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Escolhas & Percursos

...espaço de discussão, de formação, de cultura, de curiosidades, de interacção. Poderemos estar mais próximos. Deus seja a nossa Esperança e a nossa Alegria...

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22.02.24

José Bernard - JOANA D'ARC. A virgem guerreira

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JOSÉ BERNARD, sj (2023). Joana d’Arc. A donzela guerreira de Orleães. Apelação: Paulus Editora, 160 páginas.

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A história de Joana d’Arc acontece numa das fases mais sombrias da existência de França, no meio de um conflito que se estendeu no tempo, a Guerra dos 100 anos. A jovem donzela vai ser decisiva na expulsão dos ingleses do solo francês. Com as “vozes” que ouve guia os franceses, o exército à vitória e faz com que o Delfim de França seja coroado como Rei. Porém, os mesmos franceses que apoiou viriam a deixá-la desprotegida, presa pelos ingleses, encarcerada e levado a julgamento, à revelia da Inquisição e, portanto, da Igreja, com o beneplácito dos ingleses.

Os testemunhos foram forjados e silenciados todos os que se opunham ao julgamento e mostravam o desagrado pela condução do julgamento. Joana foi condenada à fogueira, acusada de vestir roupas de homem, desobedecendo a uma ordem das autoridades. Inspiradas pelas vozes, por Deus, respondeu com sabedoria às questões dos especialistas, alguns da Universidade da Sorbonne. Jurou obediência ao Papa e ao Concílio reunido em Basileia. Partes das suas intervenções ou não foram registadas ou foram suprimidas. Cauchon, o Bispo que conduz o julgamento, usa todo o tipo de artimanhas, como o uso do latim, em algumas transcrições, para que Joana não percebesse o que estava a ser escrito…

Foi morta a 30 de maio de 1431. A sua reabilitação não tardaria. Foi reativada em 1452, pelo Cardeal d’Estouteville, legado do Papa Nicolau V. Alguém teria que colocar a questão. Calixto III, então Papa, incumbiu a mãe de Joana de interpor o recurso. O Processo foi solenemente inaugurado a 7 de dezembro de 1455, na catedral de Notre Dame. Foram registados 150 testemunhos, de diversas partes do mundo, principalmente em Domrémy, terra natal de Joana, e em Orleães, Paris e Rouen. O juiz e inquisidor Jean Bréhal redigiu a Recollectio do processo, a sinopse. Nove capítulos com os erros do processe e com todas os maus tratos a que sujeitaram Joana. Duzentas páginas que os legados do Papa leram. Nos portais de Rouen foi afixado o convite para que os adversários se pronunciassem. Ninguém compareceu. 7 de julho de 1456 foi o dia escolhido para o pronunciamento da sentença. Estava consumada a reabilitação. Presente na leitura da sentença o seu irmão Jean d’Arc

Em 9 de maio de 1920, aniversário da libertação de Orleães, o Papa Bento XV declarou Joana d’Arc como santa.

É com estes condimentos que o livro se torna, não apenas interessante, mas um vivo testemunho de fidelidade à verdade, de seguimento de Jesus Cristo, de pertença à Igreja, na procura de escutar a voz que vem do alto, que vem de Deus.

Sinopse do livro:

Este livro lança luz sobre a vida e a condenação de Joana D’Arc, uma figura histórica marcante do século XV. Explorando aspetos frequentemente negligenciados ou mal interpretados, o relato busca compreender a sua trajetória além dos estereótipos romantizados pela história e pelo cinema. Examina minuciosamente os eventos que levaram à sua condenação por heresia e bruxaria, destacando as motivações políticas e religiosas envolvidas. Ao afastar-se dos equívocos persistentes, oferece uma perspetiva mais precisa sobre Joana D’Arc e convida os leitores a descobrir a verdade por trás dessa figura fascinante e incompreendida da história.

15.02.24

D. MANUEL I, DUAS IRMÃS PARA UM REI

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Isabel Stilwell (2022). D. Manuel I, duas irmãs para um rei. Lisboa: Planeta. 11.º edição. 640 páginas.

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É sobejamente a autora de romances históricos sobre a realeza portuguesa, ao longo dos séculos. D. Manuel I, que sucede ao seu cunhado, D. João II, estão muito ligados aos descobrimentos e à expansão de Portugal no mundo. O sonho de D. João II passa para D. Manuel. Este último quer a expansão e, ao mesmo tempo, combater o “mouro”, ou o “turco”, reconquistando Jerusalém e outros territórios ocupados pelos muçulmanos.

O filho de D. João II, Afonso, casa com a infanta D. Isabel, filha dos reis católicos, D. Isabel de Castela e D. Fernando de Aragão. O projeto é unir Portugal, Castela e Aragão num único reino. Um casamento promissor, feliz e apaixonado que terá um desfecho trágico. Afonso cai de um cavalo e morre. Durante bastante tempo, Isabel recusa a casar-se novamente, ainda que seja desejado o casamento entre o Isabel e D. Manuel, o que virá acontecer. D. Manuel desde que se encontrou e conviveu com Isabel, quis casar com ela. Complicações no parto do filho, têm como consequência a morte de D. Isabel. O filho der ambos, que uniriam o império, nasce frágil e acabará por morrer.

Maria, filha dos reis católicos, sonhou vir a desposar D. Manuel e chegada a sua vez assumiu-se como Rainha de Portugal, gerando dez filhos. O parto do 10.º filho, António, foi muito difícil, e ela morreu pouco tempo depois do filho.

Estes são os dados e ingredientes, com que Isabel Stilwell nos faz percorrer parte do reinado do D. João II e sobretudo o reinado de D. Manuel I, as relações com os reis católicos, mas também com o Papa e com outras casas reais. Num discurso vivo, a autora prende-nos às tramas, aos jogos de bastidores, à cultura da época, preconceitos, conspirações, amores, traições, a importância da expansão portuguesa, a perseguição aos muçulmanos, mas também aos judeus, se se recusassem a converter-se, ainda que os cristãos novos, mouros e sobretudo judeus, continuaram sob suspeita e muitas vezes a cair nas malhas de acusações anónimas.

