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...espaço de discussão, de formação, de cultura, de curiosidades, de interacção. Poderemos estar mais próximos. Deus seja a nossa Esperança e a nossa Alegria...

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21.02.17

VL – Silêncio: Deus não mora à superfície

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Esta semana partimos de dois livros, que podem ser sugestões de leitura: Silêncio, de Shusaku Endo, e Paciência com Deus, de Tomáš Halík.

“Silêncio”, romance adaptado por Martin Scorsese a filme, e daí também a grande divulgação momentânea, retrata a vida de um missionário jesuíta, português, que teve um papel muito importante na evangelização em terras do Japão. E, perante as muitas dificuldades que encontrou, terá renunciado à fé católica.

O provincial dos jesuítas em Portugal, em entrevista à Agência Ecclesia, sublinha a grande oportunidade para confrontar as várias dimensões da fé. A obra recorda uma página histórica do encontro difícil entre o cristianismo (e o Ocidente) e as tradições japoneses que inicialmente acolheram com benevolência o cristianismo e depois moveram-lhe uma grande perseguição. Para o Padre José Frazão Correia é uma grande oportunidade para revisitar a questão dramática da fé. A dificuldade em permanecer firme num ambiente de extrema perseguição. Revisitar a experiência da fé a partir da sua dimensão dramática e equívoca, várias perspetivas possíveis para enquadrar a questão da adesão a Jesus e da sua visibilidade pública.

O filme/romance não nos permite fazer uma leitura a branco e preto, bem e mal, afirmação da fé pelo martírio ou negação da fé pela apostasia. Aqui percebemos que a aproximação à fé, a afirmação de fé em contextos de grande perseguição, de um grande sofrimento, põe em reserva um juízo demasiado fácil… Publicamente o personagem principal, o padre Sebastião Rodrigues, renuncia à fé, mas o realizador, tal como o autor, faz-nos perceber que no íntimo do padre jesuíta há um percurso de fé e estamos longe de concluir que a sua apostasia pública seja uma renúncia à fé no mais íntimo do seu coração.

Tomáš Halík, neste título, Paciência com Deus, e que tem como subtítulo “Oportunidade para um encontro”, procura perceber o Zaqueu que se esconde no sicómoro (figueira…), mas que Deus descobre por entre a folhagem. Vivemos num tempo em que podemos, com alguma facilidade, catalogar os que têm fé e os que não têm, os crentes e os ateus. O autor recusa uma leitura apressada, fácil, em que se crie uma divisória nítida. Há muitos Zaqueus para os quais temos que olhar com carinho, com atenção. Deus escapa-nos, não se enforma nas nossas conceções racionais. É mistério que, no entanto, está presente em cada um de nós, pois todos fomos/somos criados à Sua imagem e semelhança. Não nos podemos apossar d’Ele, pois também se encontra nos outros…

 

publicado na Voz de Lamego, n.º 4397, de 31 de janeiro de 2017

03.10.14

Leitura: FEYTOR PINTO - A Vida é sempre um Valor

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FEYTOR PINTO (2014). A Vida é sempre um Valor. Não posso dizer «não» a ninguém. Entrevista de Octávio Carmo ao Padre Vítor Feytor Pinto. Prior Velho: Paulinas Editora. 144 páginas.

       Nos finais dos anos 90, o Pe. Feytor Pinto esteve no Seminário Maior de Lamego. Era conhecido da televisão e da rádio. Nessa ocasião ocupava um cargo importante, o de Alto Comissário do Projeto VIDA, programa governamental de combate à droga, mas que englobará outras dinâmicas de promoção da vida humana. 6 anos, três tendo como primeiro-ministro Cavaco Silva, três anos tendo como primeiro-ministro António Guterres. É certamente este cargo, esta missão, que lhe dá projeção nacional, e internacional.

