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Escolhas & Percursos

...espaço de discussão, de formação, de cultura, de curiosidades, de interacção. Poderemos estar mais próximos. Deus seja a nossa Esperança e a nossa Alegria...

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10.07.16

Michaeldavide: Etty Hillesum, humanidade enraizada em Deus

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FREI MICHAELDAVIDE (2016). Etty Hillesum. Humanidade enraizada em Deus. Prior Velho: Paulinas Editora. 112 páginas.

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Bento XVI (13 de fevereiro de 2013): "Penso também na figura de Etty Hillesum, uma jovem holandesa de origem judaica, que morrerá em Auschwitz. Inicialmente distante de Deus, descobre-o olhando em profundidade dentro de si mesma e escreve: «Dentro de mim existe um poço muito profundo. E naquele poço está Deus. Às vezes consigo alcançá-lo, mas na maioria das vezes está coberto por pedras e areia: então Deus está sepultado. É necessário que eu o volte a desenterrar» (Diário, 97). Na sua vida dispersa e inquieta, ela encontra Deus precisamente no meio da grande tragédia de Novecentos, o Shoah. Esta jovem frágil e insatisfeita, transfigurada pela fé, transforma-se numa mulher cheia de amor e de paz interior, capaz de afirmar: «Vivo constantemente em intimidade com Deus».

É desta forma que o autor, Frei Michaeldavide apresenta este livro sobre Etty Hillesum, baseado no diário e nas cartas que ela escreveu. Dois dias depois de Bento XVI anunciar ao mundo a sua renúncia como Bispo de Roma, como Papa, em Quarta-feira de Cinzas, apresentava, Etty Hillesum - a par de Pavel Florenskij e de Dorothy Day - como modelo de fé, de conversão, de intimidade com Deus.

Etty Hillesum nasceu na Holanda, em 15 de janeiro de 1914 e viria a ser morta em Auschwitz, por ser de descendência judia, no dia 30 de novembro de 1943.

Nas palavras do autor, Etty Hillesum é uma "mulher, cuja vida está prestes a ser violentamente despedaçada, acredita - ainda consegue acreditar - que algum transeunte saberá recolher este seu bilhetinho... Etty Hillesum é uma jovem mulher que soube transfigurar- a própria vida, deixando-a amadurecer até à plenitude, aprendendo a rezar e a meditar... Mediante a oração aprendeu a meditar sobre as trevas humanas através da luz de Deus, sem as negar, mas também sem as tornar mais densas... como jovem mulher judia holandesa do seu tempo, Etty Hillesum vive e abraça até ao fundo o contexto terrível de uma das páginas mais sombrias da humanidade - talvez a mais tenebrosa, por ter sido concebida e dada à luz pela civilização europeia enraizada na tradição do cristianismo...

Há um mal presente, mas também há um bem que está presente na vida, que nenhum mal se pode tornar tirano no sentido de chamar toda a atenção sobre si próprio. Nisto Etty Hillesum é mestra de total lucidez: na capacidade de atribuir um nome preciso àquilo que se pode verificar de negativo, sem esquecer que, no preciso momento em que qualquer coisa de terrivelmente negativo está a acontecer, continua a crescer o bem, que existe desde sempre e que é o futuro, enquanto o mal não tem futuro, mesmo quando parecer tão tremendo que atrai toda a nossa atração...

Algumas expressões de Etty Hillesum:

"Entre a vida que recebemos e a vida que devemos receber oscila a nossa vida, aquela que, de momento, vivemos ou não vivemos" 
"Se toda a dor não alargar os nossos horizontes e não nos tornar mais humanos, libertando-nos das mesquinhices e das coisas supérfluas desta vida, terá sido inútil"
"O homem ocidental não aceita a dor como parte desta vida: por isso, nunca consegue extrair forças positivas" 
"Fomos marcados para sempre pela dor. Contudo, a vida é maravilhosamente boa... basta que façamos com que Deus, apesar de tudo, esteja em segurança nas nossas mãos"
"Sermos verdadeiramente felizes sem voltar as costas a todo o sofrimento" 
"Meu Deus, dou-te graças por me teres criado tal como sou. Dou-te graças porque às vezes me permites estar tão cheia de vastidão, daquela vastidão que não é senão o meu ser transbordante de Ti" 
"Somos sobretudo nós próprios que nos roubamos. Acho a vida bela e sinto-me livre. Os céus estendem-se tanto dentro como acima de mim. Creio em Deus e nos homens e atrevo-me a dizê-lo sem falso pudor. A vida é difícil, ma isso não é grave" 
"É verdade que de vez enquando podemos estar tristes e abatidos por aquilo que nos fazem, é humano e compreensível que assim seja (...) A vida é difícil, mas não é grave. Devemos começar a tomar a sério o nosso lado sério, o resto virá por acréscimo: e «trabalharmo-nos a nós mesmos» não é propriamente uma forma de individualismo doentio. Uma paz futura só o poderá ser verdadeiramente se antes tiver sido encontrada por cada um dentro de si próprio - se cada homem se tiver libertado do ódio contra o próximo de qualquer raça ou povo, se tiver superado esse ódio e o tiver transformado em algo diferente, talvez a longo prazo, em amor, se isto for pedir de mais. É a única solução possível. Esse pedacinho de eternidade que trazemos dentro de nós tanto pode ser expresso numa palavra como em dez volumes. Eu sou uma pessoa feliz e bendigo a vida, bendigo-a precisamente neste ano do Senhor de 1942, enésimo da guerra" 
"Estamos em casa. Estamos em casa sob  céu. Estamos em casa em qualquer lugar, se trouxermos tudo dentro de nós. Muitas vezes me tenho sentido, e ainda sinto, como um navio que transporta a bordo uma carga preciosa: os cabos são cortados e agora o navio parte,livre para navegar por toda a parte. Temos de ser a nossa própria pátria"
"Dentro de mim há uma nascente muito profunda. E nessa nascente está Deus. Por vezes, consigo alcançá-lo, a maior parte das vezes, está coberta de pedras e de areia: nessas alturas, Deus está sepultado. Então há que voltar a desenterrá-lo. Imagino que certas pessoas rezam com os olhos fixos no céu: elas procuram Deus fora de si. Há outras que inclinam a cabeça, escondendo-a entre as mãos: creio que estas procuram Deus dentro de si" 
"De repente, compreendi como uma pessoa, com o rosto escondido atrás das mãos juntas, pode deixar-se cair violentamente de joelhos e depois ter paz"
"E se Deus deixar de me ajudar, então serei eu a ajudar Deus".
"Uma pessoa deve viver a sua própria vida" 
"Prometo-te uma coisa, meu Deus, só uma pequena coisa: tentarei não tornar o hoje mais pesado com o peso das minhas preocupações pelo amanhã.. Tentarei ajudar-Te para que Tu não sejas destruído dentro de mim, mas não posso prometer nada a priori. Uma coisa, porém, se torna cada vez mais evidente para mim, ou seja, que Tu não nos podes ajudar, mas que somos nós que Te ajudamos a Ti e, desse modo, ajudamo-nos a nós mesmos. A única coisa que podemos salvar destes tempos, e também a única coisa que conta de verdade, é um pedaço de Ti em nós mesmos, meu Deus. E talvez também possamos contribuir para te desenterrar dos corações devastados dos outros homens. Sim, meu Deus, parece que Tu não podes fazer muito para modificar as circunstâncias atuais, mas também elas fazem parte desta vida. Eu não ponho em questão a tua responsabilidade, mais tarde serás Tu a declarar-nos responsáveis a nós. E quase a cada batimento do meu coração aumenta a minha certeza: Tu não nos podes ajudar, mas cabe-nos a nós ajudar-te a ti, defender até ao fim a tua casa em nós... Alguns querem a todo o custo salvar o seu próprio corpo. Dizem: não me apanharão a mim. Esquecem-se que não se pode cair nas mãos de ninguém estando nos teus braços. Começo a sentir-me um pouco mais tranquila, meu Deus, depois desta conversa contigo. Daqui por diante, discorrerei contigo muitas vezes, e, desse modo, impedir-te-ei de me abandonares. Comigo passarás também por períodos de escassez, meu Deus, tempos escassamente alimentados pela minha pobre confiança; acredita, porém, eu continuarei a trabalhar para ti e a ser-te fiel, e não te expulsarei do meu território" 
"A escola da oração torna-se  para ela escola de humanidade e uma maneira de estar na presença de Deus, de si própria e do mundo que a rodeia numa medida cada vez mais harmoniosa e capaz de plena responsabilidade e de respeito absoluto, inclusive pelo inimigo...
"No meio daquele caos e daquela miséria, vivo de tal maneira a um ritmo meu, que a cada instante, enquanto escrevo à máquina aquelas cartas, posso embrenhar-me nas coisas que acho mais importantes. Não se trata de me isolar da dor que tenho à minha volta, sem sequer de uma forma de apatia. Suporto e guardo tudo dentro de mim mas sigo em frente pelo meu caminho".
"Meu Deus, ainda não se dão conta de que todas as coisas que existem são areias movediças, a não ser Tu" 
"Prefiro estar sozinha e ser para todos"
"A nascente de cada coisa deve ser a própria vida, nunca outra pessoa. Muitos, porém - sobretudo as mulheres -, vão buscar as próprias forças aos outros: a sua nascente é o homem e não a vida"
"Devo tornar-me mais simples, deixar-me viver um pouco mais. Não pretender ver resultados imediatos. Agora sei qual a minha cura: acocorar-me a um canto e escutar aquilo que tenho dentro de mim própria".
"Falarei contigo, meu Deus. Posso? como as pessoas vão desaparecendo, não me resta outra coisa senão o desejo de falar contigo. Amo assim tanto os outros porque em cada um deles amo o pedacinho de Ti, meu Deus. Procuro-Te em todos os homens e, frequentemente, encontro neles alguma coisa de Ti. E procuro desenterrar-Te do seu coração, meu Deus" 
"E, quando a borrasca for demasiado forte, e eu já não souber como escapar, restar-me-ão sempre duas mãos juntas e um joelho dobrado. É um gesto que a nós, judeus, não foi transmitido de geração em geração. Tive de aprendê-lo a custo. É a herança mais preciosa que recebi do homem de quem já quase esqueci o nome, mas cuja parte melhor continua a viver em mim. Como é estranha a minha história - a história de ua rapariga que não se sabia ajoelhar. Ou, com uma variante: da rapariga que aprendeu a rezar. É o meu gesto mais íntimo" 
"Meu Deus, às vezes não consigo entender nem aceitar aquilo que os teus semelhantes nesta terra fazem uns aos outros, nestes tempos tempestuosos. Contudo, isso não me leva a fechar-me no meu quarto, meu Deus: continuo a olhar as coisas de frente e não quero fugir diante de nada... Olho de frente para o teu mundo, meu Deus, e não fujo da realidade para me refugiar no sonhos - ou seja, mesmo perante a realidade mais atroz, há lugar para sonhos maravilhosos - e continuo a bendizer a tua criação, apesar de tudo"

Para conhecer melhor, a vida e o pensamento de Etty Hillesum:

A MINHA VIDA É UMA SUCESSÃO DE MILAFRES.

Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

24.06.16

LEITURA - Lucien Israël . CONTRA A EUTANÁSIA

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LUCIEN ISRAËL (2016). Contra a Eutanásia. Lisboa: Multinova. 136 páginas.

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       A temática da Eutanásia, a suposta defesa da dignidade humana, através da morte induzida a quem nos parece estar a sofrer, por decisão do próprio ou da família, ou por opção médica... volta a estar na moda para alguns partidos políticos... Depois da introdução de temas fraturantes, na sociedade portuguesa, voltam-se agora para a Eutanásia, colocando-a em paralelo com o aborto ou a defesa dos animais... infelizmente vai chegar o tempo e já chegou, que é crime matar ou maltratar um animal, mas é legal e justo maltratar e matar um ser humano.