Mais de quatrocentos páginas que se leem com agrado e nos fazem querer avançar com rapidez para ver os diversos desfechos que se vão insinuando. Desta forma, romanceada, o gosto pela nossa história, e nossas raízes, renasce. Estudar história, ou ler livros de história, não é para todos, mas a história “embrulhada” em romance é um desafio muito agradável.

Importa ainda dizer que, no final, depois do romance, a autora apresenta “Dramatis Personae”, as personagens que preenchem o romance, que nos colocaram na história do mundo, com o que é fiel aos documentos históricos e o que foi criado literariamente, ainda que fundamentado em outros documentos, cartas, narrativas.

 

A AUTORA

Isabel Stilwell é jornalista e escritora. A sua grande paixão por romances históricos revelou-se em 2007, com o bestseller D. Filipa de Lencastre, a que se seguiram D. Catarina de Bragança, ambos traduzidos para inglês, e D. Amélia, sempre com crescente sucesso.
Em abril de 2012, foi a vez de publicar D. Maria II, que mereceu uma edição especial para o mercado brasileiro. Em outubro de 2013 lançou Ínclita Geração – Isabel de Borgonha, em 2015, a história da mãe do primeiro rei de Portugal, D. Teresa e em 2017 um romance sobre a vida da Rainha Santa, Isabel de Aragão, eleito o 2º melhor livro de ficção, no Prémio Livro do Ano Bertrand.
Desde o Diário de Notícias, onde começou aos 21 anos, que contribui de forma essencial para o jornalismo português. Fundou e dirigiu a revista Pais & Filhos, foi diretora da revista Notícias Magazine durante 13 anos e diretora do jornal Destak até ao final do ano de 2012, entre muitos outros projetos. Atualmente escreve para a revista Máxima, tendo uma das suas peças sobre a adoção em Portugal («Não amam nem deixam amar», em conjunto com a jornalista Carla Marina Mendes) sido distinguida com o 1º Prémio de Jornalismo «Os Direitos da Criança em Notícia». Continua a colaborar mensalmente com a revista Pais e com o Jornal de Negócios, quando não está a escrever, vira diariamente os «Dias do Avesso» em conversa com Eduardo Sá, na Antena 1.

SINOPSE:

Justa, a sua querida ama, não duvidava de que era o Escolhido, aquele que as profecias anunciavam estar destinado a reconquistar Jerusalém, e a unir os homens sob a mesma Fé.

Não nasceu para ser rei, mas a roda da fortuna tornou-o duque de Beja e herdeiro de D. João II. Viu morrer o sobrinho e assassinar irmão e cunhado para subir ao trono a 27 de outubro de 1495.

As naus do Venturoso chegaram à Índia e ao Brasil construindo um Império, digno do rei mago do Ocidente, como, em segredo, se intitulava.

Ao som da música, tornou Lisboa no centro do comércio das especiarias, as suas ruas animadas por mercadores, espiões, intrigas e riquezas nunca antes vistas.

Isabel, viúva de Afonso, filho de D. João II, resistiu ao casamento. Queria viver a sua tristeza em paz. Mas Manuel era determinado. Desde aquele dia em que os seus olhares se cruzaram em Moura, sabia que Isabel havia de ser sua. Por ela faria tudo, inclusive expulsar os hereges de Portugal, e depois os judeus. Mas mais uma vez a roda da fortuna girava e a sua felicidade durou pouco.

Isabel morria no parto, e o seu único filho não sobreviveria. Era preciso garantir a descendência. Maria, irmã de Isabel, esperara, apaixonada, e o seu tempo tinha chegado. Seria rainha de Portugal e mãe de dez filhos, entre eles seis varões.

 

17.11.23

Sugestão de Leitura - Jon Fosse - Prémio Nobel da Literatura

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Jon Fosse nasceu em 1959, em Strandebarm, na Noruega.

Escritor e dramaturgo reconhecido, estreou-se em 1983 com o romance Raudt, svart [Vermelho, preto]. Ao longo da sua carreira, recebeu inúmeros prémios literários, entre os quais o Prémio Internacional Ibsen, o Prémio Europeu de Literatura e o Prémio de Literatura do Conselho Nórdico. A sua está traduzida em mais de cinquenta línguas e inclui romance, teatro, poesia, livros para crianças e ensaio.

É o Prémio Nobel da Literatura 2023 e foi escolhido «pelas suas peças e prosa inovadora».

Para quem gosta de ler, este é um escritor que, na minha opinião, é de leitura obrigatória. É certo que, desde que foi anunciado como vencedor o Prémio Nobel da Literatura, os seus livros triplicaram de preço, com novas capas para aí constar o respetivo prémio, até por questões de marketing. Em todo o caso, a escrita de Fosse é muito viva, agradável, escorreita, que envolve e nos faz querer ler até ao fim, com rapidez.

Poderíamos sugerir um ou outro título em concreto, como por exemplo, “trilogia” e “manhã e noite”. Como, por certo, muitas pessoas, após o anúncio da atribuição do Prémio, logo procurei saber mais sobre o autor, que desconhecia por inteiro, e adquirir uma ou outra obra para ler. Assim, optei pelos dois títulos referidos, que li quase devorando.

A trilogia é composta de três histórias, novelas, editadas ao longo dos anos, Vigília (2007), Os sonhos de Olav (2012) e Fadiga (2014), fundindo-se numa única história. É, segundo se anuncia, uma parábola com inspiração bíblica sobre amor, crime, castigo e redenção. Valeu-lhe o Prémio de Literatura do Conselho Nórdico.