       Quando o Pe. Vítor Feytor Pinto irrompe pela Capela do Seminário de Lamego o que vemos, seminaristas ainda em busca e em formação, um padre, de bom porte, sorridente mas cansado. Ajoelha-se e reza em silêncio. Quando chega a hora de falar, fá-lo em tom bastante baixo, sereno, como um pai diante dos seus filhos. Nessa viagem que efetuou, na qualidade de Alto Comissário, dormiu durante o trajeto de 4 horas, de Lisboa a Lamego. Segundo o motorista, era isso que acontecia em diversas ocasiões. Não havia tempo. Ou melhor, o tempo era para estar onde fosse solicitada a sua presença. Com os seminaristas, rezou o terço, se me não falta a memória, ou uma das horas litúrgicas, e fez-nos uma breve reflexão apontando para o sentido da Vida, e como Jesus era o centro de toda a vida. Penso que não estou a inventar. Ficou-me na lembrança sobretudo a acessibilidade do Pe. Feytor Pinto, irradiando alegria, apesar do cansaço e da viagem, agradecendo o facto de dispor de um motorista, pois assim tinha possibilidade de ir mais longe, aproveitando melhor o tempo.

       Nesta entrevista, conduzida pelo jornalista da Agência Ecclesia, Octávio Carmo, e que abarca a vida e a missão do Pe. Feytor Pinto, na Igreja e na Sociedade, na Cultura e na Pastoral da Saúde, envolvido na divulgação do Concílio Vaticano e no compromisso de testemunhar Jesus Cristo, nas responsabilidades no projeto Vida, mas também em outras tarefas, como pároco, como conselheiro, como homem de Deus.

       Este livro faz parte da coleção GRANDES DIÁLOGOS, das Paulinas, e que lendo já aconselhamos alguns deles. D. Manuel Clemente, entrevistado por Paulo Rocha: UMA CASA PARA TODOS; Frei Joaquim Carreira das Neves, entrevistado por António Marujo: O CORAÇÃO DA IGREJA TEM DE BATER; Pe. António Rego, entrevistado por Paulo Rocha: A ILHA E O VERBO, e agora a VIDA É SEMPRE UM VALOR.

       A primeira parte do livro é constituído pela entrevista. A segunda parte recolhe uma conjunto de textos e intervenções do entrevistado, neste caso, do Pe. Vítor Feytor Pinto: Discurso proferido na 48.ª Assembleia Geral das Nações Unidas enquanto Alto-Comissário para o Projeto Vida; Congresso Mundial da FIAMC (Federação Internacional de Médicos Católicos); Comunicação na reunião da OMS (Organização Mundial de Saúde) para a Europa, na qualidade de observador por parte da Santa Sé; Perante a toxicodependência: uma atitude ética; Linhas Pastorais para redescobrir e revalorizar o Viático (neste caso, proferida no Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, no Vaticano, em 2005). 

       Para quem trabalha na área da pastoral da saúde, ou melhor, para todos os que lidam com pessoas, pois todas as pessoas aspiram a uma vida saudável. Aliás, o sublinhado da Pastoral da Saúde em lógica de promoção de vida saudável. Atenção, cuidado, respeito, tolerância, diálogo, assunção de convicções próprias. Tratar a pessoa como pessoa. Amá-la. Cuidar dela. Ao jeito de Jesus. Sem olhar à doença, ao credo, ao sexo ou à religião.

"O jogo dos afetos pede respeito profundo pelo outro, se realmente queremos encontrar saída para os problemas. Depois, há um ponto fulcral, absolutamente fulcral: é preciso ter em consideração que a pessoa humana é mais importante do que a economia. A economia que não serve a pessoa está em pecado, é pecaminosa" (pp 21-22)
"Amor e dor: não se recebe o amor sem se sofrer por ele. Aliás, é o mistério de Jesus Cristo. Ele amou a humanidade de uma maneira radical, a ponto de dar a vida pela própria humanidade. Ele próprio diz: «Não há maior prova de amor do que dar a vida por aqueles a quem se ama»... (p 53)
"Hoje, a fé, em tempo de nova evangelização, tem de exprimir-se de outra maneira, através da autenticidade e coerência de vida, através de gestos concretos de solidariedade e serviço, através da autenticidade e coerência para além da dor, do cansaço e do fracasso" (p. 86).

29.06.14

Leituras - ANTÓNIO REGO - A Ilha e o Verbo

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ANTÓNIO REGO (2014). A Ilha e o Verbo. Dos vulcões da Atlântida à Galáxia digital. Lisboa: Paulinas Editora. 288 páginas.