       Vejamos algumas razões por que Lucien Israël é contra a eutanásia e a favor da vida e da dignidade da pessoa:

  • Os defensores da despenalização/liberalização da eutanásia são pessoas saudáveis
  • Quando ficam doentes, os defensores da eutanásia, deixam de a pedir para si próprios
  • Os idosos holandeses têm emigrado para a França ou outros países onde a eutanásia não é legalmente aceite
  • Os familiares, por motivos diversos, por cansaço, porque a pessoa doente ou idosa se tornou um fardo, porque não querem deparar-se com o sofrimento e com a morte, desejam a eutanásia, isto é, a morte para os seus familiares... porque adiar por 6 meses se já não vai sobreviver...
  • Seis meses, diz o autor, pode significar, novas terapêuticas, e ganhar 4 ou 5 anos, ao fim dos quais podem ter surgido novos fármacos capazes de dar mais qualidade e mais tempo à vida
  • Como médico oncologista, o autor só se deparou com um caso de pedido expresso do próprio doente...
  • A longevidade da vida... 4 gerações que podem ser 5 que convivem... fardo para a Segurança Social e para os sistemas de providência e seguro, que tornam oneroso a sobrevivência dos mais idosos ou das pessoas doentes...
  • Com o avanço da medicina, é possível aliviar os sofrimento de maneira aceitável, ainda que se aumentem as doses e em consequência se possa diminuir o tempo de vida...
  • Com o avanço da medicina, mais camas são ocupadas... é preciso disponibilizar camas para os que vão chegando...
  • A aposta na eutanásia vai significar a não-aposta na medicina, na investigação, nos cuidados paliativos. A eutanásia pode ter mais motivos económico-financeiros que compaixão pela pessoa em sofrimento.
  • O pedido da eutanásia muitas vezes é uma cedência aos familiares, para não se ser um fardo, um estorvo... deixam-se convencer... um exemplo de uma mulher com uma doença terminal... os filhos, vendo que não haveria cura, convenceram a mãe que era melhor acabar com a vida, para ela e, sobretudo para os filhos, ela aceitou, já que os filhos achavam que era o melhor...
  • Muitos dos defensores da eutanásia colocam-se como defensores da liberdade e todos os que não estão de acordo são retrógradas, conservadores, ditatoriais...
  • Os médicos estão no lado da vida, da defesa da vida, procurando com a sua arte ajudar as pessoas, curando-as, aliviando-lhes o sofrimento, dando sentido às suas vidas... os médicos não podem tornar-se carrascos... quem irá confiar num médico, em quem confia e coloca a vida, sabendo que em algum momento esse médico optará pela morte?!
  • A solidariedade intergeracional começa a estar em causa. A eutanásia significa que as gerações anteriores estão em risco, porque as mais novas não se comprometem com a sua sobrevivência... porquê gastar dinheiro em centros de cuidados paliativos quando se pode acabar com o sofrimento dos outros, herdar mais cedo o que lhe pertencerá posteriormente e aliviando o peso da Segurança Social?

       Lucien Isräel, um não-crente e homem da ciência. Este francês foi médico e professor universitário de Pneumologia e Oncologia. Deu aulas em França, Estados Unidos da América, Canadá e Japão. Fez parte também de várias organizações da área da oncologia e da investigação, chegando mesmo a fundar o Laboratório de Oncologia Celular e Molecular Humana, em Paris. Foi membro da Academia de Ciências de Nova Iorque.

       É um livro-entrevista, publicado em França em 2002, mas com uma atualidade surpreendente.

31.01.16

Leituras: MICHELLE KNIGHT - DEPOIS DO INFERNO

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MICHELLE KNIGHT, com Michelle Burford (2014). Depois do Inferno. Alfragide: Casa das Letras. 276 páginas.

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A realidade ultrapassa a ficção. A imaginação cria cenários de extraordinária beleza, recria e inventa histórias que ultrapassam qualquer situação do nosso dia a dia. Novelas, séries, filmes que nos envolvem, positiva e negativamente. Como nas notícias, assim também nos trabalhos ficcionados, cada vez é maior a violência, a degradação, os crimes, bem pensados e executados. A este propósito poderíamos concluir que a ficação evolui com a realidade. Preferível que a ficção fosse apenas ficção, para distrair e descomprimir. Porém, o que é ficcionado muitas vezes não chega ao sofrimento real e a situações que estaríamos longe de imaginar.

Este é um livro, um relato real, que deixa transparecer a violência, a degradação e a depravação, a malvadez. Certamente que nunca conseguiremos entrar totalmente na mente ou no coração de Michelle Knight. Mas ficamos aterrados com a enormidade dos sofrimentos e dos maus tratos que lhe foram infligidos.

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Nunca teve uma vida feliz. Vivia numa carrinha, roubavam para comer. Depois morou numa casa em que de dia para dia apareciam mais familiares para com eles viverem. Durante anos foi violada por um familiar. Até que resolveu sair de casa, tornando-se sem.abrigo e traficante. Ficou grávida. Voltou a casa, depois do traficante de droga que mandava ter sido preso. Depois do nascimento do filho, os abusos continuaram. Um dia, o homem que a violava, agrediu com violência o seu filho Joey, pelo que a Segurança Social lhe retirou a guarda, apesar de não ser diretamente culpada. Tem de andar vários quilómetros para ir às audiências para tentar reaver o filho. Muda-se para casa de uma prima, Lisa. Começa a procurar empregro/trabalho, todos os dias.

No dia 23 de agosto de 2003, é o dia agendado para a audiência nos serviços sociais. Recusa do transporte assegurado pela segurança social porque um familiar se disponibiliza para a levar, mas chegado o dia não está disponível. Procura todas as formas pro se dirigir para a audiência, mas não sabe onde fica, caminha por muito tempo, pergunta mas ninguém sabe onde fica o local. Regressa ao seu bairro, continua a perguntar, na Loja da Family Dollar, mas sem sucesso. Aparece então Ariel Castro - o animal - que lhe diz que a pode levar, pois sabe onde fica. Como é pai de Emily, amiga de Michelle, esta, ainda que renitente, aceita a boleia e acabará por entrar na casa do "animal", para só sair sair 11 anos depois.

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Entretanto, Ariel Castro rapta mais duas jovens. São tratadas como animais, escravas sexuais, recorrendo à violência, e com pouco alimento. Além das condições inundas, dos maus tratos, da violência, ainda a fome. Ao longo dos anos, sempre com uma réstia de esperança sob as ameaças constantes, vão sofrendo o que há de mais atroz. Michelle engravida, durante o rapto, 4 vezes. Os fetos são abortados pela violência exercida sobre ela. É a mais odiada e por isso a mais violentada. Gina, a jovem raptada algum tempo depois tornar-se-á uma amiga importante para a animar nos momentos mais negros. A fé é outro ingrediente que a alimenta. As duas são as mais sacrificadas, ainda que Gina tenha sido mais preservada. Amanda, por sua vez, é "favorecida" porque o "animal" a considera esposa. Engravida e como a considera esposa deixa que a filha nasça. Depois do nascimento, leva a filha a passear de carro.

