1 – Depois de ontem ter celebrado a Solenidade de TODOS os Santos, a Igreja faz hoje memória de TODOS os seus filhos defuntos. As datas seguidas cronologicamente estão igualmente próximas na sua simbologia e mensagem. Celebramos os Santos porque já morreram, sufragamos os defuntos para que vivam em plenitude a bem-aventurança eterna.
2 – Esta tradição, bela, de rezar pelos mortos encontra raízes bíblicas no Antigo Testamento (2 Mac 12, 43-46) e tem uma significação prenhe de esperança iluminada pelo Mistério Pascal de Cristo. É para esta tonalidade esperançosa que nos arrastam as leituras bíblicas das Missas deste dia a fim de que não vivamos esta data como os que não tem fé, como bem nos adverte S. Paulo: “Não queremos, irmãos, deixar-vos na ignorância a respeito dos defuntos, para que não vos entristeçais como os outros homens que não têm esperança. Se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou, do mesmo modo, Deus levará com Jesus os que em Jesus tiverem morrido.” ( 1 Tes 4, 13 – 14).
3 – A nossa região está cheia de tradições que evocam esta devoção: dela falam as “alminhas” que colocadas à beira dos caminhos são um convite a rezar pelos que nos precederam nos caminhos da vida; nas igrejas são muitos os altares das almas, com frequentes representações do Juízo Final; na oração do terço ou do Angelus ainda se conserva, com frequência, uma intenção pelas almas das nossas obrigações e pelas mais abandonadas e o mesmo fazemos neste dia nas visitas aos cemitérios.
4 – No entanto, algumas coisas se vão perdendo: diminui o hábito de oferecer a Eucaristia pelos nossos familiares e benfeitores defuntos; porventura já não se reza pelos mortos quando passamos perto dum cemitério; e, para muitos, já se perdeu a chave de leitura das “alminhas”, não se sabe o que são e muito menos para que servem. Presos na voragem da vida não encontramos tempo para pensar nos mortos, nem na morte, nem para ler os sinais litúrgicos, artísticos e culturais, que frequentemente julgamos doutros tempos e de outro mundo. E, no entanto, a única coisa certa que temos neste mundo é que iremos para o outro mundo. “Desfeita a morada deste exílio terrestre, adquirimos no Céu uma habitação eterna” (Prefácio da Missa pelos Defuntos).
5 – Corremos o risco de vivermos numa cultura cristã uma fé de pagãos. Este é um tempo propício a um olhar mais atento às tradições e símbolos que ainda se conservam e a lê-los devagar com a alma e o coração, para (re)descobrir a mensagem imensa que eles nos transmitem. Olhar - seguindo uma vez mais S. Paulo - para as coisas invisíveis é mais seguro do que olhar só para as visíveis. É que estas são passageiras, ao passo que as outras são eternas.
6 – Pensar na morte não é necessariamente mal, antes pelo contrário, pode ser das melhores maneiras de viver com tranquilidade o nosso quotidiano. Olhamos com serenidade e esperança o presente e o futuro, iluminados pela nossa fé em Cristo ressuscitado. Rezemos hoje o final da bela e tradicional oração “Alma de Cristo”: “Na hora da minha morte, chamai-me e mandai-me ir para Vós para que, com os votos santos, Vos louve por todos os séculos dos séculos. Amém”
Pe. João Carlos,
Pró Vigário Geral da Diocese de Lamego