Os estudiosos poderão confirmar ou não, mas, a meu ver, há alguns pontos de contacto com José Saramago, com as devidas diferenças e características de cada um, a escrita é como que uma longa e viva conversa, em que não há pontos finais, havendo vírgulas ou espaços. O narrador mais que escritor é um contador de histórias, numa linguagem muito viva e direta, avançando progressivamente e recuperando frases, expressões, situações, como quando se está a falar e se repetem deixas ou argumentos. Um jovem e uma jovem que saem da sua terra e que na terra para onde vão ninguém lhes quer dar dormida, ela por estar grávida, os dois por não serem casados, predominando o preconceito. Pelo meio, crimes cometidos por Asle, que depois se torna Olav, que desembocará no seu enforcamento. A sua companheira, Alida, desconhecendo muito do que o seu amado fez, acaba na penúria, sendo resgatada na vida por uma antigo conhecido da sua terra natal. Na terceira novela, Ales, já velha, “vê” a mãe já velha também, que morreu alguns anos.

Em “manhã e noite”, Johannes é a personagem que atravessa toda a história. A primeira parte , narra o nascimento, os medos, a ansiedade, a expectativa, a chegada de um segundo filho. Se for rapaz o nome está escolhido. A parteira está ocupada em preparar o parto e trazer a criança ao mundo e o pai nervoso, com o que pode acontecer naquele quarto, quer os silêncios, quer os gritos, não lhe permitem qualquer tipo de sossego. Mas a hora do menino nascer chegou e, sendo rapaz, herda o nome do avô. A segunda parte narra o dia da morte de Johannes já velhinho, pai e avô, e viúvo, com a dúvida a instalar-se, se se levanta, como todos os dias faz, vai à cozinha, enrolar um e outro cigarro e fumar, beber o café da manhã e sair para dar o passeio a pé ou no seu barco de pescador. Todos os dias, o mesmo ritual, mas parece que hoje não sente dores. A filha mais nova vem visitá-lo quase todos os dias e liga-lhe muitas vezes, ela e o marido trabalho, e vivem perto, com o seu filho, neto de Johannes. Podia bater-lhe à porta, mas parece que é muito cedo, talvez esteja atrapalhada para ir trabalhar ou para deixar o menino na escola. Vai até à enseada e encontra Peter, o velho amigo, que morreu há alguns anos, mas apesar disso está ali, pronto para a pesca ou já regressado da pesca. Combinam encontrar-se em cada de Pete. Como sempre fizeram, vai lá cortar-lhe o cabelo. Assim fizeram durante muitos anos, cortavam o cabelo um ao outro, poupando umas coroas. Ficou combinado. Johannes regressa a casa, mas fica indeciso, se vai para casa ou vai já a casa de Johannes, que talvez ainda não tenha regressado, bate e ninguém atende, espera, mas ele não chega, volta a bater à porta, não vá ele não ter ouvido. Entretanto, preocupada, a filha, no final do dia vai ver do pai, que se cruza com ela e a chama, mas ela não o ouve e não se desvia, atravessando-o. Que coisa estranha, pois também ela sentiu um frio que a trespassou. Encontra o pai na cama, morto. Chama o médico que lhe diz que morreu de manhã, deitou-se para dormir e já não acordou. Peter volta à sua presença e Johannes percebe que está morto. O amigo veio para o receber e o acompanhar a outra vida. É verdadeiramente uma história fascinante, num discurso muito vivo, muito oralizante, que nos empolga a prosseguir a história até ao fim.

12.10.23

Bento XVI - o que é o cristianismo

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BENTO XVI (2023). O que é o Cristianismo. Quase um testamento espiritual. Cascais: Lucerna. 200 páginas.

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Existem muitos livros publicados de Bento XVI, enquanto Papa, além de conjuntos de homilias, discursos, encíclicas, exortações apostólicas, entrevistas; enquanto teólogo, muitos mais. Mas este não é mais um livro. Aliás, nenhuma das obras refletidas e escritas por Joseph Ratzinger / Bento XVI é mais uma a acrescentar a outra, como soma, mas é única, pois, mesmo em textos próximos, apresenta novos estudos, achegas, referências. Este é um livro, por vontade própria de Bento XVI, publicado a título póstumo.
Recolhe diversos textos, estudo, reflexão, entrevista, intervenções, alguns já conhecidos, mas aperfeiçoados, outros inéditos sobre os fundamentos do cristianismo, sobre a identidade católica, sobre a relação da Igreja com outras igrejas e com o judaísmo. 
O subtítulo diz bem do objetivo desta coletânea, é quase um testamento espiritual! Noutras obras, como Introdução ao Cristianismo ou Jesus de Nazaré, em três volumes, escrito já como Papa, pode ver-se as intuições fundamentais do teólogo e do papa, do estudioso e do pastor, ou ainda, por exemplo, a Introdução à Liturgia, ou os livros de entrevistas, como o Sal da Terra.
Neste livro póstumo, fruto de uma reflexão mais amadurecida, tendo em conta ulteriores desenvolvimentos teológicos, morais, históricos, sociais e culturais, permitem que o autor refaça ou enquadre temáticas e problemáticas, desafiando outros a refletir sobre as questões que se colocam ao mundo de hoje e concretamente à Igreja e à fé.
Nas diferentes temáticas, a linguagem do Papa é muito acessível, mesmo naqueles temas que exige maior cuidado e argumentação. Nesses casos, Bento XVI recorre a uma ou outra imagem facilitando a compreensão, como quando aborda a realidade da transubstanciação na Eucaristia.
Há apontamentos que mostram a delicadeza para com o seu sucessor, o Papa Francisco, o que merece registo. "No final das minhas reflexões gostaria de agradecer ao papa Francisco por tudo o que faz para nos mostrar continuamente a luz de Deus, que mesmo hoje não se extinguiu. Obrigado, santo Padre!" Ao abordar a teologia moral e a misericórdia divina: "... Aqui devemos encontrar a unidade interior da mensagem de João Paulo II e as intenções fundamentais do papa Francisco: contrariamente ao que por vezes se diz, Jão Paulo II não foi rigorista moral. Demonstrando a importância da misericórdia divina, ele dá-nos a oportunidade de aceitas as exigências morais que se colocam ao homem, ainda que não possamos nunca satisfazê-las cabalmente. Os nossos esforços morais são empreendidos sob a luz da misericórdia de Deus, que se revela uma força que cura a nossa fraqueza".
Ao responder a uma questão sobre o Ano de são José, proclamado pelo Papa Francisco: "Naturalmente, fico particularmente feliz por o Papa Francisco ter reavivado nos fiéis a consciência da importância de são José; e depois li com enorme gratidão e profunda adesão a carta apostólica Patris Corde que o Santo Padre escreveu para o 150.º aniversário da proclamação de são José como patrono universal da Igreja universal. É um texto muito simples que vem do coração e vai ao coração, e que exatamente por isso é muito profundo. Penso que este texto deve ser lido e meditado assiduamente pelos fiéis, contribuindo assim para a purificação e para o aprofundamento da nossa veneração dos santos em geral e de são José em particular".
Verifica-se que Bento XVI não foge a questões, em forma de resposta a perguntas que lhe são colocadas ou no desenvolvimento dos temas, mostrando a discordância com este ou aqueloutro autor, num convite à persistência da reflexão dos temas mais problemáticos. Sobre a Comissão da Teológica Fundamental, cujo Presidente era o mesmo que o da Congregação para a Doutrina da Fé e também da Pontifícia Comissão Bíblica, tendo assumido ele, cardeal Ratzinger, esse mandato e serviço durante muitos anos, quase na totalidade do pontificado de João Paulo II, reflete questões como a Teologia da Libertação, com momentos de grande debate. É curioso o apontamento pessoal que faz sobre um teólogo: "O meu amigo padre Juan Alfaro SJ, que na Gregorina ensinava sobretudo a Doutrina da Graça, por razões que me são totalmente incompreensíveis, com o passar do tempo tornara-se num apaixonado defensor da teologia da libertação. Não queria perder a amizade com ele e assim essa foi a única vez, em todo o período da minha pertença à comissão, que faltei à Assembleia Geral".  Também nisto se vê a sua humanidade: a amizade prevaleceu à disputa e discordância teológica.