6 de maio de 2013, 11 anos depois, Ariel de Castro saiu de casa e Amanda aproveitou para pedir ajuda. Foram libertadas, Ariel castro viria a ser preso, tendo sido posteriormente condenado a prisão perpétua. Enforcou-se pouco tempo depois. Cada uma à sua maneira, as três vítimas de rapto tentam refazer a vida. Michelle mantém-se afastada da família e também do filho que foi adoptado aos 4 anos de idade, pelo que para preservar a vida do filho se tem mantida afastada.

É um testemunho arrepiante, mas de algum modo terapêutico para a autora. Ao mesmo tempo uma chamada de atenção para um número considerável de raptos. Os EUA nesta matéria são muito flagelados. É um desafio para que as mães cujos filhos foram raptados não percam a esperança e não deixem de procurá-los e também para que as pessoas quando virem algo suspeito, por menor que sejam, contactem as autoridades de imediato.

"Só através do perdão poderei recuperar a minha vida. Se não o perdoar, será como ficar presa duas vezes: primeiro, enquanto ele me sequestrou na sua casa e, agora, mesmo depois de ele ter morrido. Estou a deixar que o meu ódio por ele se vá esfumando para que eu possa verdadeiramente ter a minha vida de volta".

 

Outra história semelhante, o rapto e a luta pela dignidade:

Natascha Kampusch, 3096 dias, Edições Asa: 2011 

29.11.15

Leitura: José Luís Martins: OS INFINITOS DO AMOR - reflexões

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JOSÉ LUÍS NUNES MARTINS (2015) Os Infinitos do Amor. 53 reflexões. Lisboa: Paulus Editora. 224 páginas.

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       Semana a semana chegam-nos as reflexões de José Luís Martins, contribuindo para que o ambiente digital fique mais rico com a sua partilha, e muitas pessoas se deliciem numa leitura poética, simples de perceber, envolvente, tocando a vida nas suas variadíssimas expressões, alegria, tristeza, solidão, morte, a força das palavras, a abertura para fé, o compromisso com o bem e com a verdade, a morte, a luta, a vida como caminho, a amizade, o trabalho e a família, a felicidade, o bem e o mal, a eternidade.

       O livro com que nos presenteia permite-nos (re)ler, sublinhar uma ou outra frase. O formato de papel de algum modo permite-nos assimilar melhor cada texto, sugestão, desafio e facilmente voltar a folhear e a escolher uma reflexão para uma ou outra ocasião. Pelo menos para quem aprendeu a mexer, tocar, manusear as folhas. Mas seja neste formato de livro impresso, seja através das plataformas digitais, as reflexões de José Luís Martins são provocantes (no bom sentido), comprometem-nos com o melhor de nós, lutando, não desistindo, não desvalorizando as qualidades pessoais para agir, pôr em prática. As obras, o agir, as escolhas e opções testam os dons. A partilha, a humildade de se colocar ao serviço dos outros, potenciando o melhor daqueles com quem nos cruzamos; apostando no ser e não tanto no ter; mais na autenticidade e não tanto nas aparências; não baixar os braços mesmo quando as dificuldades são muitas; aprender a gostar de si mesmo, sentindo-se bem consigo para se poder dar aos outros; a certeza que o amanhã virá a seguir às nossas noites por mais escuras e frias que sejam.

       Como refere o Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada, José Luís Martins é, mais que um filósofo, um pensador, um pensa-dor. A vida é um mundo denso e intenso. Vida e morte. Alegria e luto. Júbilo e tristeza. Paz e ansiedade. Perda e sofrimento. Há sempre esperança. A vida depende muito do que sou, das opções que toma, das atitudes que assumo. Há que gastar bem o tempo, que é breve, mudar o que depende de nós mudar e não gastar tempo com o que não depende de nós.

       A fé e a mensagem cristã deixa-se facilmente intuir nas ideias e convicções expressas pelo autor.

       Sublinhado, inolvidável, para Carlos Ribeiro que ilustra de forma simples e intuitiva cada mensagem.

       Valerá a pena transcrever algumas expressões que se espalham pelo livro:

"A felicidade depende sempre mais de nós do que das circunstâncias".
"A pobreza não retira a dignidade a ninguém, mas a riqueza pode fazê-lo com facilidade" 
"Devemos concentrarmo-nos no que temos, agradecer quando temos acesso ao essencial e procurar e procurar que aquilo que excede as nossas necessidades possa chegar a quem dele precisa" 
"É possível viver num palácio sem se deixar corromper por isso. Há quem se sirva dos seus bens para ser uma bênção na vida dos outros: esse é rico, muito rico no que importa. Fez-se feliz, por se ter feito pobre para que outros sejam ricos... fez-se rico, por ter sido capaz de dar tudo!" 
"Não é o peso da cruz que importa, mas sim a força dos ombros que a carregam".
O passado não se altera, mas o futuro pode sempre ser diferente". 
"Os que nos amaram deram-se-nos. Não se perderam porque existem em nós. Sou também aquele que amou. Que me ama... A saudade é muito mais doce mas, qual espada, muito mais dura, afiada e longa. Parece destruir o que celebra. Trata-se de uma das tristezas mais fundas... a de se haver perdido o que se teve, a de se continuar a amar o que já não está aqui connosco. A de se continuar a ser dois depois de deixarmos de sentir o outro". 
"As adversidades como a morte, a doença grave ou uma tragédia, mais séria não se conseguem anular, faça o que se fizer. Aplicar aí a nossa coragem, vontade e persistência no sentido de destruir isso só terá um resultado efetivo: aniquila-nos, porque estaremos a tentar empurrar, não uma pedra pesada, nem sequer uma montanha mas o próprio peso do mundo... sem termos os pés assentes em nada". 
"Não há heróis de um gesto só. Ninguém chega a ser bom de um momento para o outro. As grandes obras são consequência de percursos em que a vontade se sobrepõe à natureza passiva repetidas vezes... Ninguém chega a ser mau de súbito. Os grandes disparates aparecem na sequência de outros disparates, menores, que vão corrompendo com paciência e determinação os alicerces da nossa liberdade, a fim de que, convencidos de que somos mesmo assim, aceitemos fazer o que nos prejudica e arruína a nossa verdadeira felicidade". 
"Agradecer e perdoar fazem diferença. Muita. Em mim e no outro. Sempre.... Um olhar, uma palavra, um silêncio ou um pequeno gesto, são suficientes para levar trevas ou luz à vida de outros. Assim. Num instante. Dependemos uns dos outros. Nós não somos sós. Nunca. Por maior que seja a solidão em que nos sentimos. Por maior que seja a escuridão e o frio, há sempre alguém que chegará. Sempre. Sempre. Por mais que demore". 
"A vida precisa de tempo, ma não há pior do que adiar... muitos julgam que o momento de amar pode ser outro. Que sempre haverá tempo depois do tempo. Errado. O tempo não é nosso e que, portanto, não está ao nosso dispor". 
"O amor leva-me ao outro. Supero os meus limites, do espaço e do tempo. Porque me dou, passo a existir também no que me ultrapassa. Sou mais. Só o amor permite a conquista da eternidade. Só o amor resiste ao nascimento e à morte. Qualquer vida que nasce brota de um amor, de uma entrega gratuita e incondicional de algo ao espaço e ao tempo sem fim... A nossa vida não nos pertence. Somos uma parte do todo. Não o centro. Não estamos vivos, somos vida. Uma vida cheia de mistérios, mas de beleza sublime. Podem as lágrimas e sofrimentos parecer a eternidade... mas só o bem não tem fim... O amor faz-nos renascer a cada vez que parece matar-nos.
Somos mais do que tempo. Muito mais". 
"O orgulho, a vaidade e a soberba andam quase sempre juntos. São os superiores aliados da ignorância! O orgulhoso coloca-se a si mesmo acima da realidade. Mas, não só se julga superior aos outros como ainda deseja que eles partilhem dessa mesma opinião, ou seja, que todos pensem que ele é o melhor! Mais ainda, por se julgar o assim o suprassumo, considera poder tratar os outros como seus inferiores!" 
"No amor, apenas as intimidades devem estar em comunhão. Sem confusão, sem exclusão, sem que se anule parte alguma de cada um. Há quem se faça demasiado próximo e por isso anule o outro. Não. É preciso que haja espaço e tempo para que cada um possa ser quem é e o quer ser. Não se trata de nos defendermos, mas tão-só de respeitarmos o outro". 
"Há quem prefira partir do que chegar. Quem busque descobrir todos os cantos e mistérios do mundo... mas há também quem apenas queira ser feliz em qualquer lugar, buscando-se a si mesmo... nos outros. Só quem se busca se pode encontrar. Muitos são os que andam perdidos... mas o amor implica uma saída de si, uma aceitação do outro como outro, não como alguém em quem posso (e julgo dever) replicar o que sou. Só quando me esqueço de mim posso descobrir a verdade do outro. Apenas o olhar dos que nos amam importa, porque só esse nos vê, só esse nos revela quem somos". 
"À solidão não se opõe a multidão, mas o amor. Aquilo de que alguém abandonado está à procura é de alguém próximo, não do aplauso de um monte de gente." 
"Aquele que quer ser feliz deve dar-se. Ser é amar e amar é dar-se. Ninguém pode ser nada se não na sua relação com os outros e com o mundo. O ser mais perfeito seria imperfeito se se fechasse em si mesmo e assim se reduzisse à sua própria individualidade. A vida é o dom de ser dom. Serve para se chegar à vida do outro. Para ser o que lhe falta... amando-o." 
"A sinceridade jamais pode ser a razão para magoar alguém. Ser sincero é também saber escolher o que dizer e o que calar. Não devemos dizer tudo quanto pensamos, mais ainda se não o tivermos pensado com honestidade e inteligência. O silêncio é parte essencial da verdade e da sinceridade". 
"Há boas paixões. São as que trabalham como um fermento. De forma pacata, pacífica e paciente. Animam, mas não dominam. Orientam, mas não decidem. Iluminam, mas não cegam... Por paixões comuns, há quem perca a cabeça, o coração e a alma. Uma paixão forte que se consente pode fazer com que a mais digna das pessoas se destrua... se consuma, não ficando senão as cinzas em que ardeu. 
"A verdadeira chama, aquela que nos ilumina, aquece e orienta, não é a das paixões, é a chama da vida. A vida ela própria, assim, simples e pobre na aparência. Aquela vida que tem consciência de que é, em si mesma, um dom. Uma luz. Um presente do divino. Uma presença divina. Não se trata de uma alegria de cumprir fantasias, antes sim da virtude suprema de saber apreciar os momentos da vida sem necessidade de ser sob a séria ameaça de a perder. Este é o único fogo que não consome".

16.11.15

Leitura: SONALI DERANIYAGALA - Vida Desfeita

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SONALI DERANIYAGALA (2015). Vida Desfeita. Braga: Nascente. 240 páginas.

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Na manhã do dia 26 de dezembro de 2004, um violento TSUNAMI com uma abalo de 9,3 na escala de Richter, ao largo da ilha Sumatra, na Indonésia, gerando três ondas gigantes pelo sudeste asiático. O fenómeno resultou da fricção das placas tectónicas indo-australiana e euroasiática, gerando energia equivalente à explosão de milhares de bombas atómicas. Sentiu-se em África, mas com maior incidência na Ásia do Sul. Países afetados: Indonésia, Sri Lanka, Índia, Tailândia, Malásia, Maldivas e Bangladesh.

 

230 mil mortos e desaparecidos. Na Indonésia, 166 mil mortos. No Sri Lanka 40 mil pessoas perderam a vida; na Índia, 18 mil, e a Tailândia 8 mil.

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(Marido e filhos)

Aqui começa este Livro autobiográfico de Sonali Deraniyagala. Uma ONDA (título original) aproxima-se. A amiga, com quem estava a conversar, Orlantha, vislumbrou a aproximação do mar. Estranho. A espuma cada vez mais perto transforma-se em ondas. Castanhas e cinzentas. O mar cada vez mais perto. Rapidamente saem, ela, a amiga, o marido, os dois filhos. Para trás ficam os pais de Sonali. Um jipe dá-lhes boleia. O jipe avança mas a água também, a água começa a estar dentro do jipe, subindo, acabando por capotar. Sonali sente uma aperto, uma forte dor no peito, não vê ninguém, nem a amiga, nem o marido, nem os filhos, parece um sonho. "O meu corpo  estava enrolado e eu girava a grande velocidade... Fui empurrada pelo meio de ramos de árvores e arbustos e, de vez em quando, os meus joelhos e cotovelos embatiam em algo duro".

Flutuando de costas, vendo o céu azul. "Uma criança flutuou na minha direção. Um rapaz. A sua cabeça estava à tona e ele gritava. Papá, papá. Ele agarrava-se a algo. Parecia o banco partido de uma carro... À distância pensei que este rapaz fosse o Malli [o filho mais novo]. Tentei alcançá-lo... Vem à mamã, disse eu, bem alto. Depois vi a sua cara de perto. Não era o Mal. No instante seguinte, fui arrastada para o lado e o rapaz desapareceu".