       O Padre António Rego é bem conhecido do público português. É também conhecido como o Padre Televisão, precisamente pela presença nos ecrãs de televisão ao longo de muitos anos. Completando 50 anos de sacerdote, grande parte dos quais comprometido com os meios de comunicação social ligados à Igreja Católica em Portugal, chega-nos agora esta biografia-entrevista, com um ou outro texto sobre temas fundamentais do Pe. António Rego. 50 anos de vida sacerdotal. Tempo de agradecer. Olhar para trás, revendo como Deus vai guiando a vida e a história. Agradecendo, para continuar a trabalhar em prol da Igreja e da sociedade.

       Natural dos Açores, pouco tempo depois virá para o continente, ficando para sempre ligado ao Patriarcado de Lisboa, iniciando o compromisso com a Rádio Renascença, mas também comprometido com o trabalho paroquial. Projetos como Renascença, colaborações na RTP e na RDP, programas como 70x7, Ecclesia, Fé dos Homens, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, TVI, o canal atribuído à Igreja Católica, mas passando progressivamente para grupos financeiros, mantendo-se a presença da Igreja Católica e do Pe. Rego nomeadamente com a transmissão da Eucaristia dominical, com o programa 8.º Dia. Alguns dos projetos foram continuados por outros, mas têm o impulso inicial do Pe. António Rego, ou pelo menos a sua colaboração, como a transmissão da Eucaristia na RTP.

       No projeto TVI, de que foi também Diretor de Informação, criou como que uma escola de jornalistas para uma tratamento humanista das notícias e onde o religioso tivesse tratamento igual a outros âmbitos, prevalecendo com um lugar próprio, pois o espiritual e o religioso fazem parte do desenvolvimento do ser humano.

       As entrevistas são conduzidas, de forma inteligente, pelo bem conhecido Paulo Rocha, Diretor da Agência Ecclesia, integrando o Secretariado Nacional das Comunicações Sociais e colaborou em muitos projetos do Pe. António Rego.

       Na parte final, textos assinados pelo Padre/Cónego António Rego, Grandes Temas: Mar, Liberdade, Concílio Vaticano II, Meios de Comunicação Social, Arte, Açores, Oração.

23.07.13

D. Manuel Clemente - Uma Casa aberta a todos

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D. MANUEL CLEMENTE, Uma Casa Aberta a Todos. Paulinas Editora. 2.º edição. Prior Velho 2013, 248 páginas.

       No passado dia 7 de julho, D. Manuel Clemente, no Mosteiro dos Jerónimos, assumia a Diocese de Lisboa, como Patriarca, substituindo D. José da Cruz Policarpo. Se já era uma voz relevante na Igreja, na cultura, na sociedade, em Portugal, com a assunção do Patriarcado alarga a curiosidade sobre a sua vida e o seu pensamento.

       As Paulinas permitem-nos as duas coisas. Numa primeira parte, sob a condução de Paulo Rocha, diretor da Agência Ecclesia, responsável por programas como Ecclesia e 70X7 que passam na RTP 2, com uma forte ligação à Igreja, D. Manuel Clemente responde a diversas questões. É, aliás, o formato usado no programa Ecclesia, onde os dois têm abordado diversos temas relacionados com a vida da Igreja e com a sua história. A colaboração com essa assiduidade findam, mas para já a reprodução de algumas entrevistas de Paulo Rocha com D. Manuel Clemente, sobre a sua vida, vocação, como Bispo no Porto e como Patriarca em Lisboa, desafios pastorais, diálogo com a cultura, a sociedade e a política, temas fraturantes, promoção da vida e do bem comum.

        Em análise, nesta(s) entrevista(s), a figura do Papa Francisco, desde a eleição, os gestos e as palavras, e o recuo à sua infância, vocação, e intervenções enquanto Arcebispo de Buenos Aires.

