De onde Lhe vem tudo isto?
1 – A pessoa-outra será sempre um mistério imperscrutável. Os apóstolos fazem essa experiência acerca de Jesus e acerca uns dos outros. O evangelho de Marcos procura responder à questão "Quem é Jesus?" e à medida que o tempo avança os discípulos vão descobrindo novas facetas, pelo que Jesus diz, pelo que faz, mas também de acordo com a sensibilidade de cada um. Nenhum de nós consegue ser objetivo quando emitimos um juízo de valor sobre o outro. Por isso, a mesma pessoa é amada, é odiada e/ou é indiferente. Nesse caso depende mais de quem avalia.
O grupo dos apóstolos é constituído por pessoas muito diferentes entre si; na maioria, são pessoas simples, da classe média-baixa, trabalhadores, assalariados, talvez à exceção de Tiago e João cujo pai é dono de várias embarcações e tem a seu encargo outros trabalhadores. Olhando para a aparência, dificilmente nós daríamos alguma coisa por eles. O mais qualificado – no dizer de Augusto Cury, o único a ser aprovado pelo departamento de recursos humanos de qualquer empresa – seria Judas Iscariotes, que se tornou, primeiro, um dos discípulos mais próximos de Jesus e, depois, odiado e apontado pela traição ao Mestre sem o consequente arrependimento e conversão de vida, como aconteceu com os demais.
Jesus vai à terra que o viu crescer. Todos sabem quem é. Já sabem o que vale. O que ouviram dizer acerca d'Ele não deve corresponder ao que sabem d'Ele. Começam as dúvidas. Ou Ele faz algo de espetacular e acreditamos ou então não passa do filho de José e de Maria, cujos irmãos e irmãs vivem entre nós.
2 – Os conterrâneos de Jesus acolhem-n’O com sentimentos diferentes.
O evangelho deixa-nos perceber que já chegaram ecos dos ditos e feitos de Jesus a Nazaré. Como bom filho à casa volta, Jesus deve sentir-se animado e descontraído, como nós, quando estamos com aqueles que cresceram connosco e nos conhecem bem, com quem brincamos, com quem participámos em festas, nas reuniões familiares e em trabalhos comuns! Jesus está em casa e no sábado seguinte vai à sinagoga. Nos dias anteriores, sem forçar o texto, poderemos concluir que Jesus distendeu com os seus discípulos em casa da família, dos amigos e dos vizinhos, entre refeições, afazeres, conversas animadas, e talvez explicando ao que vinha e o que se dizia.
Chegamos ao sábado, o dia do descanso, da oração e do louvor, do encontro com os outros e da festa em família! Assim deveriam ser os nossos domingos! Jesus cumpre, com os seus discípulos, e apresenta-Se na sinagoga, ensinando. A povoação está ali reunida. A primeira impressão é francamente positiva. As numerosas pessoas presentes estão admiradas com a sabedoria e os feitos de Jesus. Mas estão perplexas, estranhando como alguém dos deles e como eles se pode agora destacar tanto! Como e quando nos ultrapassou?
Não será o que acontece com os nossos amigos ou colegas de carteira? Um ou outro com quem estudamos e que nunca se destacou e, quando voltamos a encontrar-nos, verificamos que teve sucesso, deu-se bem na vida. Como reagimos? Com alegria ou remoendo por dentro por se ter dado melhor do que nós?
O texto sucinto de Marcos não nos permite saber exatamente o que se passou entre o momento de admiração dos ouvintes e a reação de Jesus, pois esta não se ajusta ao bom acolhimento que estava a ter. Mas pelas Suas palavras depreendemos que muitos terão ficado de pé atrás, sem se deixarem tocar pela fé e exigindo, como em outros momentos, que Jesus usasse de espetacularidade como se fosse uma espécie de mágico. Diz-lhes Jesus: «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa».
E conclui o evangelista: "Não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. Estava admirado com a falta de fé daquela gente. E percorria as aldeias dos arredores, ensinando". O verdadeiro milagre é o da conversão.
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Textos para a Eucaristia (B): Ez 2, 2-5; Sal 122 (123); 2 Cor 12, 7-10; Mc 6, 1-6.