Vai flutuando, tentando agarrar-se a alguma coisa, até que consegue alcançar um ramo e ficar com os pés no chão. "Estava dobrada ao meio e não conseguia endireitar-me. Agarrei os meus joelhos, estava ofegante, a sufocar. Tinha areia na boca. Definhava e cuspia sangue. Não parava de cuspir e cuspir. Tanto sal. Senti o corpo muito pesado. As minha calças estão-me a pesar, pensei. Tirei-as".

Tenta-se manter de pé, com a lodo a circundá-la. Ouve vozes que se aproximam. "Eles não me viam e eu não os via a eles". Um voz faz-se ouvir: "Há alguém aqui, já pode sair, a água desapareceu, estamos aqui para ajudar". Atónita, não se mexeu. Uma criança pede socorro e que atrai os homens. Nesse momento também a descobrem e, pacientemente a socorrem. Um deles tirou a camisa e atou-lha à cintura.

Este é o começo. Pela frente uma longa história, intensa, sofrível, com encontros e desencontros. Tempo para confirmar que o marido, os filhos e os pais morreram. Ao longo destas dezenas de páginas, Sonali testemunha a dor intensa pela perda, na tentação da desistência, a culpabilização, primeiro evitando os mesmos lugares de outrora, para não sofrer, depois indo em busca de sinais nos lugares em que viveu com o marido e os filhos. Refazer a vida sem aqueles que lhe davam sentido.

É uma história emocionante, um testemunho vivido. Percebe-se que o Psicoterapeuta conclui que uma das formas de ajudar Sonali era desafiá-la a por por escrito tudo o que recordava. Voltar aos lugares em que fora feliz e descobri o medo de viver sozinha sem os filhos e sem o marido. Rever os filhos nos amigos dos filhos, da mesma idade e imaginando-os em diferentes situações.

Sonali nasceu e foi criada em Colombo, no Sri Lanka. É licenciada em Economia pela Universidade de Cambridge e doutorada pela Universidade de Oxford. Divide o tempo entre Universidades, entre Londres e Nova Iorque.

O livro foi publicado em 2013 e foi considerando o melhor do ano na categoria de não-ficção pelo New York Times. Temporalmente fixa-se em 2004 e estende-se até 2012, anos que se sucederam ao Tsunami.

28.10.15

Paróquia de Tabuaço: Todos os Santos e Fiéis Defuntos

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Dias 1 e 2 de novembro marcam o início do mês das almas, com a solenidade de Todos os Santos e Comemoração dos Fiéis Defuntos, que faz deslocar milhares de pessoas, que regressam onde repousam os restos mortais dos seus familiares e amigos falecidos. A memória, a gratidão, mas também a fé, a celebração da vida e da esperança em Deus, congregam crentes ou menos crentes.

Para dúvidas que possam surgir, para aqueles que estejam em Tabuaço ou queiram deslocar-se à nossa paróquia e participar nas diferentes celebrações, aqui ficam os horários. Juntam-se já a indicação de outras atividades pastorais / celebrações, que envolvem a comunidade paroquial de Nossa Senhora da Conceição.

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11.09.15

Leituras: SOFIA LISBOA - NUNCA DESISTAS DE VIVER

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SOFIA LISBOA, com Natália Heleno Pereira (2014). Nunca Desistas de Viver. Alfragide: Lua de Papel. 208 páginas.

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        Sofia Lisboa era a vocalista dos Silence 4, banda cujo sucesso ainda lhes é reconhecido. Depois da banda terminar, tornou-se professora de fitness. Casou, engravidou, tinha tudo para ter a vida que sempre sonhou. Nova, bonita, realizada profissionalmente, com amigos. Mas eis que o telefonema lhe corta a vida em duas metades (antes e depois do telefonema): leucemia (um tipo dos mais graves). Tinha sobre si a sentença da morte.

      A pessoa que passa por uma grave doença, por um cancro, reage à sua maneira. Parafraseando Tolstoi,  as famílias felizes são iguais, as famílias tristes são originais, pois cada uma sofre à sua maneira, única, especial, irrepetível. Também as pessoas a quem a doença e/ou o sofrimento profundo bate à porta. Não há duas doentes iguais, ainda que a doença seja a mesma. A pessoa, com a sua predisposição, a sua educação, o seu otimismo ou o seu pessimismo, a família e os amigos que têm ou não tem. Tudo é diferente. Refira-se que quando a doença chega não leva em linha de conta se a pessoa é pobre ou rica, feliz ou infeliz, se é feia ou bonita, magra ou mais forte.

       Sofia Lisboa passou por diversas fases. Por momentos de esperança e otimismo, por momentos de tristeza e decepção. Não lhe faltaram os amigos. A família. O marido que a acompanhou intensamente durante o período mais difícil (viriam a separar-se, tão grande foi o desgaste da doença). Logo no início, a perda do bebé, consequência inevitável para iniciar os tratamentos. Foi a primeira grande perda, e com essa perda também a impossibilidade de ser novamente mãe (biológica).

       Vieram os tratamentos. Durante vários meses. Encontrou pelo caminho profissionais que eram amigos e competentes, mas também profissionais indispostos com a vida. A irmã deu-lhe uma segunda vida, já que a medula era compatível. O transplante trouxe a esperança, mas o combate ainda estava longe de ser bem sucedido, física e mentalmente. Para que o próprio organismo aceitasse a medula da irmã, foi submetida a intensos tratamentos, nomeadamente cortisona. Chegou um momento que dependia em tudo dos outros. Aumentou de peso, tinha pelos pelo corpo inteiro, usava fralda, não se podia levantar. Havia dias que o desejo era "partir", não fosse o peso que colocaria na família e nos amigos. Tinha perdido tudo: a beleza, a vida (de outrora), o filho, o marido...

       A família e os amigos fizeram-lhe "ver" que havia que viver não em função da vida anterior mas da que está pela frente. Como ela, como todos, é sempre mais fácil falar.

       Com a recuperação, também a possibilidade de fazer novas coisas, de começar a sair, ainda que com muitos cuidados. Outro dos propósitos era juntar o grupo Silence 4. A David Fonseca, o "razito" que teve o sonho de formar uma banda, apostada no som acústico e em duas vozes, uma masculina e outra feminina, pediu que voltasse a reunir o grupo. Se sobrevivesse então estaria lá para agradecer, cantar, vibrar, se morresse seria uma espécie de tributo e eternização. Uma parte da receita, como veio a acontecer, seria para a Liga Portuguesa contra o Cancro.