       Na segunda parte desta obra, a Editora apresenta textos de D. Manuel Clemente, em diferentes intervenções, em ocasiões distintas, textos ao tempo de sacerdote, ou Bispo Auxiliar de Lisboa, Bispo do Porto, ou como professor, na Universidade, homilias, textos de reflexão, intervenções públicas, seguindo o Decionário. Em cada um das letras, variadíssimos temas: amor, vida, vocação, bem, bispo, corpo, confiança, crisma, alegria, Deus, Espírito Santo, Eucaristia, Educação, Europa e Cristianismo, Fé e Ciência, Família, Francisco de Assis, Idosos, Laicado, Oração, Páscoa, Porto, Peregrinação, Poesia, Professor, Vieira (Pe. António), Sociedade civil, e tantos outros.

       Na divisão das duas partes, álbum fotográfico, com fotos da família, da infância, da ordenação, como escuteiro, de sacerdote, bispo...

       Num género ou outro, a entrevista ou as reflexões, permitem conhecer melhor o novo Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente. Mais uma leitura agradável, permitindo encarar os desafios do ser cristão na sociedade deste tempo.

 

Para ler partes do livro - AQUI: Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

e AQUI a partir da Livraria Fundamentos.

02.03.13

Bento XVI - Gravidade e inovação de um passo

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Se as encíclicas, os livros, as homilias, as mensagens e tudo o que foi dizendo e escrevendo ao longo do pontificado vai merecer releituras e estudos detalhados, muito mais este gesto de Bento XVI pela sua “gravidade e inovação”.

 

       Não se alcança nestes dias o horizonte da decisão de Bento XVI. Sabe-se, por enquanto, que a sua atitude é uma grande mensagem, um capítulo central do legado que deixa à Igreja Católica e um gesto que expressa a sua personalidade e a perceção acerca da missão de cada batizado, incluindo a do Papa, num momento específico da história.

       Se as encíclicas, os livros, as homilias, as mensagens e tudo o que foi dizendo e escrevendo ao longo do pontificado vai merecer releituras e estudos detalhados, muito mais este gesto pela sua “gravidade e inovação”.

       As palavras são do próprio Bento XVI e foram pronunciadas em português na sua última audiência na Praça de S. Pedro, em Roma.

       “Dei este passo com plena consciência da sua gravidade e inovação, mas com uma profunda serenidade de espírito”, disse Bento XVI após ter recordado o seu estado de espírito quando foi eleito Papa, no dia 19 de abril de 2005, nomeadamente o “peso grande” que lhe caía sobre os ombros.

       É esse mesmo realismo que permite a Bento XVI dar este passo. E ter prometido, já em ambiente de pré-conclave, obediência “incondicional” ao futuro Papa, depois de ter tomado a decisão “mais justa” para o bem da Igreja.

       Bento XVI comunicou a renúncia ao pontificado no dia 11 de fevereiro. Depois, no decorrer da agenda já assumida, foi explicando os motivos e o contexto em que tomou essa opção e as consequências que espera para a vida da Igreja, que liderou até ao último dia de fevereiro. E são essas palavras que interessa manter por perto quando se procura interpretar um gesto que introduz rutura na forma de entender e exercer o ministério de ser o sucessor de Pedro no contexto atual.

       Assim, as sensações e as emoções provocadas por este momento de viragem na história têm de ser geridas na consciência de cada pessoa: a dos crentes, interessados em contribuir para que a Igreja seja cada vez mais de Cristo; e a de todos os cidadãos, cativados por uma instituição que, na sua origem e identidade, tem por fim único propor a felicidade a todos.

       A isso nos ensina também o Papa que resigna. A decisão que tomou parte da sua consciência, depois de a “ter examinado repetidamente” e de o ter feito “diante de Deus”. Nesse diálogo, entre a consciência e Deus, num ambiente espiritual fundamentado e seduzido pelo exemplo de Cristo, encontra-se o segredo para decisões acertadas, voltadas não tanto para o bem próprio, antes para o bem de todos, o único capaz de gerar alegria.

       Uma convicção afirmada até ao último momento. No seu último tweet, Bento XVI escreveu, dizendo de si e desafiando todos: “Possais viver sempre na alegria que se experimenta quando se põe Cristo no centro da vida”.

 

Paulo Rocha, Editorial da Agência Ecclesia.

