemos e ouvimos. Saliente-se que muitos não cumprem, porque as situações se alteraram dramaticamente. Mas também há muitos que aproveitam as situações desfavoráveis dos outros para se governarem. A palavra de honra levava consigo a dignidade da pessoa. Não cumprir seria uma vergonha, o que equivaleria hoje a dizer que alguns, pessoas e empresas, perderam a vergonha. Sublinhe-se, uma vez mais, que a generalização é perigosa e pode mesmo ser perversa, pois pode haver pessoas incumpridoras que tudo fizeram e tudo fazem para saldar os compromissos assumidos.

 

O Papa Paulo VI numa intervenção pública afirmou com clareza que existia um grande divórcio entre a fé e a cultura, o evangelho e a vida, a igreja e a sociedade, manifestando a necessidade da prática cristã iluminar a vida quotidiana. João Paulo II e Bento XVI têm acentuado a necessidade de a fé se tornar significativa para as pessoas e para o mundo, através do testemunho. O nosso tempo precisa sobretudo de testemunhas (mártires), mais do que mestres, ou então, mestres que sejam também testemunhas.

 

A coerência é exigida a todos. O ser humano, na sua identidade mais profunda, há de ser para o mundo, para os outros, o que é para si mesmo. Se quisermos, adequa-se também aqui a regra de ouro: faz aos outros o que queres que te façam a ti, ou não faças aos outros o que não queres que te façam a ti. O corpo que delimita a fronteira da nossa existência coloca-nos em comunhão e contacto com os outros e com o mundo. O ideal é que o corpo não se separe da nossa mente, dos nossos propósitos, das nossas convicções, mas que aquilo que nos aproxima dos outros (corporeidade) esteja revestido do que de melhor existe em nós.

 

Por maioria de razão, para o cristão, a coerência é um desafio e um compromisso, pelo facto de ter (ou dever ter) uma consciência mais apurada e esclarecida, porque o horizonte da sua vida não se confina ao tempo e à história, mas abre-se até à eternidade de Deus e porque deverá imitar quem lhe dá o nome: Cristo (cristãos = de Cristo). A identidade cristã remete-se para a postura de Jesus Cristo.

 

É o próprio Cristo que o lembra quando une os dois mandamentos: Amar a Deus e ao próximo como a si mesmo. Escutaremos depois o apóstolo são João a dizer que é mentiroso quem diz amar a Deus que não vê e não ama ao irmão que vê, ou o apóstolo são Tiago que recorda que é pela obras se vê a fé.

 

No evangelho deste domingo (IV Domingo do tempo Comum - ano B), diz-se que Jesus ensinava com autoridade e não como escribas, ou seja, Jesus não fala para os outros, não exige mais do que para si mesmo, da forma como vive assim o ensina.

 

A velha e popular expressar: "bem prega frei Tomás, faz o que ele diz e não o que ele faz", não serve de escusa nem de justificação para bonitas palavras ou discursos bem elaborados mas que depois não têm aplicação na vida. As nossas palavras hão de ilustrar-se com a nossa vida.

 

Com as nossas limitações e fragilidades, por vezes - não nos falte pelo menos essa consciência - distanciamo-nos nos gestos e nas obras daquilo que professamos/afirmamos com os lábios e outras vezes exigimos aos outros o que nem nós temos intenção de viver. Mas não nos iludamos, devemos buscar o ideal, e procurar que o possível do nosso quotidiano nos vá treinando para a perfeição, para o ideal, para a coerência.

Continuamos no nosso caminho de santidade.

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