        Outro dos propósitos era escrever um livro sobre esta travessia, de forma a ajudar outros a enfrentar a doença com valentia, em lógica de "podemos ser derrotadas mas não desistentes", pois nem tudo depende de nós.

       O livro que ora propomos é precisamente este testemunho eloquente, este desafio, apesar de todas as dificuldades e do sofrimento atroz, é possível não desistir de viver.

 

Outras LEITURAS anteriormente recomendadas, que enfrentaram o cancro, sob diversas manifestações e com finais diferentes: (Manuel Forjaz, José Maria Cabral e Corbella faleceram pouco tempo depois dos emocionadas testemunhos)

 
  1. MANUEL FORJAZ: Não te distraias da vida
  2. Manuel Forjaz e JAC: 28 minutos e 7 segundos de vida
  3. José Maria Cabral: O desafio da Normalidade
  4. Fernanda Serrano: Também há finais felizes
  5. Chiara Corbella Petrillo: nascemos e jamais morremos

15.08.15

O DIÁRIO DE MARY BERG - sobrevivente do holocausto

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Mary Berg (2015). O DIÁRIO DE MARY BERG. Amadora: Vogais, 20|20 Editora. 352 páginas.

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      A segunda Guerra Mundial gerou milhares de vítimas, com plano nazi e conquistar o mundo e eliminar os judeus. Para o efeito bastava ter alguma ascendência judaica: se eram aptos para trabalhar, para se tornarem escravos, sobreviviam, pelo menos até morrerem de fome, de doença, ou em consequência do trabalho; se não eram aptos, então eram encaminhados para campos de concentração, para serem mortos. Muitas vezes eram mortos por brincadeira, por capricho ou simplesmente para provocar pânico aos outros judeus.

       O Diário da Mary Berg narra os dias passados no Gueto de Varsóvia, um conjunto de ruas, de casas, de bairros onde foram confinados os judeus, com regras restritas, em que se vivia com as ameaças, com a possibilidade de serem contratados para trabalhar, passaportes para sobreviverem mais tempo, buscando alguma normalidade, ajudando e sendo ajudado, metendo "cunhas" para ocupar melhores trabalhos, contrabandeando pão, comida e outros bens, dedicando-se à arte e à cultura.

       O projeto final era eliminar todo o gueto, todos os judeus. Os que tinha alguma ligação estrangeira, como a autora/protagonista, cuja cidadania americana da Mãe a tornam também uma privilegiada, apesar de tudo, com uma maior probabilidade de sobreviver.

       Será solta por troca dos prisioneiros de guerra alemães. Pouco tempo depois, os 12 caderninhos de apontamentos são publicados em livro para revelarem a atrocidade contra o povo judeu, mas também contra polacos (judeus ou cristãos) e alertar a comunidade internacional para se apressar e fazer alguma coisa.

       Para trás ficam amigos e um vislumbre de miséria, pobreza, violência gratuita e a tentativa de viver a normalidade da vida, estudando, cultivando-se, criando laços. É um diário "arrepiante" e sobretudo por visualizar a vida tal como foi vivida pelos intervenientes numa página negra da história e que se deseja que não volte a acontecer, ainda que os sinais apontem a um risco maior de intolerância, xenofobia, racismo, fanatismo religioso... 

       Passados poucos anos da publicação e do diário, e do fim da segunda guerra mundial, Mary Berg (1924-2013) desapareceu dos focos da ribalta, talvez para viver uma vida normal...

       O Diário de Anne Frank é dos mais conhecidos e divulgados, mas outras histórias que entretanto foram postas por escrito e divulgadas para que a nossa memória não esmoreça e se torne vigilante perante indícios de tamanha vilipêndia...

       Setenta anos depois já vários tentarem negar, esconder, suavizar a tragédia nazi. Por conseguinte, esta é mais uma leitura obrigatória para avivar o compromisso com a verdade e com a justiça, com a dignidade humana e com o respeito por todas as vidas, desde a concepção até à morte natural.

 

Vale a pena ler:

EVA SCHOLOSS - A Rapariga de AUSCHWITZ

13.08.15

Chiara Corbella Petrillo: nascemos e jamais morreremos

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Simone Triosi e Cristiana Paccini (2014). NASCEMOS E JAMAIS MORREREMOS. Vida de Chiara Corbella Petrillo. Braga: Editorial A.O., 168 páginas.

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        Chiara viveu. Casou. Foi mãe de uma filha que morreu 30 minutos depois de ter nascido, foi mãe de um menino que morreu 37 minutos depois de ter nascido. Viu-os nascer para o Céu. Foi mãe do Francesco (Francisco), atrasando a intervenção médica, num carcinoma que se manifestou numa afta, na língua, mas optou por criar todas as condições para que o filho pudesse viver sem correr grandes riscos.

       Viveu com alegria cada momento. O namoro com Enrico Petrillo foi como qualquer namoro, com avanços e recuos, e discussões e separações. Como confessam mais tarde, Deus preparava-os para algo maior.

       Depois de experiências intensas de fé, de oração, de encontro, de reflexão, entregam-se nas mãos de Deus e contraem matrimónio. Em 2008. Em 2009, pouco mais de um ano depois, nasce a primeira filha. Os diagnósticos cedo revelam que Maria Grazia Letizia não tem cérebro. Alguns médicos aconselham o aborto dizendo que logo morrerá ao nascer. Chiara e o marido decidem que ela há de viver, mesmo que sejam alguns minutos. Nasce, é batizada, e, como sublinham, vai para junto de Deus. A anencefalia é um caso muito raro.

       Passado o tempo necessário, para o corpo de Chiara recuperar da gravidez, decidem que não divudam de Deus e que estão disponíveis para gerar uma nova filha. Depois do primeiro caso de anencefalia os riscos são maiores. Fazem todos os exames que lhes sugerem. Nova gravidez, de Davide Giovanni. As primeiras ecografias correm bem. Na terceira, o diagnóstico revela que lhe falta uma perna e na outra tem apenas um pequeno toco. "Para onde nos estás a levar?" Enrico queria ter filhos biológicos mas também ser responsável por uma casa de acolhimento de crianças com deficiência. Desta vez os médicos já nem colocam a pergunta sobre a possibilidade de aborto. O casal preparar-se para acolher o Davide.