28.11.12

Editorial Agência Ecclesia - o desafio do diálogo

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O encanto do primeiro encontro (...) não pode iludir a questão de fundo: é importante falar das coisas que unem crentes e não crentes, mas é fundamental discutir também o que os separa

        A criação de um Átrio dos Gentios, por parte do Vaticano, para ir ao encontro de agnósticos e ateus é um sinal para toda a Igreja Católica e Portugal quis dizer presente, organizando uma sessão do projeto, em Braga e Guimarães, simbolicamente capitais europeias da juventude e da cultura, respetivamente.

       O encanto do primeiro encontro deixa uma sensação de dever cumprido e abre as possibilidades que todo o futuro encerra em si, mas não pode iludir a questão de fundo: é importante falar das coisas que unem crentes e não crentes, mas é fundamental discutir também o que os separa, um fosso que muitas vezes oscila entre a indiferença e a pura rejeição. Esse passo implica sair até do próprio átrio, por parte da Igreja, e ir à procura pelas ruas, pelos espaços que não habita, sujeitando-se à crítica, ao escárnio e eventualmente à perseguição, mas sempre na convicção de que a sua mensagem é de todos os tempos e para todas as pessoas.

       Os cruzamentos de reflexões e de valores podem, nesse sentido, reforçar a apresentação dessa mensagem, sem a desvirtuar, tornando-a mais apta à compreensão de quem a desconhece e mais plural para quem, dentro da própria Igreja, se limita a visões parciais, incompletas e mesmo incorretas do património ético, espiritual e religioso do Cristianismo.

       Entre o ‘eu acredito em mim’ e o ‘eu acredito em Deus’, expressões ouvidas em Braga, vai um mundo de questões, de vivências, de opções de fundo que não podem ser ignoradas se o Átrio dos Gentios, em Portugal, quiser mesmo ser a porta para um novo caminho que os seus promotores pretendem. E, necessariamente, tem de deixar os limites geográficos em que se realizou e abrir-se ao país, com o apoio dos responsáveis e das comunidades católicas, para uma nova gramática do ser Igreja num tempo em que a fé não é um dado explícito no viver quotidiano. O diálogo, o verdadeiro encontro, é sempre um prazer mas é, acima de tudo, um desafio constante e nunca terminado.

 

12.10.12

A forma do cristianismo em mudança

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Em tantas situações, nesta diáspora cultural onde estamos semeados, a única palavra verosímil é a do testemunho de uma vida vivida com simplicidade e alegria no seguimento de Jesus.

       O teólogo Karl Rahner escreveu que “A Igreja tem sido conduzida pelo Senhor da história para uma nova época”. Não se trata só de baixas drásticas nos indicadores estatísticos quando se compara a atualidade com aquele que já foi o quadro da vivência da Fé. A questão é bem mais complexa. Talvez o que o nosso tempo descobre, mesmo entre convulsões e incertezas, seja um modo diferente de ser crente, traduzido de formas alternativas nas suas necessidades, buscas e pertenças. Não estamos perante o crepúsculo do cristianismo, como defendem aqueles que se apressam a chamar pós-cristãs às nossas sociedades. Quem não se apercebe que o radical lugar do cristianismo foi sempre a habitação da própria mudança não o colhe por dentro. Mas há eixos que se vão tornando suficientemente claros para que seja cada vez mais um dever os enunciarmos e contarmos com eles. 

Podem-se apontar três:

  • Primeiro, os cristãos regressam à condição de “pequeno rebanho”. Com a evaporação de um cristianismo que se transmitia geracionalmente como herança inquestionada, os cristãos voltam a sê-lo por decisão pessoal, uma decisão muitas vezes em contra-corrente, maturada de modo solitário em relação aos círculos mais imediatos de pertença. Já não é de modo previsível que nos tornamos cristãos. Isso acontece e acontecerá cada vez mais como uma opção e uma surpresa.
  • Depois, à medida que se assiste a um enfraquecimento da inscrição institucional das Igrejas no horizonte da sociedade redescobrimos o valor e as possibilidades de uma presença discreta no meio do mundo. Em tantas situações, nesta diáspora cultural onde estamos semeados, a única palavra verosímil é a do testemunho de uma vida vivida com simplicidade e alegria no seguimento de Jesus.
  • E, em terceiro lugar, esta grande mudança epocal mostra-nos que precisamos recuperar aquilo que Karl Rahner chama o “santo poder do coração”. Os cristãos são chamados a viver a amizade como um ministério. “Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,17). Há, de facto, uma revelação do cristianismo que só a prática da amizade é capaz de proporcionar. E nisto, o mundo, que pode até perder-se em equívocos sobre os cristãos, não se engana. Mesmo se for um único instante de contacto o que tivermos, tal basta para deixar transparecer uma amizade.