16.08.23

Véronique Olmi - santa Bakhita

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VÉRONIQUE OLMI (2019). Santa Bakhita. Porto: Porto Editora. 336 páginas

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Há livros que nos tiram o fôlego e queremos ler de uma assentada. Este é um destes livros, biográficos, sobre a vida de santa Bakhita, feita escrava, originária do Sudão, levada para a Itália, onde se converte e se tornará santa, numa vida simples, dedicada, ao serviço de todos, sobretudo dos mais simples e frágeis, obediente, disponível, alegre.

Contracapa / apresentação:
 
Quando Bakhita foi raptada da sua aldeia natal, no Sudão, tinha apenas sete anos e estava longe de imaginar a extraordinária odisseia em que ia transformar-se a sua vida.
Feita escrava pelos raptores, vendida, trocada e oferecida várias vezes, conheceu a maldade humana em toda a sua dimensão e sentiu-a na pele ao ser vítima da crueldade dos seus senhores.
Anos mais tarde, um cônsul italiano comprou-a, e foi na Europa, depois de uma batalha judicial, que Bakhita voltou a conhecer a liberdade. Abraçou, então, a vida religiosa junto das Irmãs Canossianas, em Veneza, e atravessou o tumulto das duas guerras mundiais, consagrando a vida às crianças pobres e auxiliando os soldados feridos.
É essa história que Véronique Olmi conta de forma tocante neste seu romance, que em 2017 venceu o Prémio Fnac e foi finalista dos Prémios Femina e Goncourt – a história de uma criança feliz que veio a passar pelos maiores sofrimentos, mas que acabou canonizada por João Paulo II.
 
A autora:
 
Véronique Olmi nasceu em Nice, França, em 1962, e vive atualmente em Paris.
Tem escrito peças de teatro, romances e novelas. A sua obra encontra-se atualmente traduzida em vinte idiomas, sendo os seus textos dramáticos representados em França e em vários palcos internacionais.
O primeiro romance que publicou, Bord de Mer (2001), recebeu o Prémio Alain-Fournier. Uma década depois, ganhou o Prémio Maison de la Presse com o livro Cet Èté-Là.
 
A escrita flui, numa narrativa acessível, escorreita, biografia em forma de romance, que nos faz entrar na história e querer saber mais, ir adiante. É uma vida riquíssima, mas também um belíssimo testemunho de fé e de resiliência, de confiança no grande "Patrão", na identificação daquele "filho", também escravo, prisioneiro, crucificado.

12.06.23

Sugestão de Leitura: D. Américo Couto Oliveira

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Há uns sete meses, o Pe. João Carlos, cónego do Cabido da Sé e Pró Vigário da Diocese de Lamego, publicava um livro dedicado ao Bispo que o ordenou sacerdote, a 4 de julho de 1982, Arcebispo D. António de Castro Xavier Monteiro. D. António tinha tomado posse como Bispo de Lamego a 8 de outubro de 1972. Cinquenta anos depois, a publicação do referido livro serviu de homenagem, fazendo memória, memória agradecida, e evocando uma das figuras imponentes da cidade e da região, da diocese de Lamego. Vinte e dois anos e alguns meses de pontificado, até 5 de janeiro de 1995. Viria a falecer a 13 de agosto de 2000. Sucedeu-lhe D. Américo Couto Oliveira. É sobre ele que o padre João Carlos nos apresenta este volume.

D. Américo foi nomeado para Bispo Coadjutor de Lamego, a 20 de novembro de 1993, foi ordenado Bispo, em Roma, pelas mãos de são João Paulo II, a 6 de janeiro de 1994, tomou posse como Bispo Coadjutor de Lamego, por procuração, a 29 de janeiro, e entrou em Lamego, no mês seguinte, a 20 de fevereiro de 1994. Sucedeu a D. António Castro Xavier Monteiro a 5 de janeiro de 1995. A entrada na diocese foi assinalada com a celebração da santa Missa no Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e, como sublinha o autor, o último momento significativo de encontro com o povo de Deus foi a celebração da santa Missa nos 500 anos do Santuário de Nossa Senhora da Lapa. Uma inclusiva que retrata a divisa episcopal: Per Mariam ad Jesum”.