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       Quarta ecografia, ao Davide faltam também os rins e, por isso, também os pulmões não se poderão desenvolver o suficiente para respirar. Malformações múltiplas na pélvis (bexiga e rins), mostram por antecipação que também este menino viverá apenas alguns minutos. Chiara e Enrico celebram a vida do segundo filho, batizando-o logo depois de nascer para logo nascer para o céu.

       Uma situação não tem a ver com a outra. A situação do segundo filho nem tem nome tal é a raridade com que sucede.

       Recebem alguns conselhos "desinteressados" para não arriscarem nova gravidez. Mas de novo confiam em Deus. E passado pouco tempo, Chiara encontra-se grávida do terceiro filho. Pouco tempo antes da gravidez descobre uma afta na língua a que não liga, mas como vai piorando começa a consultar o dentista, o dermatologista, o otorrinolaringologista. O Francesco continua a crescer dentro da sua mãe.

       As biopsias revelam que é um carcinoma. A primeira intervenção com anestesia local, para não criar dificuldades ao menino, corre bem. Mas quanto antes deverá fazer nova intervenção, quimioterapia ou radioterapia. Os sintomas revelam que tem de ser intervencionada o quanto antes, o que implica um parto prematuro com inerentes perigos para o Davide. mas também aqui a opção é dar todas as garantias, humanamente possíveis, para que o filho possa nascer sem correr mais que os riscos normais.

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        Para Chiara no entanto já era muito tarde. O "dragão" espalha-se muito rapidamente. Percebem que os tratamentos já adiantam, pelo que importa viver o tempo que resta com alegria, com intensidade, com fé. Chiara e Enrico dão uma testemunho de tal forma confiante que juntam cada vez mais pessoas para rezarem com eles e partilharem a sua vida de fé esclarecida e de confiança em Deus.  

        Chiara morre a 13 de junho de 2012, com 28 anos de idade, com um testemunho de luz e de fé, de vida e de intensidade, de entrega a Deus, de testemunho. Deu tudo o que tinha por amor, a Deus, ao marido, aos filhos.

       Este livro é uma leitura impressionante, comovente, também um tributo do casal amigo que o escreveu. As vidas são todas diferentes, mas o amor de Deus é imenso para cada um de nós. Chega um tempo que a única esperança é CONFIAR em Deus e em tudo aquilo que Ele tem para nos dar. Até ao fim não deixa de rezar (sobretudo pelos outros), de agradecer, de cantar, de tocar violino...

13.06.15

O reino de Deus é como a semente lançada à terra

mpgpadre

1 – A vida sempre nos escapa no seu admirável mistério.

Não é possível controlar todos os movimentos da vida. Podemos levar uma vida certinha, alimentar-nos de forma saudável, praticarmos desporto, tentarmos que os sentimentos não nos traiam nem nos levem por caminhos que previamente não escolhemos e, de repente, uma situação inesperada altera a nossa vida, uma doença, a morte de um familiar, mudança no trabalho, uma palavra ou um gesto que nos magoou! No lado oposto, deixarmo-nos levar como as folhas de outono pelo vento e, então, qualquer brisa nos despedaçará.

O equilíbrio é um caminho possível para absorver a beleza e a alegria da vida.

A vida, em definitivo, não se escreve a preto e branco. Saber para onde caminhamos, saber o chão que pisamos e o que nos faz viver, poderá ser importante para acolhermos as surpresas da vida! Importa que sejamos suficientemente maleáveis para lidar com situações adversas, convictos que nunca estamos preparados para tudo.

Não nos deixemos paralisar com o medo do futuro, com aquilo que virá, de bom ou de mau. Vivamos hoje com toda a garra que nos é possível. Se esperamos pelas possibilidades de amanhã poderemos nunca viver as realidades de hoje .

Para os cristãos há uma segurança definitiva: Deus.

A confiança pressupõe uma dose de abandono, exigindo, por vezes, fazer como a criança quando se lança para os braços do pai ou da mãe, confiando que vai ficar seguro…

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2 – As parábolas de Jesus mostram uma profunda certeza: Deus cria e recria o mundo constantemente, mesmo quando tudo parece silencioso, inócuo, sem movimento.

«O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como…

É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta…»

O reino de Deus não é fruto do ocaso. Na primeira parábola, a semente lançada à terra, noite e dia vai produzindo o seu efeito sem intervenção humana, desponta, desabrocha da terra, cresce, produz a espiga e depois o trigo maduro. Assim o mundo se mantém apesar de tudo, da noite e do dia, das violências e das guerras. Deus tudo sustenta. Ele dá-nos a semente (a Palavra de Deus), o campo (o mundo, as pessoas) e o fruto (todo o bem que se possa realizar)! Mas conta connosco. Para preparar a terra, lançar a semente, vigiar para que os pássaros ou outros animais não destruam a sementeira, arrancar algumas ervas daninhas quando ainda é possível sem arrancar também o trigo (cf. Mt 13, 24-30) sobretudo o trabalho da ceifa e da colheita. Deus conta comigo e contigo, conta connosco, para construir com mais amor a família de Deus.

A segunda parábola explicita a esperança. O que é pequeno ao nosso olhar, em Deus tornar-se-á abundante, imenso, maior.

 

3 – A vida sem Deus é nada, o nada com Deus é tudo. Em alternativa, o vazio, o acaso, as coincidências e os destinos, o mundo que nos controla, nos sujeita e nos absorve, aniquilando a nossa memória, a nossa vida por inteiro. Caímos à terra e nada mais. Tornamo-nos pó. Pó somente. E por mais romântico que possa parecer, apelando para a nossa humildade ou indigência, ninguém quer ser apenas pó, desaparecendo para sempre, até da memória dos entes queridos, pois também os que perdurarem hão perecer e com eles desaparecerá qualquer vestígio da nossa existência... fiquem árvores ou filhos ou livros, mas nós não ficaremos. Nada de nós sobrevirá à nossa morte!

Só Deus garante que não seremos apenas pó, ainda que do pó nos tenha chamado à vida, com o Seu Espírito. Voltaremos à terra, mas em Deus não ficaremos enterrados, esquecidos, abandonados aos bichinhos. Como a Jesus, Deus ressuscitar-nos-á, fará surgir um rebento novo, nova vida.

_______________________

Textos para a Eucaristia (B): Ez 17, 22-24; Sl 91 (92); 2 Cor 5, 6-10; Mc 4, 26-34.

 

Reflexão Domincial COMPLETA na página da Paróquia de Tabuaço

e no nosso blogue CARITAS IN VERITATE.

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