José Tolentino Mendonça, Editorial da Agência Ecclesia.

31.05.12

Editorial Agência Ecclesia: Nós somos católicos

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Tantos “dias de” onde é possível – e preciso - reclamar a afirmação “Nós somos católicos” e exigir a presença, a participação, o compromisso!

 

       A mobilização virtual em torno de um slogan foi imediata: um vídeo espalhado pelas redes sociais, partilhado repetidamente e recomendado entre amigos fez de uma certeza – “Nós somos católicos” – uma sintonia global entre os que concretizam a experiência do cristianismo numa família, a da Igreja Católica.

       A afirmação é traduzida por muitas imagens, pela poesia, pela evocação do empreendedorismo de pessoas e organizações, a inovação humanizante em cada época na saúde, na educação, na assistência. Tudo à escala global e a cada passo comprovada pelas referências constantes, em ruas e cidades, a figuras maiores desta família.

       Em dois minutos, o filme percorre mais de 2000 mil anos de História, evoca grandes feitos e criações e provoca convergências espontâneas entre povos de qualquer canto do mundo para uma certeza: todos estamos unidos a uma Pessoa, Jesus Cristo.

       Diante de qualquer caos, é essa convicção que permite a permanência: a da Igreja e a de muitos nessa família. Existe entre todos um denominador comum que permite somar ou subtrair, acrescentar ou tirar, mas nunca dividir.

       A memória deste vídeo (reveja o vídeo no final do texto) que qualquer motor de pesquisa traz ao ecrã, acontece no contexto de iniciativas que, em todos os tempos e com particular incidência nestes dias, ocorre no nosso “jardim à beira mar plantado” e que reclamam, dos que pertencem a esta grande família, a afirmação clara e convicta de que “Nós somos católicos”.

       Abundam as oportunidades para o fazer, nas dioceses que se reorganizam ou nos projetos que inovam. Basta seguir as propostas que fazem convergir núcleos desta família para um “Dia da Diocese”, “Dia da Juventude”, “Dia da Família”, “Dia das Comunicações Sociais”… Tantos “dias de” onde é possível – e preciso - reclamar a afirmação “Nós somos católicos” e exigir a presença, a participação, o compromisso!

       Não menor é o desafio que recai sobre os promotores de qualquer convocatória. Num contexto social cruzado de eventos e convites é urgente a reformulação de propostas e a qualificação de todos os projetos, mesmo os que acontecem em família.

       Só dessa forma será possível dizer não apenas Nós somos católicos”, mas acrescentar com confiança e a todas as pessoas “Bem-vindo à tua casa!”

 

12.05.12

Pe. Tolentino Mendonça: o elogio do silêncio

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Mesmo que construamos a palavra como uma torre, temos de aceitar que ela (...) muitas vezes nos incapacita para a comunicação

 

        Quando penso no contributo que a experiência religiosa pode dar num futuro próximo à cultura, ao tempo e ao modo da existência humana, penso que mais até do que a palavra será a partilha desse património imenso que é o silêncio. Já a bíblica narrativa de Babel ponha a nu os limites do impulso totalitário da palavra. Mesmo que construamos a palavra como uma torre, temos de aceitar que ela não só não toca cabalmente o mistério dos céus, como muitas vezes nos incapacita para a comunicação e a compreensão terrenas. Precisamos do auxílio de outra ciência, a do silêncio. Já Isaac de Nínive, lá pelos finais do século VII, ensinava: «A palavra é o órgão do mundo presente. O silêncio é o mistério do mundo que está a chegar».