O título completo desta obra, “D. Américo Couto Oliveira. Diplomata e Pastor – do Vaticano a Lamego”, traça o plano biográfico de D. Américo, procurando as raízes, em Vila de Aves, santo Tirso, e estudos nos seminários da Arquidiocese de Braga até à sua morte como Bispo de Lamego. O livro é prefaciado por D. Amândio José Tomás, Bispo Emérito de Vila Real, que testemunha a amizade, a simplicidade do sacerdote, o trabalho dedicado, a obediência generosa.

O Pe. João Carlos ressalva o desconhecimento que havia acerca de D. Américo quando foi nomeado. Ilustre desconhecido na diocese, homem sobretudo de secretaria, tendo gasto muito da sua vida sacerdotal na carreira diplomática e nos gabinetes da Cúria Romana. Depois de um Bispo, como costuma dizer-se, aristocrata, de porte elegante e senhor de uma voz inconfundível, como D. António Xavier, é-nos dado um Bispo de baixa estatura, voz frágil e pouco cuidado no aspeto. “Contudo, salienta o autor, com o tempo, vai imprimir o seu estilo e ritmo à diocese”, destacando a formação dos sacerdotes, enviando, em 4 anos de pontificado, 5 sacerdotes para estudar, acumulando os estudos com o acompanhamento de comunidades emigrantes portuguesas; obras de remodelação do Paço Episcopal; criação da Escola de Ciências Religiosas para a formação do laicado; “defendeu muito o progresso de Lamego a nível religioso, académico e social”.

A circunstância deste estudo biográfico: “Cumprindo-se, este ano, três décadas da sua nomeação para a diocese de Lamego, pareceu-nos bem visitar mais de perto a figura deste prelado. Como o tempo que passou em Lamego foi de apenas quatro anos, achamos que seria importante procurar a sua trajetória anterior”. O Pe. João Carlos prossegue, evidenciando a tarefa difícil pela distância a arquivos nacionais e internacionais, “contudo, socorrendo-me do testemunho de algumas pessoas que com ele privaram, dos escassos vestígios no arquivo diocesano e de alguma bibliografia, foi possível assinalar aquelas que foram as etapas mais significativas da vida de Dom Américo, desde o tempo do Seminário até à sua morte”.

Foram diversas as missões para as quais foi designado e que procurou, em atitude de humildade e obediência, cumprir com zelo e dedicação. Serviu quatro papas, João XXIII, Paulo VI, o papa por quem D. Américo tinha uma estima especial, considerando-o o papa mais importante do século XX, João Paulo I e João Paulo II. Além dos papas, privou com muitas outras figuras ilustres da Igreja, entre os quais se pode destacar o cardeal Patriarca D. António Ribeiro. Ambos da Arquidiocese de Braga, ordenados sacerdotes no mesmo dia e faleceram, com diferenças de meses, também no mesmo ano. Com diferença de um ano, ambos foram mandados para Roma para prosseguirem os estudos.

“Vindo do centro do catolicismo para uma pequena diocese, do interior de Portugal, que D. Américo havia deixado há tantos anos, impressiona o afeto com que se liga a esta região que ele classificava como ‘a mais bela do mundo’”.

O livro recolhe diversos testemunhos sobre D. Américo, facultando-nos também um acervo fotográfico que permite ilustrar diversas fases da sua vida e da sua missão sacerdotal e episcopal.

Há cerca de sete meses, o Pe. João Carlos surpreendeu-nos com um livro sobre D. António de Castro Xavier Monteiro, agora dá à estampa este trabalho sobre o Bispo que lhe sucedeu, coincidindo os dois durante algum tempo na diocese de Lamego, o primeiro como Bispo titular e o segundo como Bispo Coadjutor. O primeiro faleceu a 13 de agosto de 2000, o segundo, D. Américo, faleceu um pouco antes, a 2 de dezembro de 1998. Ambos eram originários da Arquidiocese de Braga. Sucedeu a D. Américo, como Bispo de Lamego, D. Jacinto Botelho, originário, no caso, da nossa mui nobre, bela e vetusta diocese de Lamego. D. Américo reconduziu, como Vigário Geral, o então Pe. Jacinto Botelho, cónego e monsenhor, sendo nomeado por João Paulo II, a 31 de outubro de 1995, para Bispo Auxiliar de Braga. O desafio para o Padre João Carlos pode passar por aqui, preparando um novo livro, agora sobre D. Jacinto Botelho. Não será tarefa fácil, poderá faltar o distanciamento crítico, mas terá a vantagem de haver muitos dados, em arquivo e nos testemunhos diretos, podendo socorrer-se da memória de D. Jacinto que pode clarificar datas, lugares, pessoas, interpretar ou reinterpretar acontecimentos. Não será tarefa fácil, mas fica o desafio.

Para já valerá a pena revisitar a vida de D. Américo Couto Oliveira. Para quem o conheceu, oportunidade para recordar muitas situações, o estilo, as dificuldades nesta região do interior, um certo preconceito em relação a alguém que vinha do trabalho de secretaria, vinha dum meio citadino, no centro do mundo, para uma diocese no interior norte, com marcas bem vincadas de ruralidade. Para quem não o conheceu, uma oportunidade para descobrir a sua vida, o ministério sacerdotal que ele se empenhou em viver, na obediência à Igreja e na fidelidade ao Evangelho.

(texto publicado na Voz de Lamego e na página da Diocese: www.diocese-lamego.pt)

 

Uma nota (ainda) mais pessoal. Fui ordenado Diácono, a 8 de agosto de 1998, por D. Américo, e comigo, do meu ano académico, foram ordenados presbíteros o António José Ferreira, o Leontino e José Manuel Correia. Com o falecimento de D. Américo nesse ano, a minha ordenação sacerdotal, também por opção, não foi, como expectável, no ano seguinte, mas no ano 2000, a primeira ordenação de D. Jacinto, como Bispo de Lamego, a 8 de julho. Sobre estas últimas ordenações de D. Américo, o Padre João Carlos dedica as páginas 235-238, com as fotos que ilustram esses momentos.

