ALDOUS HUXLEY - ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
ALDOUS HUXLEY (2013). Admirável Mundo Novo. Lisboa: Antígona. 320 páginas.
Como o próprio título quer indicar, o livro apresenta um admirável mundo novo nas palavras e na "resignação" de quem o lidera. No prefácio à obra na edição de 1946 o autor sublinha que não altera o que escreveu vinte anos antes, ainda que tenha havido algumas mudanças tecnológicas.
É um mundo criado pela ciência, com a capacidade de "criar" pessoas e moldá-las desde a gestão para aquilo para que se destinam. Diríamos que seria a instauração das "castas" a partir da incubação e não através da convenção e da cultura. Por certo o autor apresenta um futuro marcado pelo totalitarismo "genético", em que as vontades se subjugam ao todo e a verdade é escravizada e secundarizada a favor da felicidade, do bem estar, do conforto.
O pessoal não existe, todos pertencem a todos. Cada um, ou cada classe de pessoas, tem a sua tarefa e tem o seu lugar decidido na sociedade. Pensar, refletir, discutir, agir em conformidade com a sua consciência está fora de questão. Todos pertencem a todos. Todos trabalho em prol da estabilidade de mundo. Com recurso à ciência é possível criar pessoas perfeitas que morrerão com a mesma fisionomia e juventude. Evita-se a paixão e os sentimentos intensos. A soma é uma droga com várias finalidades, dormir, estar alegre, esquecer, divertir-se. Até a relação sexual aparece numa perspetiva social, havendo compridos para potenciar a relação sexual que não deve ser exclusiva nem reprodutiva, precisamente para que não haja laços fortes que poderiam estragar a estabilidade. As crianças são produzidas em laboratório, em sentido absoluto, desde a geração/gestação, até aos princípios que a devem reger: se nasce para ser alfa ou beta, é industriado para se sentir bem consigo mesmo, auto-elogiando-se pela inteligência e pela pertença àquele grupo. Mas se for de um grupo inferior é treinado desde o berço para se sentir feliz com a sua condição, sem se questionar.
O cristianismo e a religião são coisas do passado. Ainda que haja quem se lembre e de quem se interrogue... mas convém afastar essas pessoas para que não inquietem as outros, com o perigo de gerar algum transtorno á sociedade do bem-estar e do conforto. é um totalitarismo que resultou da conformação e dos conflitos. As pessoas preferem a estabilidade, então, dá-se-lhes o que pedem, mas subtrai-se-lhes a liberdade, o livre-arbítrio. Escondem os livros do passado, como a Bíblia ou Shakespeare, podem ser leituras subversivas. Aqueles que sonharam ser livres facilmente acabaram por se conformar à situação presente.
É uma leitura muito interessante, que nos fala do passado, do presente e do que poderá ser o futuro. Quantas vezes a liberdade foi comprada com pão? Lembremos a saída do Egito. O povo eleito caminha livremente pelo deserto, mas quanto a fome aperta esquece-se da liberdade e do libertador e quer é voltar a encher o estômago!
No desenrolar da história somos levados ao mundo selvagem onde as pessoas amam, odeiam, se apaixonam, geram filhos e geram vidas, envelhecem e têm "superstições". A redenção para eles não está a acessível, vivem no mundo exterior, têm tradições que matam, têm dissabores, vivem em liberdade, têm deuses. O contacto com os selvagens é arriscada, só se for por uma questão de estudo, para se chegar à conclusão que é um submundo ou por questões turísticas.
No final da obra, no selvagem que veio até ao mundo civilizado, isto é, o admirável mundo novo onde não se envelhece, onde não se tem opinião própria nem vida própria, onde tudo se usufruir mediante um comprimido, no selvagem e na sua estranheza deteta-se ainda assim a curiosidade muito humana, a coscuvilhice, a vontade de ver o sangue dos outros... A ciência era promotora da liberdade, da investigação, da procura da verdade... mas neste admirável mundo novo, a que se chegou pela ciência, recusa-se qualquer inovação que coloque em causa o bem-estar de todos, qualquer discussão ou opinião própria...
Recomendo vivamente este livro que logo me fez lembrar do mito das cavernas, de Platão, um mundo que vive nas sombras e que descobrem que há um mundo das ideias, um mundo luminoso. Falta saber qual é o mundo luminoso, o selvagem da paixão, do amor e da vida, da fragilidade, da doença e da morte, ou o mundo admirável da ciência do bem-estar e do conforto, da renúncia à verdade e à liberdade. A propósito, vale a pena ler também "A Caverna", de José Saramago, no qual o autor português apresenta também um mundo "comercial" formatado, acessível e comprável, pronto para responder às necessidades de cada um como se foram um grande centro comercial, mas uma vez mais sem espaço para a paixão ou a vida própria.
Resta agradecer ao seminarista, o Diogo, que me ofereceu esta belíssima obra no final do seu trabalho pastoral em terras de Tabuaço, Távora, Pinheiros e Carrazedo.