       Na diversidade das tradições religiosas e espirituais da humanidade, o silêncio é um traço de união extraordinariamente fecundo. Na tradição muçulmana, por exemplo, o centésimo Nome de Deus é o nome inefável que não pode ser rezado senão no silêncio. Os místicos não se cansaram de explorar essa via. Veja-se o persa Rûmi (1207-1247) que aconselha ao seu discípulo: «Àquele que conhece Deus faltam-lhe as palavras». Noutra geografia temos a anotação espiritual de Lao-Tsé, «o som mais forte é o silencioso», ou a de Bashô, «silêncio/ uma rã mergulha/ dentro de si», ou a de Eléazar Rokéah de Worms, cabalista judeu que afirmava: «Deus é silêncio».

       Também a Bíblia coteja minuciosamente o silêncio de Deus. E este nem sempre é um silêncio fácil, mesmo se somos chamados a acreditar na verdade do dístico que nos oferece o Livro das Lamentações: «É bom esperar em silêncio a salvação de Deus». O silêncio de Deus fustiga os salmistas: «Ó Deus, não fiques em silêncio; não fiques mudo nem impassível!» (83,2); leva Job a erguer-se numa destemida teologia de protesto; e faz o inconformado profeta Habacuc dizer: «Tu contemplas tudo em silêncio» (Hab 1, 13). O silêncio do Pai será particularmente enigmático na agonia no Getsémani e na experiência da Cruz, onde Jesus lança o grito: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?». Contemplamos neste grito o mistério de Deus e o do Homem no mais devastador silêncio que o mundo conheceu. Contudo, é no lancinante silêncio que sucede ao seu grito que reside a revelação pascal de Deus.

 

José Tolentino Mendonça, Editorial Agência Ecclesia.

15.03.12

Espaço para a autenticidade...

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É urgente que a vida não seja só a acumulação do tempo e do seu cavalgar sonâmbulo

       Gosto, mas gosto muito, que a primeira palavra de Jesus no Evangelho de João seja uma pergunta (e seja aquela pergunta): “Que procurais?” (Jo 1,38). Consola-me ir percebendo que o que sustenta a arquitetura dos encontros e dos desencontros que os Evangelhos relatam é uma espécie de coreografia de perguntas, um intenso tráfico interrogativo, construído a maior parte do tempo a tatear, sem saber bem, com muitas dúvidas, muitos disparos ao lado, muita incapacidade até de comunicar. Isso é uma âncora, por muito que nos custe, pois uma vida só assente em respostas é uma vida diminuída, à maneira de uma primavera que não chegou a ser. Não sei como vai rebentar em nós a primavera, como se vai acender este reflorir que a natureza insinua, este renascer que o gesto pascal de Jesus espantosamente (res)suscita na nossa humanidade. Sei apenas que nas perguntas, mesmo naquelas que são difíceis e nos estremecem, reencontramos a vida exposta e aberta, certamente mais frágil, mas a única que nos permite tocar as margens de uma existência autêntica.

 

       Todos somos habitados por perguntas e elas cartografam zonas silenciosas, territórios de fronteira do nosso ser. Estes dias reencontrei a pergunta de Pilatos (ainda no Evangelho de João): “O que é a verdade?” (Jo18,38). E dei comigo a aproximar esta pergunta de uma das frases emblemáticas de Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,2). Sem querer relativizar a natureza densamente dogmática do enunciado, dei comigo, porém, a revisitá-lo em chave existencial. E era como se Jesus, mestre da vida que incessantemente se reformula em nós, nos desafiasse a uma apropriação. Sim, a uma apropriação. É necessário que perante a multidão dos caminhos percorridos e a percorrer cada um de nós diga: “eu sou o caminho que percorro”. É decisivo que as verdades que acordamos não sejam uma sobreposição, mas uma expressão profunda do que somos: “eu sou a verdade”. É urgente que a vida não seja só a acumulação do tempo e do seu cavalgar sonâmbulo, mas que cada um, pelo menos uma vez, possa dizer plenamente: “eu sou a vida”. Acho que é disto que o mistério pascal fala.

 

José Tolentino Mendonça, Editorial da Agência Ecclesia.

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