Quando D. Américo foi nomeado para Bispo Coadjutor da diocese de Lamego, era seminarista, pelo que muitos dos acontecimentos relatados no livro, impressões, celebrações, encontros vivi-os de perto, sendo que, não integrando o coro do Seminário, fazia parte do grupo de acólitos que habitualmente acolitavam nas celebrações da Sé, como por exemplo, na Ordenação Episcopal de D. Jacinto.

05.06.23

Sugestão de leitura: Os Jovens à procura da Identidade

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“Este livro é, como uma mochila pedagógica que nasceu do caminhar com os jovens e com pessoas de outras idades, da escuta e do acompanhamento, e deseja ser um livro vivo, de trabalho, de ajuda para cada jovem, para pais e outros educadores, para animadores de grupos de jovens, para acompanhantes de pessoas no seu crescimento, para que todos os que participam na dedicação e na pastoral dos jovens”.

Apresenta-se (contracapa) este livro que ora sugerimos. É um belo subsídio pastoral. Parte do concreto, da análise/diagnóstico da sociedade. O autor avaliza as sombras, os contextos negativos e destrutivos, contrabalançando com as potencialidades, desafios e vivências de bondade, generosidade, de comprometimento com a justiça, com a autenticidade, na defesa da casa comum.

A preocupação não é fazer um diagnóstico da sociedade atual, mas parte da realidade, para desenvolver princípios e orientações, propostas de reflexão, de trabalho e de compromisso. É essencial conhecer os contextos, as circunstâncias, o ambiente cultural e religioso, económico e político, para propor caminhos que permitam aos jovens descobrir a sua identidade e viver de acordo com os valores que os humanizam, aproximam e os predispõe na construção de uma sociedade mais justa, onde todos têm lugar, não como vítimas, como espetadores, mas como autores.

Em cada um dos capítulos, o autor faz uma proposta de estudo, uma proposta de trabalho, individual, mas de preferência em grupo, na família, com adolescentes, crianças, jovens ou adultos.

É um belíssimo instrumento de trabalho para grupos de jovens e de uma forma próxima, para a preparar a participação na Jornada Mundial da Juventude, que se aproxima.

No prefácio, D. Nuno de Almeida, sublinha: “Sem esquecer tudo o que provém da vida concreta dos jovens, o Pe. José Luís, nesta obra, parte da certeza de que Deus está presente e operante na vida dos jovens, reconhecendo em cada um a presença de Deus: Deus ama os jovens, Jesus nunca se afasta deles, o Espírito Santo atua na sua vida. Em Maria de Nazaré, os jovens têm Mãe… O Pe. José Luís, com esta obra, está a convidar-nos a reconquista a proximidade com as jovens gerações e com elas percorrer as suas vias que, segundo o papa Francisco, na Christus vivit, caraterizam a pastoral dos jovens, mua caraterizada pela busca, a convocação, o chamamento, a atração dos jovens para a experiência de relação com Jesus Cristo… a outra desenvolve-se no crescimento, no desenvolvimento de um caminho de amadurecimento daqueles que se deixaram tocar a convidar”.

 

O autor – José Luís do Souto Coelho: Nasceu em 1956, em Galegos Santa Maria, Barcelos, filho de António e Maria Luísa, oleiros, irmão de três irmãs e quatro irmãos, em ambiente de trabalho, de oração e de fé. Cresceu aprendendo a simbolizar e a gostar de coisas belas, no meio de imagens de presépios e de galos de Barcelos, artesanato, cores vivas, expressivas, mãos criadoras, a arte transforma a vida na arte de ser.

Desde os 11 anos, foi educado pelos Espiritanos, para a missão «entre os mais pobres e abandonados». É padre da Comunidade Shalom, onde ingressou aos 26 anos, uma Sociedade de Vida Apostólica para a evangelização da juventude, como uma «pequena semente de libertação». Foi ordenado em 19 de março de 1984, por D. Aloísio Lorscheider, em Fortaleza, Brasil. Viveu como missionário em Portugal, Cabo Verde e Brasil. Tem formação em Filosofia, Teologia, Psicologia e Espiritualidade.

Gosta de caminhar, de respirar, de contemplar, de silêncio, de orientar retiros, de fazer músicas, de trabalhar com jovens e adultos, de doar a vida no seguimento de Jesus, como peregrino do Mistério.

 

Autor: José Luís do Souto Coelho

Título: Os jovens

Subtítulo: À conquista da identidade

Editora: Paulinas Editora

Ano: 2023

Páginas: 240.

Livro disponível nas livrarias e online na página da Editora: PAULINAS.

23.03.22

D. António Couto - As Mulheres nas Cartas de São Paulo

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D. ANTÓNIO COUTO (2022). As Mulheres nas Cartas de São Paulo. Gaeiras: Alêtheia Editores. 130 Páginas.

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Há tempos, através da transmissão da Missa dominical, cuja segunda leitura trazia uma das cartas de São Paulo, em que falava da submissão de todos a Cristo, mas, na continuação da leitura, falava na submissão da mulher ao marido, como da Igreja a Cristo. Para quem ler o texto com honestidade, vê que a submissão, em lógica de amor e serviço, é recíproca. Ao marido é dito claramente que há de amar a mulher como ao seu próprio corpo, portanto, não se trata de o homem submeter a mulher, mas de amá-la como Cristo amou a Igreja e deu a vida por ela.
Mas logo surgiram algumas pessoas escandalizadas, multiplicando as partilhas e a polémica e, diria eu, evidenciando uma grande ignorância religiosa (bíblica). Para ajudar a clarificar os escritos de São Paulo, os genuínos e os que foram retocados. D. António resolveu colocar em pratos limpos a visão de São Paulo, bem como os acrescentos que foram feitos posteriormente.
 
