Humildade :: Frontalidade :: Sinceridade :: Transparência :: CARIDADE
"Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade" ( 1 Cor 13, 4-13).
São palavras e atitudes muito próximas. Podem ser equivalentes, em muitas situações ou consequência umas das outras. A humildade implica a sinceridade e a caridade. A Caridade, por sua vez, enquadra e promove a humildade, a transparência, a sinceridade e a frontalidade (bem entendida). A frontalidade revestida da caridade torna-se uma fonte de aproximação, de diálogo e de edificação mútua.
No entanto, para o cristão o ponto de partida, o ponto de chegada, e o sustentáculo é a CARIDADE. Sem a caridade, o amor gratuito e oblativo ao jeito de Jesus, Aquele que nos dá a Sua vida, as outras virtudes ficam como um esqueleto ressequido, sem carne, sem músculos, sem vida.
Há dias, num jantar com colegas padres, ouvi a um - que foi meu professor há alguns anos, e portanto com mais experiência de vida e com outra maturidade de fé (ainda que não tenha tanto a ver com idades mas com cada pessoa, e com os diversos momentos por que passa a sua vida) - uma expressão muito significativa e que hoje nos traz aqui.
Algumas pessoas com a desculpa que são sinceras magoam, ofendem agridem - "não quero saber, eu tenho que ser sincero, quem quer ouvir que ouça, quem não quer não ouça, mas tenho que dizer o que penso", os outros que vão às favas, pouco me importa que gostem ou não. Eu sou assim.
Certamente não é nada que não tenhamos ouvido.
Do mesmo modo acerca da frontalidade. São duas "atitudes" próximas mas não se confundem. Deveria resultar uma da outra.
"O que tiver a dizer digo, seja diante de quem for. Eu cá sou frontal. Não tenho nada a esconder. Custe a quem custar. Eu sou assim. Podem ficar chateados que eu não me importo. Para mim a frontalidade é mais importante".
Será mesmo assim?
Por experiência própria, tenho para mim que tudo o que se absolutiza e se generaliza corre o risco de se tornar contraproducente e "cair" sobre o próprio.
Também aqui não é branco ou preto, pode-se estar a caminho...
Há, sem dúvida, pessoas, que são frontais, que não se escondem em desculpas, que cumprem com o que está ao seu alcance para tornarem o mundo mais saudável...
Ou então existem diferentes tipos de frontalidade ou maneiras distintas de a interpretar:
– sou frontal, o que tenho de dizer digo... mas nunca à frente/ na fronte, sempre por interpostas pessoas, e elas se quiserem dizer ao próprio que digam! Há muitas pessoas assim frontais... dizem aqui e além, mas nunca a quem dirigem a sua irritação;
– sou frontal, digo o que me dá na real gana, seja a quem for, seja o que for, não interessa, eu sou assim, quanto aos outros não me interessa o que pensam, ou como reagem;
– sou frontal, traduzindo: sou melhor que toda a gente. As minhas ideias são as melhores do mundo. Os outros ou aceitam ou recusam, mas eu não mudo de opinião. A minha opinião é que conta. Se os outros não aceitam mudar de opinião, são ditadores, orgulhosos. Traduzindo: isto é o contrário do diálogo. O diálogo promove a discussão mas com abertura, estou na disponibilidade de mudar de opinião ou de completar a opinião que tenho, ou pelo menos fazer o esforço por compreender o que o outro tem para me dizer;
– sou frontal, gostem ou não, eu cá sou assim, digo o que penso, digo-lhes para seu próprio bem. Traduzindo: é uma opinião pessoal, mas será uma convicção profunda, já testei na minha vida (contando com a minha imperfeição)? Pediram-me o conselho, ou será que precisam mesmo do meu conselho? Imponho(-me) ou proponho? Estou certo e os outros errados? Não estaremos os dois certos, ou até os dois errados?
Pessoas frontais que são sinceras.
Pessoas frontais que destilam ódio, irritação e sobranceria sobre os outros.
Pessoas frontais que usam a mentira, meias-verdades, opiniões duvidosas para ofender, para agredir... sob a capa da frontalidade.
Jesus convida a reconhecer os nossos erros e imperfeições, a sabermos acolher o perdão de Deus e a termos a humildade suficiente para perdoar a quem nos ofende. A denúncia é inabalável contra a falsidade, a mentira e a hipocrisia, contra as pessoas fingidas, incoerentes – exigem aos outros o que não fazem. A frontalidade de Jesus leva-O a confrontar as pessoas com a dignidade de filhos de Deus.
A nossa humildade há de dar-nos a coragem para nos reconhecermos também pelas nossas insuficiências, e frontalidade de nos sabermos a caminho.
NB – A minha fronte/frente não é igual à fronte/frente do outro.
Sou frontal porque estou defronte/de frente/diante de/à frente, face a face com a outra pessoa. É um sentido mais físico mas é também espiritual. Estou à frente da pessoa, sou frontal, quando olho para ela como pessoa, com sentimentos e opiniões próprias, com a sua história de vida, com os seus dramas e com as suas conquistas. Não estou à frente de uma parede. Se eu estiver à frente de um muro, a minha frontalidade só me implica a mim. Se estou perante outra pessoa, implica-me a mim e a ela. Portanto, não descarrego apenas a minha opinião, ou a minha irritação, mas dialogo, falo e escuto, aconselho e deixo que ela me aconselhe, cedo e ela cede também (se se tratar disso), explico o meu ponto de vista e deixo que a outra pessoa rebata ou apresente o seu ponto de vista.
E se é de frente, não é nas costas, não é na ausência da pessoa que se contesta.
NB 2 – Um ponto de vista é sempre a vista de um ponto.
NB 3 – A frontalidade, a sinceridade, a transparência e a humildade deverão ser revestidas de caridade. Sem caridade são como o esqueleto sem carne, sem músculos, sem vida. Surtem efeito, mas em sentido malévolo, vazio, contraproducente. Se a nossa frontalidade é dirigida a pessoas específicas tratemo-las como pessoas concretas, e se for necessário façamos uma abordagem que respeite o tempo e as características da pessoa que temos de fronte...
NB 4 – mais uma reflexão em aberto…