19. Faça das suas insuficiências oportunidade de partilha
Faça das suas insuficiências oportunidade de partilha, de comunhão, de enriquecimento espiritual, de fortalecimento psicológico, numa palavra, faça que os seus limites sejam uma porta aberta para a saúde (física e espiritual) e para a felicidade.
Numa série de desenhos animados, muito popularizada entre adolescentes/jovens, Naruto, uma das personagens, dá-nos uma lição extraordinária, e onde se pode reler excertos da Sagrada Escritura. Jiraiya Sam, um dos três ninjas lendários, da aldeia oculta na folhagem, depara-se com o momento da morte e como numa crónica da sua vida deixa este testamento:
"Os fracassos são distrações, são testes que aperfeiçoam as nossas qualidades. Vivi a acreditar nisso e em troca jurei cumprir uma missão tão importante que me fizesse esquecer os meus fracassos, assim morreria como um grande ninja... no final também falhei nessa escolha... que história mais inútil... o mais importante é a capacidade de nunca desistir, nunca faltar à palavra, e principalmente nunca desisti, aconteça o que acontecer... Nunca desistir, era essa a verdadeira escolha que tinha de fazer...".
Encontramos esta riqueza de linguagem no livro de Eclesiastes e no livro de Job, que integram a literatura sapiencial, isto é, fazem parte do conjunto de livros do Antigo Testamento, que nos falam da sabedoria humana e divina, dos Provérbios, dos ensinamentos, das grandes máximas do povo de Israel, das lições de vida deixadas de pais para filhos, de mestres para discípulos.
Diz Qohélet (Eclesiastes) - vaidade das vaidades, tudo é vaidade... não há nada de novo debaixo do sol, tudo o que o homem faz é vaidade, não passa de um sopro que logo desaparece.
"Aquilo que foi é aquilo que será; aquilo que foi feito, há de voltar a fazer-se: e nada há de novo debaixo do Sol!... apliquei o meu espírito a estudar e a explorar, pela sabedoria, todas as coisas que sucedem debaixo do céu. É uma tarefa ingrata que Deus deu aos homens e os oprime... Apliquei, igualmente, o meu coração a conhecer a sabedoria, a loucura e a insensatez; e reconheci que também isto é correr atrás do vento. Porque na muita sabedoria há muita arrelia, e o que aumenta o conhecimento, aumenta o sofrimento" (Ecl 1, 17-18).
Vamos ao livro de Job e encontramos o mesmo lamento. O mal seria consequência/castigo do pecado. Job descobre que a sua vida corre mal, mas ao mesmo tempo trata-se de uma enorme injustiça. Sempre se aplicou a fazer o bem, a viver segundo a justiça, a praticar boas obras, a usar de misericórdia. No final, de nada lhe adiantou ser bom e justo.
Se ficássemos por aqui, não teria sentido a nossa busca, tudo seria inútil, passageiro, efémero. Se bem, que essa constatação nos pudesse levar a desfrutar melhor da vida, positiva ou negativamente. O vazio seria sempre o destino dos nossos atos, e os nossos fracassos seriam sempre avassaladores.
Job e Qohélet abrem a nossa mente para algo de grandioso e que nos ultrapassa, abrem para Deus. Tudo é vaidade, a não ser que se sob o olhar de Deus. "O resumo do discurso, de tudo o que se ouviu, é este: teme a Deus e guarda os seus preceitos, porque este é o dever de todo o homem. Deus pedirá contas, no dia do juízo, de tudo o que está oculto, quer seja bom, quer seja mau".
Job da mesma forte disponibiliza-se com humildade para a justiça de Deus que ultrapassa toda a justiça humana, mesmo quando o nosso espírito ainda não esteja capacitado para ver.
Voltando ao ponto de partida, importa fazer de todas as nossas experiências, como já vimos num destes dias anteriores, oportunidade para nos tornarmos mais fortes, para, com inteligência e humildade, aprendermos a viver melhor, mais confiantes, disponíveis para acolher o que o tempo nos pode trazer e sobretudo as pessoas e o mistério de Deus nos podem dar.
Como recordávamos ontem, com São Paulo, quando sou fraco é que sou forte, ou por outras palavras, as minhas fraquezas e insuficiências podem efetivar a decisão firme de me abrir ao semelhante e me disponibilizar para aprender, para crescer. Os fracassos de hoje podem ser janelas abertas que me trazem o vento fresco, o sol que me inunda de luz a minha casa, possibilitando que veja mais ao longe, que veja para lá das dificuldades do tempo presente.
O tempo presente não se compara ao que há de vir, onde veremos Deus face a face, porquanto o nosso compromisso é com o tempo, com o mundo, com a história. É a nossa missão maior, que nos coloca a caminho. (São Paulo lembra: não me importava de morrer e ir já contemplar a glória de Deus, mas é necessário que continue a ser útil para os meus irmãos; São João, numa das suas epístolas lembra que o que somos é uma pequena amostra do que seremos).