“Dados os ‘apupos’ que se fizeram ouvir um pouco por toda a comunicação social e redes sociais por causa de um texto notável de São Paulo que, aparentemente, à primeira vista e audição, impunha à mulher submissão ao marido, resolvi também eu, ilustre Teófilo, examinar atentamente tudo e oferecer de forma ordenada e a quem o desejar, também ao mundo moderno, um percurso em que se mostra com suficiente clareza a maneira excecional como Paulo se relacionou com as mulheres concretas, com nome, que encontrou no seu caminho, e como refletiu sobre a sua condição e missão nas comunidades cristãs primitivas.
O leitor atento terá oportunidade de encontrar nas páginas que se seguem alguns dos textos mais emblemáticos e problemáticos que tanto espanto têm provocado. Terá oportunidade de os encontrar e de os compreender, e até de se surpreender e encantar com o excesso de sentido que deles emana.
É tempo de alguns preconceitos caírem, como caiu o muro de Berlim. O que não se espera, também pode acontecer".

23.03.22

D. António Couto - Olhar a Família com os olhos de Deus

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D. ANTÓNIO COUTO (2022).Olhar a Família com os olhos de Deus. Apelação: Paulus Editora. 156 páginas.

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Enquanto decorre o Ano da Amoris Laetitia, o Bispo da Diocese de Lamego, D. António José da Rocha Couto, serve-nos, com mestria, esta obra dedicada à família, partindo de diferentes textos bíblicos. 
 
Nada melhor do que ser o próprio a apresentar este livro:
 
“Em ano dedicado à família, e estando ela, em qualquer das suas dimensões (família de sangue, família eclesial, família religiosa…), tão corroída e anémica, mas sendo também célula perseguida por diferentes viroses ideológicas que percorrem o nosso tempo, decidi compor este pequeno livro, de sabor bíblico e cultural sério, que intitulo Olhar a família com os olhos de Deus, e que consta de três ensaios, que intitulei: «Deus e Israel. As metáforas da família nos Profetas» (1), «Aliança conjugal. Fundamentos bíblicos da família» (2) e «Identidade e missão da família a partir da Bíblia» (3).
São abordados os temas e problemas principais que assolam o nosso tempo sem compromissos e sem nascimentos, e com os mais debilitados e idosos, a quem roubámos já a sua liberdade de escolha, nas ágoras e átrios públicos tão apregoada e defendida, atirados para um limbo eterno, mais ou menos amorfo e anódino, onde os seus afetos não são correspondidos, as suas emoções vão para o baú dos trapos e para o canto das bonecas, e assuas razões não valem nada, e vão para o caixote! Que mundo é este, atravessado por tantas contradições, e conduzido ao que parece por tantos «Eu» sem «me» (Maurice Blanchot).
É como tentar destilar a Bíblia, que é uma explosão de vida, de dramas, de tensões e de emoções, para a tentar reduzir a uma série de princípios, mais ou menos como tentar reduzir uma pessoa viva a uma diagrama! (Abraham Joshua Heschel). Não há compromissos duradouros. Metem medo a quem ainda tem liberdade de escolha! O que há, no campo sentimental, são «relações de bolso» (Catherine Jarvie) ou «compromissos enlatados» (Anthony Giddens), tudo rápido, estéril e descartável, assente apenas na satisfação corrente, sem obrigações, tudo pronto a «consumir de preferência antes de…» (Anthony Giddens).
Percebe-se agora talvez melhor por que razão a questão do «outro», que é o «não identificável», o «sem eu», o «me sem eu», o «sem nome», seja hoje a questão do Ocidente, e que conceitos como responsabilidade, liberdade, alteridade, socialidade, hospitalidade, mandamento, obediência tenham de ganhar hoje novas tonalidades e articulações.
E fica igualmente a descoberto que quem quiser levantar esta sociedade desencantada, anestesiada, desinfetada, medicada, esvaziada, dependurada, tem primeiro de lhe restituir tudo o que lhe roubou: Deus, a Providência, a alma, os pais, os filhos, os netos, o chão, o céu, a casa, o sonho, as canções, o amor, a emoção, a comoção, a história, as histórias, a tradição, o rosto, o rosto do outro, a heteronomia, a exterioridade, a socialidade, a responsabilidade pelo outro. Ninguém levanta um saco vazio. Só se pode dependurá-lo. Assim também não é possível levantar uma sociedade esvaziada e dependurada, a não ser restituindo-lhe tudo o que lhe foi roubado.
Deixo nas tuas mãos este pequeno livro. Podes saboreá-lo devagar. Tem múltiplos aromas e sabores”.

02.03.22

Marta Arrais - GUIA PARA UMA VIDA SIMPLES

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MARTA ARRAIS (2022). Guia para uma vida simples. Lisboa: Planeta. 256 páginas.

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A sugestão deste livro é mais que natural, como os vários textos-crónicas-reflexões de Marta Arrais que lemos com interesse e recomendamos vivamente. A autora tem o dom de escrever bem, escorreitamente, de forma simples e acessível, percetível. A erudição, as frases poéticas, não dificultam a leitura e a sua compreensão. Por outro lado, vê-se bem que escreve com alma e com o coração, lançando pistas, desafios interpelando, fazendo-nos parar, sonhar, voar, mostrando como o ser humano é um mistério, em construção e a caminho e que existem aspetos na nossa vida que podem ser mudados, se não ao nível dos acontecimentos, pelo menos, ao nível da atitude que se assume perante os mesmos, perante a vida e diante dos outros. O convite é o de sempre: caminharmos juntos, não deixarmos ninguém para trás, sabermos dizer sim, mas também dizer não, largarmos as pessoas que trazem toxidade à nossa vida, não termos pressa de viver o dia seguinte, vivamos hoje com toda a intensidade que nos é possível!
 
Muitos dos textos aqui servidos foram escritos durante este longo tempo de invernia, deste tempo de pandemia, e, por conseguinte, fazem eco das preocupações, acolhem as frases feitas, transparecem as lágrimas, os sorrisos e as perdas, deixando claro que nada será como dantes, ainda que muitos o predissessem, que tudo ficaria bem, ou que o pós-pandemia seria uma oportunidade para um mundo mais justo e solidário, mais fraterno. Porém, ainda dentro deste embotamento, muitos sinais contraditórios de egoísmo, de aproveitamento, de esquecimento dos mais vulneráveis. Os chavões, muitos deles, não passaram de intenções que ficaram pelo caminho ou de expectativas, entretanto, goradas quando se voltou a algum tipo de normalidade.
 
Pelos títulos que encimam cada capítulo, ficamos com uma noção de algumas provocações e convites: 1) Optar pelo essencial; 2) Desligar; 3) Perdoar; 4) Estar disposto e disponível; 5) Aceitar sem compreender; 6) Ter só o que fizer falta; 7) Viver um momento de cada vez; 8) Ouvir (mais) o que é bom; 9) Deixar ir; 10) Desisti quando for preciso; 11) Ter calma e paciência.
 
A abrir, diz-nos Marta Arrais: “Este livro é um mapa. Um conjunto de páginas que querem sugerir sentidos, trilhos, caminhos, rotas e possibilidades. Antes de começares esta sugestão de viagem, convém que apagues as luzes de tudo o que te distrai e não te deixa pensar com clareza, com chama e fluidez. Não precisas de deixar o que é teu e o que te é querido. Também não é necessário que apagues nenhuma linha da tua história. A ideia é que encontres, nestas páginas, uma ponte que te ajude a encontrar um equilíbrio diferente, uma paz mais quieta, uma vida tranquila e menos atribulada… Está tudo a acontecer ao mesmo tempo? Deixa estar. Não sabes se vais conseguir lidar com a tempestade que já ouves ao longe? Deixa estar. Querem que faças demasiadas tarefas de uma vez só? Deixa estar. Não reconheces as pessoas que foram sempre tuas? Deixa estar. Não estás a conseguir vislumbrar os sonhos e os planos de sempre? Deixa estar. Sossega. Antes de começares, deixa tudo onde tiver que ficar. Não te preocupes. Ninguém consegue tomar decisões quando há demasiado ruído ou quando há demasiada turbulência. Suspende o mundo lá fora. Prende ao peito um ‘Volto já’ e volta quando puderes. Quando quiseres. Quando estiveres pronto. Vamos a isso?”

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Mais alguns pedaços de texto da autora:
Hoje eu não consigo perdoar-te. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo encontrar bondade nas pessoas que estão comigo. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo procurar a paz. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo ser feliz. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo não consigo avançar nem um passo. Amanhã tento avançar dois.
Hoje eu não consigo levantar a cabeça do chão. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo encontrar sentido na minha vida. Amanhã tento outra vez”.
Quando não puderes fazer mais nada, ri-te. De ti. Dos tombos que a vida te fez dar. Das lições que tiveste de viver para aprender”.
Se eu não perdoar aquela pessoa que me retirou tempo, disponibilidade e estabilidade emocional, continuarei, na mesma, a deixá-la ficar na minha vida e a perpetuar a sua influência no meu dia a dia. Não vale a pena não perdoar a pessoas tóxicas”.
Viver cada coisa como quem sabe que não pode compreender tudo, entender tudo, fazer parte de tudo… Escolher mais vezes o silêncio. Argumentar menos e interiorizar mais. Não comprar guerras com quem não tem culpa das nossas. Vale mais a pena dividir a nossa guerra com alguém. Ter paciência quando nos faltar a paz”.
Nem sempre somos paz. Nem sempre somos capazes de não incendiar um rastilho que leve a uma ou outra guerra. Nem sempre conseguimos ser bons. Dizer bem dos outros. Não julgar. Nem sempre somos os que terminam as discussões. Muitas vezes, somos os seus protagonistas e os seus iniciadores. Nem sempre somos os primeiros a dar a mão a quem precisa. Muitas vezes somos os primeiros a deixar o barco à deriva”.
Não oiças vozes venenosas, manipuladoras ou demasiado queixosas. São veneno para a saúde da alma”.
A fé é saber que não estamos sozinhos. Que há alguém que nos acompanha, nos guarda e zela por nós. É saber que não estamos cá por uma razão aleatória ou por descuido do universo. Estamos cá porque precisamos. Porque temos de fazer do mundo um lugar único”.
“Não esperes que se resolva. Resolve.
Não esperes que mude. Muda.
Não guardes para depois. Hoje é o dia.
Não te afaste sem ninguém ver. Diz que vais. Por que vais.
Não te escondas nas entrelinhas. Fala.
Não fales quando estiveres furioso. Acalma-te primeiro.
Não sonhes com o céu. Voa e chega lá.
Não te agarres às coisas do mundo. Não queiras ser daqui.
Não saltes sem ver o chão. Vai devagar.
Não tenhas pressa de viver o que ainda não chegou. Cada passo a seu tempo.
Não culpes. Desliga-te da mágoa e passa à frente.
Não te culpes. Fizeste o que podias. Como sabias.
Não te rias do que não conheces. Observa primeiro, julga depois.
Não faças festas. Sê festa.”
 
Não te rendas quando o combate ainda vai a meio.
Não te rendas quando a luta for pelo bem.
Não te rendas ao que te contam. Pode não ser verdade.
Não te rendas ao que te assusta. O medo faz os melhores heróis.
Não te rendas, a vida ainda agora começou”.
 
Não te esqueças de agradecer o passado. Foi ele que te trouxe, pela mão, até aqui. Já cá estás. Agora, podes deixá-lo ir. De vez em quando, podes fazer-lhe uma visita, mas é melhor que resistas à tentação de viver com ele”.
“Não te esqueças: quando viveres algo terrível – espera. Com paciência. Com cuidado. Lá mais para a frente vais ser capaz de entender tudo”.
 
Não estamos cá para ser pouco. Estamos cá para ser tudo”.

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